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Iniciamos este Capítulo com o questionamento feito pelo Prêmio Nobel de Economia de 2001, Joseph E. Stiglitz:

Existem divergências importantes acerca das políticas econômicas e sociais utilizadas em nossas democracias. Algumas dessas divergências são sobre valores – até que ponto deveríamos estar preocupados com nosso meio ambiente (quanta degradação ambiental devemos tolerar se isso nos permitir ter um PIB maior); até que ponto deveríamos nos preocupar com os pobres (que sacrifício em nossa renda total estaríamos dispostos a fazer se isso permitisse que alguns dos pobres deixassem a pobreza ou tivessem sua situação financeira um pouco melhorada), ou até que ponto deveríamos nos preocupar com a democracia (estamos dispostos a nos comprometer com direitos básicos, como os direitos de associação, se acreditarmos que como resultado a economia crescerá mais rápido). Algumas dessas divergências são sobre como as economias funcionam.

Na regência da ordem econômica podemos destacar dois aspectos: o empresarial e o laboral, ambas com disciplinas jurídicas próprias, mas que devem se integrar à disciplina macro que é a atividade econômica, observado, à guisa de ilustração, no comando constitucional que protege o trabalhador em face da automação, conforme o artigo 7º, inciso XXVII, em consonância com o princípio da busca do pleno emprego, previsto no artigo 170, inciso VIII, da Constituição Federal.

Nesse contexto, o objetivo fundamental de erradicar a pobreza e a marginalização e redução das desigualdades sociais e regionais disposto no artigo 3º, inciso III, da Constituição Federal, encontra respaldo e enquadramento constitucional na finalidade de “assegurar a todos existência digna, conforme os

ditames da justiça social”, garantindo, por conseqüência à população o direito à uma

vida adequada, traduzido no caput do artigo 170.

Sendo o Estado regulador do mercado220 e por este pertencer ao patrimônio nacional, devendo ser incentivado de modo a viabilizar o desenvolvimento cultural e

220 Sobre a atuação do Estado na atividade econômica, entendeu o Egrégio Superior Tribunal de

Justiça: “A Constituição Federal, no seu art. 170, preceitua que a ordem econômica é fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tendo por finalidade assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os princípios que indica. No seu art. 174 pontifica que, como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento. Desses dispositivos resulta claro que o Estado pode atuar como agente regulador das atividades econômicas em geral, sobretudo nas

sócio-econômico, o bem-estar da população e a autonomia tecnológica do País, conforme disposto no art. 219, da Constituição Federal, é de se reconhecer o interesse popular ao acesso à atividade econômica, sobrelevando o desenvolvimento nacional e, assim, garantir os direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais.

O ambiente democrático consagrado a partir do processo de democratização no Brasil221 se reconhece como elemento essencial para assegurar a todos, portanto, à população, ao povo, o livre exercício de qualquer atividade econômica, sendo fundamento da ordem econômica previsto no parágrafo único do artigo 170, da Constituição Federal, como verdadeira ode à livre iniciativa, entretanto, sem se desgarrar dos respectivos valores sociais, tanto da própria livre iniciativa, mas, principalmente, do trabalho.

O povo222, conforme dispõe o parágrafo único do artigo 1º da Constituição Federal, deve ser considerado como aquele que exerce o poder “por meio de

representantes eleitos ou diretamente”, sendo oportuno citar o ensinamento de Peter

Häberle:

de que cuidam as empresas que atuam em um setor absolutamente estratégico, daí lhe ser lícito estipular os preços que devem ser por elas praticados” (Ementário STJ n. 09/303 – MS n. 2.887-1 – DF. rel. Min. César Asfor Rocha. 1ª Seção. Unânime. DJ 13-12-93).

