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5.4 Análise de conteúdo: quatro exemplos de jornalismo contextualizado

5.4.5 Considerações sobre a análise de conteúdo

O breve exercício de análise de conteúdo aqui apresentado visou indicar exemplos de matérias que podem ser consideradas jornalismo contextualizado, todas escolhidas a partir de leitura flutuante em veículos on-line e publicadas em função de acontecimentos factuais. Optei por não incluir nos exemplos reportagens especiais porque, como observei em diversos momentos ao longo da tese, penso ser equivocada a associação imediata e exclusiva entre uma maior contextualização do acontecimento e o gênero reportagem. É certo que, na medida em que uma reportagem trata de acontecimentos de maneira ampliada, não se prendendo, por definição, a fatos novos (LAGE, 2005; 2012), naturalmente um texto jornalístico desse gênero tenderá a maior uso de recursos de contextualização. Porém, levando-se em conta os conceitos propostos no item 5.3 para as noções de contexto e de contextualização aplicados ao jornalismo, busquei encontrar em textos factuais exemplos que contivessem elementos suficientes para ilustrar as operações cognitivas que o jornalista mobiliza no trabalho de observar o contexto do acontecimento no processo de contextualização.

Nesse esforço metodológico, as categorias de análise que propus a partir do referencial teórico descrito no Quadro 2 corresponderam ao intuito de aproximação dos objetos de análise a partir de perspectivas distintas de observação da construção

do contexto. Esse exercício experimental pode ser aprimorado e ampliado para utilização em pesquisas futuras que visem ao estudo do contexto no jornalismo, inclusive expandindo as possibilidades de análise para outros gêneros textuais e linguagens midiáticas.

A fim de uma melhor visualização das categorias identificadas nos textos apresentados, sintetizei-as no Quadro 3:

Quadro 3 – Sistematização das categorias de análise identificadas nos exemplos

Estágios Categorias Exemplo 1 Exemplo 2 Exemplo 3 Exemplo 4 Estágio 1: Observação panorâmica Paradigma x x x Imprinting, normalização Razão, racionalidade, racionalização x x x Sistema, organização x x x x Dialogia, recursividade, holograma x x Acontecimento, singularidade x x x Estágio 2: Elaboração cognitiva Explicação x x x x Indicação de tendências x x Descrição x x x x Estágio 3: operacional ização de recursos de hipermídia Hipertextualidade x x x x Multimidialidade x Interatividade x x Instantaneidade x x Ubiquidade x Memória x x x Personalização x x Criatividade x

Fonte: Elaborado pela autora.

Em relação especificamente aos quatro textos analisados, é possível perceber que o fato de terem sido selecionados em veículos da mídia de referência implica, de maneira geral, numa observação panorâmica feita a partir de uma mesma lente: a dos valores democráticos como a razão, a laicidade, a imprensa livre e o saber científico.

As categorias da elaboração cognitiva estiveram presentes nos quatro textos, marcando a vinculação entre a ação de contextualizar com a produção de conhecimento por meio de uma explicação detalhada dos acontecimentos, seja recorrendo a comparações, resgate histórico, detalhamento de processos ou outras

operações que os autores de cada matéria definem de forma estratégica, a depender do assunto tratado.

Já as potencialidades da internet, que alguns teóricos chegam a classificar como definidoras de um estilo jornalístico que se defina como “jornalismo contextualizado”, de fato são utilizadas na prática, de forma a enriquecer e ampliar os conteúdos dos textos, mas não de forma tão decisiva a ponto de justificarem a constituição de um gênero jornalístico.

O que conduz o processo de contextualização e, consequentemente, de construção do conhecimento é a qualidade das informações apresentadas, a relação estabelecida entre elas e os elementos de contextualização e a elaboração mesma do texto, feita pelo jornalista. Sucintamente, um texto contextualizado é jornalismo bem escrito, coerente e em texto organizado – independentemente de sua linguagem ou formato.

Os recursos de hipermídia incluídos para o enriquecimento da experiência do leitor devem ser pensados a partir da lógica do texto, e não o contrário. Além disso, as possibilidades de caminhos para fora do texto original podem ser tão variadas que dificilmente um único indivíduo conseguiria dar conta de percorrer todos os conteúdos linkados a partir do inicial. Em outras palavras, sugerir que o leitor clique em um link não significa que ele irá necessariamente seguir esse caminho. A contextualização potencial, portanto, não necessariamente se efetiva apenas com os recursos de hipermídia.

Ao contextualizar os acontecimentos, o jornalismo pode assumir uma função social de grande relevância na Era da Informação e afirmar sua importância como mediador qualificado no ambiente comunicacional onde a informação circula de forma desordenada, acelerada e excessiva. Nesse ambiente, os critérios para se definir em que informação acreditar têm se tornado cada vez mais desafiadores para a audiência. Se assumimos com Kovach e Rosenstiel (2014) que o jornalismo tem o propósito de fornecer aos cidadãos a informação de que eles precisam para que sejam livres e autônomos, podemos também ponderar que essa informação só cumpriria seu potencial transformador quando, posta em contexto, se convertesse em conhecimento – com a mediação do jornalismo. Compartilho com Sandano (2015) a perspectiva de que conhecer a realidade implica a possibilidade de uma intervenção

consciente para sua transformação, o que remete à ideia de liberdade e livre arbítrio sugerida pelos autores norte-americanos.

Emerge aqui, também, a questão da democracia – não apenas no sentido mais amplo relacionado à participação política, à igualdade, ao funcionamento de instituições representativas, ao monitoramento, à liberdade, ao pluralismo e ao debate público, mas especificamente no ponto de interesse desta tese, que é o direito do cidadão de ter acesso ao conhecimento e fazer dele uso crítico e transformador. Enquanto instituição integrante das sociedades democráticas e forma de conhecimento contextualizado num mundo cada vez mais complexo, será crescente a relevância do jornalismo na construção de uma “democracia cognitiva”, nos termos sugeridos por Morin (1991; 2012b; 2014a). Com essa ideia norteadora, encaminho as considerações finais desta tese.