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2.1 O caminho do Método

2.1.2 A recusa consciente da simplificação

O método da complexidade proposto por Edgar Morin não trata de procedimentos metodológicos compreendidos como técnicas de pesquisa. “Uma metodologia define um programa de trabalho preciso e definitivamente estabelecido. Meu método pretende ser uma ajuda para o espírito18 para que ele enfrente as complexidades e elabore suas estratégias” (MORIN, 2010a, p. 242). Na comparação com o paradigma cartesiano, o autor considera que o método de Descartes aproxima- se de uma metodologia, já que prescreve processos a serem seguidos para chegar ao conhecimento. Já o método da complexidade indica exigências a serem satisfeitas para tratar a complexidade; pressupõe a construção do conhecimento por meio da superação do pensamento simplificador, fazendo uso de estratégias cognitivas. “O objetivo do método, aqui, é ajudar a pensar por si mesmo para responder ao desafio da complexidade dos problemas” (MORIN, 2015, p. 37). O paradigma da complexidade, de maneira mais ampla, é a visão de mundo que vai mobilizar as questões do sujeito pesquisador na elaboração das suas interrogações em torno da questão estudada.

[O paradigma de complexidade] Incita a distinguir e fazer comunicar em vez de isolar e de separar, a reconhecer os traços singulares, originais, históricos do fenômeno em vez de ligá-los pura e simplesmente a determinações ou leis gerais, a conceber a unidade/multiplicidade de toda entidade em vez de a heterogeneizar em categorias separadas ou de a homogeneizar em indistinta

18 O autor usa o termo “espírito” para fazer referência ao que, em língua portuguesa, pode-se compreender como a mente humana. Como o próprio Morin reconhece, o uso da palavra francesa “esprit”, em sua língua materna, leva a uma dificuldade de expressão, já que ela em outras línguas pode ser traduzida no sentido da mens latina (mind, mente) e no sentido espiritual. “Quando escrevo espírito, quero dizer mind, com todas as diversas qualidades que surgem com ela” (MORIN, 2012a, p. 38).

totalidade. Incita a dar conta dos caracteres multidimensionais de toda realidade estudada (MORIN, 2010b, p. 334).

Se não tem ou não é propriamente uma metodologia, a complexidade pode ter um método: assim como o método de Marx envolvia perceber os antagonismos de classe dissimulados sob a aparência de uma sociedade homogênea, e o de Freud, ver o inconsciente no consciente e o conflito dentro do ego, Morin define que o método da complexidade sugere que se pense nos conceitos sem que estes sejam dados por concluídos, mas sempre como conhecimento em construção:

[...] para quebrarmos as esferas fechadas, para restabelecermos as articulações entre o que foi separado, para tentarmos compreender a multidimensionalidade, para pensarmos na singularidade com a localidade, com a temporalidade, para nunca esquecermos as totalidades integradoras. É a concentração na direção do saber total, e, ao mesmo tempo, é a consciência antagonista e, como disse Adorno, “a totalidade é a não- verdade”. A totalidade é, ao mesmo tempo, verdade e não-verdade, e a complexidade é isso: a junção de conceitos que lutam entre si (MORIN, 2010b, p. 192)

O método da complexidade parte da recusa consciente à simplificação absoluta. O pensamento simplificador oculta as ligações, articulações, solidariedades e interdependências dos fenômenos – ou seja, sua complexidade. A própria noção do que é simples acaba ressignificada nessa lógica. Inspirado em Bachelard, Morin assume a ideia de que não há o “simples”, mas apenas o “simplificado”. “O simples é apenas um momento arbitrário de abstração arrancado das complexidades, um instrumento eficaz de manipulação laminando um complexo” (MORIN, 2008a, p. 456). A originalidade do paradigma da complexidade é que ele compreende e integra a simplificação ao opor-se a ela como princípio absoluto e integrando-a como princípio relativo. Não se opõe à análise, à distinção ou ao isolamento do objeto de análise, mas os inclui deliberadamente em um processo ativo e gerador.

O paradigma de complexidade não é antianalítico, não é antidisjuntivo: a análise é um momento que volta sem parar, ou seja, que não se afunda na totalidade/síntese, mas que também não a dissolve. A análise chama a síntese que chama a análise, e isso ao infinito em um processo produtor de conhecimento (MORIN, 2008a, p. 462).

A ideia equivocada de que a complexidade seria uma substituta da simplificação pode suscitar mal-entendidos. Morin ressalta que sua “palavra- problema” deve designar o pensamento que comporta ambas as ideias em um todo.

Para pensar o complexo é preciso que se faça a operação cognitiva de distinguir o foco de observação sem, exatamente, separar, reintegrando depois esse objeto em seu conjunto. Colocando lado a lado o princípio de Descartes – dividir os problemas em tantas partes quantas forem possíveis para melhor resolvê-las – e o de Pascal – é impossível conhecer as partes sem conhecer o todo, assim como conhecer o todo sem conhecer particularmente as partes –, Morin afirma que ambos devem integrar-se e não permanecer separados. Trata-se da união entre complexidade e simplicidade: “O conhecimento complexo comporta, certamente, a rejeição da simplificação que dissolve os complexos, mas comporta, também, a aquisição que tudo o que a análise e a distinção fornecem” (MORIN, 2010a, p. 192). A simplificação é necessária, afirma, mas ela deve ser relativizada: “[...] aceito a redução consciente de que é redução e não a redução arrogante que crê possuir a verdade simples, por detrás da aparente multiplicidade e complexidade das coisas” (MORIN, 2008b, p. 148). Para o autor, a complexidade é a união dos processos de simplificação – seleção, hierarquização, separação, redução – com os outros contraprocessos – comunicação, articulação do que está dissociado e distinto. O pensamento complexo não precisa optar entre o pensamento redutor, que só vê os elementos, e o pensamento holístico, que vê apenas o todo: ele articula ambos (MORIN, 2008b).

Foi imprescindível para o desenvolvimento do pensamento científico, incluídas aí as ciências sociais, que se estabelecesse o método da disjunção, da redução e da abstração. No entanto, Morin alerta para o fato de que esses princípios passaram a governar a mente das pessoas em todos os âmbitos, e é preciso que se percorra o caminho da complexidade para dar respostas a problemas e questões que o pensamento simplificador não dá conta.

Outro risco ao se confrontar o pensamento complexo é o de confundir complexidade com completude. O pensamento complexo aspira ao conhecimento multidimensional, mas consciente de que o conhecimento completo é impossível. “Um dos axiomas da complexidade é a impossibilidade, mesmo em teoria, de uma omnisciência” (MORIN, 2008b, p. 9). O problema da complexidade não é o da completude, mas o da incompletude do conhecimento; ele luta não contra a incompletude, mas contra a mutilação. Ao observar um fenômeno na perspectiva da complexidade, o desafio consiste em manter-se consciente de articulações feitas pelos cortes entre diferentes disciplinas, categorias cognitivas e tipos de conhecimento,

assumindo, no horizonte da multidimensionalidade, os princípios inevitáveis de incompletude e incerteza (MORIN, 2010b).