221 Manoel Gonçalves Ferreira Filho fala na “sorte da democracia”, mas adverte que “as aparências

enganam”, pois: “Seguramente, ainda hoje, a maioria dos Estados existentes não é verdadeiramente democrática, embora passa ter Constituição nominalmente democrática. É, na melhor das hipóteses, governada autoritariamente.” Explica que “o componente cultural deve ser auscultado”: “Disto resulta uma observação pessimista: a democracia não combina com as culturas não-ocidentais. Ela não se ajusta à cultura islâmica, baseada na superioridade da revelação maometana. De fato, democracia pressupõe neutralidade em face das crenças, ou pelo menos tolerância em face delas, e o islamismo não aceita essa tolerância. Não se ajusta á cultura chinesa, tipicamente elitista, em que o saber e a experiência – o mandarim – devem prevalecer na tomada das decisões, o que repele a igualdade no processo político, etc. Não é provável, portanto, que a democracia seja consagrada em toda parte. Mas é muito provável que ela se arraigue nos Estados-nação vinculados à cultura ocidental. É o que se está vendo.” (Arquivos de Direitos Humanos. O Estado e os direitos fundamentais em face da globalização. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 108-109).

222 Paolo Colliva conceitua povo como sendo: “Uma das primeiras e mais conhecidas afirmações do

conceito político de Povo está muito ligada ao Estado romano, até mesmo na fórmula que o define. De fato, o único modo conhecido de definição da ‘respublica romanorum’ está na fórmula dominante ‘Senatus populusque romanus’ que exprimia, nessa aproximação não disjuntiva, os dois componentes fundamentais e permanentes da ‘civitas’ romana: o Senado, ou núcleo das famílias gentílicas originárias representadas pelos ‘patres’, e o Povo, ou grupo ‘dêmico’ progressivamente integrado e urbanizado que passou a fazer parte do Estado com a queda da monarquia” (COLLIVA, Paolo. Povo. In: BOBBIO, Norberto; MATTEUCCHI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Tradução Carmen C. Varriale [et al.]. Dicionário de Política. Brasília: Universidade de Brasília, 1995. p. 986.

“Povo” não é apenas um referencial quantitativo que se manifesta no dia da eleição e que, enquanto tal, confere legitimidade democrática ao processo de decisão. Povo é também um elemento pluralista para a interpretação que se faz presente de forma legitimadora no processo constitucional: como partido político, como opinião científica, como grupo de interesse, como cidadão.223

Os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa são princípios fundamentais e nos dão a notícia, logo no artigo 1º, IV, da Constituição Federal, da adoção da opção capitalista sem se esquivar do caráter social, encontrando seu fundamento na ordem econômica, posto que fundado na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, apregoado no artigo 170, e que tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social.

Ademais, a propriedade privada, estabelecida como princípio do sistema, continua a ser reconhecida, entretanto compensada/compatibilizada com a respectiva função social, diante, também, da prevalência do interesse popular, devendo a propriedade, assim, ser exercida, não obstante em caráter estritamente privado, de modo a atender a sua função social, sob a pesada pena de perdimento mediante indenização, como ocorre na desapropriação.

7.1. Inclusão das Convenções e Tratados Internacionais sobre Direitos Humanos no Direito Brasileiro

Identificamos na lição de Bobbio, a dificuldade de se estabelecer o respeito pelos direitos do homem no plano interno e externo:

É inútil dizer que nos encontramos aqui numa estrada desconhecida; e, além do mais, numa estrada pela qual trafegam, na maioria dos casos, dois tipos de caminhantes, os que enxergam com clareza mas têm os pés presos, e os que poderiam ter os pés livres mas têm os olhos vendados. (...) O desprezo pelos direitos do homem no plano interno e o escasso respeito à autoridade internacional no plano externo marcham juntos. Quanto mais um governo for autoritário em relação à liberdade dos seus

223HÄBERLE, Peter. Hermenêutica Constitucional: A Sociedade Aberta dos Intérpretes da

Constituição: Contribuição para a Interpretação Pluralista e “Procedimental” da Constituição. Trad. Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1997. p. 37.

cidadãos, tanto mais será libertário (que me seja permitido usar essa expressão) em face da autoridade internacional.224

