• Nenhum resultado encontrado

Autocomunicação de massa, interação mediada on-line e audiências ativas

A internet e os dispositivos móveis favoreceram a ampliação do acesso a um maior volume de informação e vêm revolucionando continuamente a maneira como

gênero, região e educação em cada país. Foram excluídas as pessoas que disseram não ter consumido notícias no último mês. No Brasil, a amostra teve 2.013 respondentes (NEWMAN et al., 2019).

as pessoas consomem a informação jornalística. No entanto, a mudança mais radical está na forma como as pessoas passaram a interagir a partir da emergência das tecnologias digitais, que constitui aquilo que Thompson (2018) chama de interação mediada on-line. Em sua proposta de teoria social da mídia, Thompson (2014; 2018) observa que as transformações no âmbito da comunicação mudam, também, as interações entre os indivíduos, para além dos efeitos econômicos, técnicos ou tecnológicos que acarretem. Para o autor, “[...] quando os novos meios de comunicação são desenvolvidos e introduzidos, eles mudam as maneiras pelas quais os indivíduos se relacionam uns com os outros e com eles próprios” (THOMPSON, 2014, p. 9).

Em uma abordagem centrada na ideia de que os meios de comunicação são apenas um entre os vários fatores importantes que moldam a formação das sociedades modernas, e que, portanto, só podem ser entendidos em termos sociológicos, o autor sugere em sua teoria interacional da mídia que os meios e seu impacto devem ser observados em relação aos tipos de interação que o seu uso provoca. Nessa perspectiva, identifica quatro tipos de interação: (a) a interação face a face, que ocorre em um contexto de copresença e cenário espaço-temporal comum; uma conversa cotidiana pessoal entre dois indivíduos seria o melhor exemplo desse tipo de interação; (b) a interação mediada, na qual as informações ou conteúdos simbólicos são transmitidos para indivíduos que estão distantes no espaço ou no tempo (ou em ambos); uma conversa telefônica ou troca de e-mails seriam exemplos desse tipo de interação; (c) a quase-interação mediada, que, ao contrário das duas anteriores, que são dialógicas, é monológica e voltada para um público formado por receptores potenciais indefinidos; esse seria o tipo de interação típico dos meios de comunicação tradicionais (rádio, TV, jornais, livros); e (d) a interação mediada on-line, também de caráter dialógico, mas orientada de muitos para muitos, surgida a partir das novas formas de ação e interação criadas pelas mídias digitais (THOMPSON, 2014; 2018).

Assim como Castells (2003), Thompson (2014; 2018) ressalta que o surgimento da prensa de tipos móveis, no século XV, e o decorrente desenvolvimento da indústria gráfica impulsionaram as novas formas de interação por meio da comunicação. Antes da imprensa, a maioria das pessoas só trocava informação e conteúdo simbólico pela interação face a face; os livros e documentos escritos ficavam guardados em bibliotecas acessíveis apenas à igreja, à nobreza e a uma restrita elite

intelectual. A partir da expansão da tipografia, nos séculos XV e XVI, e do desenvolvimento de vários tipos de mídia eletrônica a partir dos séculos XIX e XX, as possibilidades de interação na vida social mudaram significativamente, e essa é, para Thompson, a chave para compreender o impacto social de longo prazo da mídia. Embora não tenha desaparecido, a interação face a face foi complementada por outras formas de interação que assumiram um papel cada vez maior – a interação mediada, quase-interação mediada e a interação mediada on-line. “A interação face a face permaneceu muito importante, é claro, mas o mix de interações da vida social alterou-se de maneira fundamental, à medida que essas três outras formas se tornaram cada vez mais importantes e disseminadas” (THOMPSON, 2018, p. 34).

A ênfase no estudo dos processos comunicativos com foco nas interações que os meios proporcionam, como propõe Thompson, é uma perspectiva original e bastante pertinente para a época em que a comunicação ocorre de muitos para muitos e os papeis de emissores e receptores, em muitas situações, se misturam. A compreensão da ideia de interação envolve o grau de compartilhamento do ambiente espaço-temporal entre os participantes do processo de comunicação: com a utilização dos meios de comunicação, foram-se ampliando as possibilidades de tipos de interação que se estendessem no espaço e também no tempo, para além das interações face a face. Mesmo no caso da quase-interação mediada, que é aquela que envolve a audiência aos conteúdos dos meios de comunicação como rádio, TV, jornais ou livros, é importante perceber o estabelecimento de uma interação nesse processo: “[...] não se está apenas recebendo ou consumindo um produto de mídia, mas penetra-se em um tipo distinto de interação social com outras pessoas que estão distantes no espaço e talvez também no tempo” (THOMPSON, 2018, p. 20).