Assim, a análise partirá do plano externo e sua “internalização”, mediante o alcance do artigo 5º, §2º, da Constituição Federal de 1988, consignando-se que deve prevalecer a clara compreensão do amplo alcance das obrigações internacionais de proteção, para uma mudança de mentalidade conforme proposta de Antônio Augusto Cançado Trindade, onde as disposições dos tratados de direitos humanos vinculam não só os governos – como equivocada e comumente se supões –, mas, mais do que isto, os Estados – todos os seus poderes, órgãos e agentes – precisando, assim, o alcance não só das obrigações executivas, mas também das

obrigações legislativas e judiciais dos Estados Partes nos tratados de direitos

humanos.225

A proclamação dos direitos do homem e do cidadão que Norberto Bobbio discorre no capítulo intitulado de “Herança da Grande Revolução” assim é caracterizada:

Finalmente, as cartas de direito ampliaram o seu campo de validade dos Estados particulares para o sistema internacional. No Preâmbulo ao Estatuto das Nações Unidas, emanado depois da tragédia da Segunda Guerra Mundial, afirma-se que doravante deverão ser protegidos os direitos do homem fora e acima dos Estados particulares, “se se quer evitar que o homem seja obrigado, como última instância, a rebelar-se contra a tirania e a opressão”. Três anos depois, foi solenemente aprovada a Declaração Universal dos Direitos do Homem, através da qual todos os homens da Terra, tornando-se idealmente sujeitos do direito internacional, adquiriram uma nova cidadania, a cidadania mundial, e, enquanto tais, tornaram-se potencialmente titulares do direito de exigir o respeito aos direitos fundamentais contra o seu próprio Estado. Naquele luminoso opúsculo que é A paz perpétua, Kant traça as linhas de um direito que vai além do direito público interno e do direito público externo, chamando-o de “direito cosmopolita”. É o direito do futuro, que deveria regular não mais o direito entre Estados e súditos, não mais aquele entre os Estados particulares, mas o direito que, para Kant, não é “uma representação fantástica de mentes exaltadas”, mas uma das condições necessárias para a busca da paz perpétua, numa época da história em que “a violação do direito ocorrida num ponto da Terra é percebida em todos os outros pontos”.226

Feitas essas considerações, é necessário fixar como ponto de destaque, conforme observação de Fábio Konder Comparato, no terreno dos direitos

224HÄBERLE, 1997, p.37-38. 225 1997, p. 129.

fundamentais, o fato de que a tendência predominante revela no sentido de considerar que as normas de direitos internacionais de direitos humanos, pelo fato de exprimirem de certa forma a consciência ética universal, estão acima do ordenamento jurídico de cada Estado.227

A inclusão do §3º no art. 5º da Constituição Federal provocou e tem provocado discussão na doutrina que se divide em antes e depois da Emenda Constitucional nº 45, de 2004, seguindo na dicotomia entre o que já vinha previsto nos documentos internacionais e o que viria a ser aprovado após 2004, diante da exigência de aprovação na Câmara dos Deputados e no Senado Federal em dois turnos, por três quintos dos votos de seus membros, tendo, assim, equivalência à emenda constitucional:

§ 3º - Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.

Ressalta Flávia Piovesan que somente a partir do processo de democratização do País, deflagrado em 1985, é que o Brasil passou a ratificar relevantes tratados internacionais de direitos humanos, assumindo sua posição em relação ao sistema internacional de proteção dos direito humanos.228

Aos direitos e garantias explícitos na Constituição somam-se os previstos em tratados internacionais, pois nas relações internacionais, a República Federativa do

227 COMPARATO, 2004, p. 61.

228 “Assim, a partir da Carta de 1988 foram ratificados pelo Brasil: a) a Convenção Interamericana

para Prevenir e Punir a Tortura, em 20.07.1989; b) a Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes, em 28.09.1989; c) a Convenção sobre os Direitos da Criança, em 24.09.1990; d) o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, em 24 de janeiro de 1992; e) o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, em 24.01.1992; f) a Convenção Americana de Direitos Humanos, em 25.09.1992; g) a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, em 27.11.1995; h) o Protocolo à Convenção Americana referente à Pena de Morte, em 13.08.1996; i) o Protocolo à Convenção Americana referente aos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (Protocolo de San Salvador), em 21.08.1996; j) o Estatuto de Roma, que cria o Tribunal Penal Internacional, em 20.06.2002; k) o Protocolo Facultativo à Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação contra a Mulher, em 28.06.2002; e l) os dois Protocolos facultativos à Convenção sobre os Direitos da Criança, referentes ao envolvimento de crianças em conflitos armados e à venda de crianças e prostituição e pornografia infantis, em 24.01.2004. A estes avanços soma-se o reconhecimento da jurisdição da Corte Interamericana de Direitos Humanos, em dezembro de 1998”. (PIOVESAN, Flávia. Reforma do Judiciário e Direitos Humanos. In: TAVARES, André Ramos; LENZA, Pedro; ALARCÓN, Pietro de Jesús Lora [Coord.]. Reforma do Judiciário: analisada e comentada. São Paulo: Método, 2005. p. 68).

Brasil deverá atender ao comando constitucional de reger-se pelo princípio da prevalência dos direitos humanos229, entre outros princípios, tal como determina o

artigo 4º, II, em consonância com o artigo 5º, §2º, da Constituição Federal:

§ 2º - Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. A referência “regime” e “princípios” converge com o disposto no Título I (Dos Princípios Fundamentais) em que são “delineados os contornos básicos do Estado

social e democrático de Direito que identifica a nossa República”, e além do regime

adotado, estão ali expressos os fundamentos, objetivos e princípios fundamentais que regem o Estado brasileiro, “seja em nível interno, seja na esfera das relações

internacionais”, concluindo Ingo Wolfgang Sarlet:

Assim, verifica-se que os direitos fundamentais decorrentes do regime dos princípios, conforme denominação expressamente outorgada pelo art. 5º, §2º, da CF, são posições jurídicas material e formalmente fundamentais fora do catálogo (Título II), diretamente deduzidas do regime e dos princípios fundamentais da Constituição, considerados como tais aqueles previstos no Título I (arts. 1º a 4º) de nossa Carta, exegese que se impõe até mesmo em homenagem à especial dignidade dos direitos fundamentais na ordem constitucional. Além disso, importa relembrar que também os direitos decorrentes do regime e dos princípios devem guardar, de acordo com o critério já enunciado, a necessária relação de sintonia (importância equiparada) com os direitos do catálogo.230

A afirmação de Ingo Wolfgang Sarlet, por ser anterior à Emenda Constitucional n. 45/2004, revela o ambiente controvertido na doutrina, comprovado no apontamento por ele feito, justificado na “inexistência de preceito expresso na

Constituição dispondo de forma favorável à recepção automática”, no sentido da

possibilidade de se considerarem os tratados internacionais relativos a direitos humanos (fundamentais) “diretamente incorporados ao ordenamento constitucional,

229 Sobre a prevalência dos direitos humanos, anota José Afonso da Silva ser: “preferível ‘direitos da

pessoa humana’, porque ‘direitos humanos’ pode ter conotação de direitos da Humanidade ou direitos humanitários, o que é mais restrito. Mas o princípio quer se referir aos direitos fundamentais da pessoa humana, tal como configurados no Título II da Constituição e nos documentos internacionais de proteção dos direitos da pessoa humana, e tal como reconhecido no §2º do art. 5º.” (2005, p. 50).

independentemente de qualquer procedimento legislativo formal”, limitando-se aos

“tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”.231

Fundamentando uma teoria monista, combinando os §§ 1º e 2º, do artigo 5º, da Constituição Federal de 1988, diferentemente dos tratados, convenções e atos internacionais em geral, que, conforme dispõe o artigo 84, VIII, da Constituição Federal, compete ao Presidente da República e estão sujeitos a referendo do Congresso Nacional, seus defensores advogam a integração do elenco dos “direitos

constitucionalmente consagrados e direta e imediatamente exigíveis no plano do ordenamento jurídico interno”.232

Com efeito, sob essa exegese, se dá a recepção automática de todos os tratados internacionais ratificados pelo Brasil que versarem sobre direitos humanos, de maneira a dispensar qualquer ato formal complementar para que possam ser diretamente aplicados até mesmo pelos Tribunais internos, ao passo que para os demais tratados internacionais continuaria vigorando a teoria dualista, seguindo a exigência de que trata o artigo 84, VIII, da Constituição Federal.