A tipologia das interações proposta por Thompson tem semelhanças com as três diferentes formas de comunicação descritas por Castells (2015): comunicação interpessoal, comunicação de massa e autocomunicação de massa. Enquanto a primeira e a segunda seriam equivalentes à interação face a face e à quase-interação mediada, a autocomunicação de massa combinaria as formas que Thompson distingue como interação mediada e interação mediada on-line (THOMPSON, 2018). A autocomunicação de massa descrita por Castells (2015) é a forma de comunicação interativa característica da Sociedade em Rede. Nela, as mensagens são enviadas de muitos para muitos, em tempo real ou no tempo escolhido. Com a autocomunicação de massa, todos podem ser produtores e consumidores de conteúdo

informativo. Ela constitui um tipo de comunicação de massa porque potencialmente atinge um público global e é “auto” porque a produção, a definição dos potenciais receptores e a seleção das redes utilizadas são decididas pelos próprios produtores dos conteúdos. Castells salienta que a autocomunicação de massa coexiste com a comunicação interpessoal e a comunicação de massa, formas anteriores de comunicação. Portanto, essa nova forma de comunicação, que traz consequências para a organização social e a comunicação cultural, “[...] é a articulação de todas as formas de comunicação em um hipertexto digital composto e interativo que inclui, mistura e recombina em sua diversidade toda a variedade de expressões culturais transmitidas pela interação humana” (CASTELLS, 2015, p. 102).

Seja designada como autocomunicação de massa ou como interação mediada on-line, pode-se afirmar que essa comunicação interativa, intensiva, hiperconectada e dialógica estimulada pela internet cada vez mais disponível por meio dos dispositivos móveis é uma das características mais marcantes da Sociedade em Rede. A pulverização do papel de emissão de mensagens – que deixam de ser enviadas de um para muitos e passam a circular de muitos para muitos – destitui dos meios de comunicação tradicionais o protagonismo que tiveram no passado. Tomando a comunicação, de maneira ampla, como “[...] o compartilhamento de significado por meio da troca de informação”, Castells (2015, p. 101) ressalta que, no que diz respeito à abrangência do processo, a comunicação interpessoal deve ser diferenciada da comunicação da sociedade; no que designa como “comunicação de massa” tradicional, assim como na quase-interação mediada de Thompson, as mensagens são enviadas de um para muitos, com pequenas possibilidades de que, nesse processo, haja alguma forma de interatividade (como a participação de ouvintes em programas de rádio, por exemplo) – embora, como salienta Thompson, o processo deva ser compreendido como um tipo de interação. Porém, a difusão da internet alterou radicalmente a possibilidade de comunicação interativa, com o envio de mensagens de muitos para muitos, em tempo real ou no tempo escolhido. Além disso, os sites de redes sociais criaram um tipo distinto de interação social on-line, marcado não apenas por contatos interpessoais, mas também possibilitando ações voltadas ao compartilhamento de conteúdos, distribuição de marketing, e-commerce, ativismo sociopolítico, educação, engajamento cultural, mídia e entretenimento, entre outros usos diversos (CASTELLS, 2015; THOMPSON, 2018). Castells (2015) chega a afirmar que a atividade mais importante na internet acontece por meio dos sites de redes

sociais. O Facebook é a rede social com maior número de contas ativas, engajando cerca de 2,37 bilhões de pessoas em todo o mundo (KEMP, 2019).69 Porém, com os recentes fenômenos de disseminação de desinformação e de discurso de ódio atribuídos a essa rede, tem havido uma estagnação e mesmo recrudescimento em seu uso, conforme a pesquisa seriada do Reuters Institute – não só na interação para qualquer finalidade como também para consumo de notícias (NEWMAN et al., 2019).70