Nesse sentido, salienta Flávia Piovesan:

Logo, por força do art. 5º, §§1º e 2º, a Carta de 1988 atribui aos direitos enunciados em tratados internacionais a natureza de norma constitucional, incluindo-se no elenco dos direitos constitucionalmente garantidos, que apresentam aplicabilidade imediata.

Conclui-se, portanto, que o direito brasileiro faz opção por um sistema misto, que combina regimes jurídicos diferenciados: um regime aplicável aos tratados de direitos humanos e um outro aplicável aos tratados tradicionais. Enquanto os tratados internacionais de proteção dos direitos humanos – por força do art. 5º, §2º - apresentam natureza de norma constitucional, os demais tratados internacionais apresentam natureza infraconstitucional.

Observamos com clareza o tratamento diferenciado em virtude do que dispõe o artigo 49, I, da Constituição Federal ao atribuir competência exclusiva ao Legislativo de “resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos

internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional”, pois, em face dos argumentos até aqui expostos, os tratados

231 SARLET, 2001, p. 130. 232 TRINDADE, 1997, p. 408.

internacionais sobre direitos humanos que o Brasil é parte, não podem ser considerados um ônus ao Estado, mas sim, uma forma de consolidar e concretizar os direitos humanos universais, além daquele catálogo expresso no Título II (Dos Direitos e Garantias Fundamentais).

Nesse contexto, a Professora Doutora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo chega sugerir uma redação mais adequada ao que foi instituído pela Emenda Constitucional n. 45, qual seja, ao §3º, do artigo 5º, para que “endossasse a

hierarquia formalmente constitucional de todos os tratados internacionais de proteção dos direitos humanos ratificados”, assim como o fez a Constituição da

Argentina (artigo 75, §2º), que elevou os principais tratados de direitos humanos à hierarquia de norma constitucional.233

A questão está longe de ganhar a unanimidade, mas pondera José Afonso da Silva:

Parte da doutrina – que tinha meu apoio – sustentava que essa incorporação se dava já com a qualidade de norma constitucional; outra entendia que assim não era, porque esses acordos internacionais não eram aprovados com o mesmo quorum exigido para a formação de normas constitucionais. Não é o caso de discutir, agora, o acerto ou o desacerto dessas posições, uma vez que a Emenda Constitucional 45/2004, acrescentando esse §3º ao art. 5º, deu solução expressa à questão no sentido pleiteado por esta ultima corrente doutrinária. Temos aí um §3º regulando interpretativamente cláusula do §2º, a dizer que os tratados e convenções sobre direitos humanos só se incorporarão ao Direito interno com o status de norma constitucional formal se os decretos legislativos por meio dos quais o Congresso Nacional os referenda (art. 49, I) forem aprovados com as mesmas exigências estabelecidas no art. 60 para a aprovação das emendas constitucionais – ou seja, discussão e votação em ambas as Casas do Congresso Nacional, em dois turnos, e aprovação por três quintos de votos de seus membros. Direito constitucional formal, dissemos, porque só nesse caso adquirem a supremacia própria da Constituição, pois de natureza constitucional material o serão sempre, como o são todas as normas sobre direitos humanos. A diferença importante está aí: as normas infraconstitucionais que violarem as normas internacionais acolhidas na forma daquele §3º são inconstitucionais e ficam sujeitas ao sistema de controle de constitucionalidade na via incidente como na via direta; as que não forem acolhidas desse modo ingressam no ordenamento interno no nível da lei ordinária, e eventual conflito com as demais normas infraconstitucionais se resolverá pelo modo de apreciação de colidência entre lei especial e lei geral.234

233 PIOVESAN, 2005, p. 68 234 2005, p. 179.

À solução aparentemente dada por José Afonso da Silva é seguida de uma conclusão que o próprio autor reconhece como sendo “uma pena”, acreditando que a “incorporação automática, como direito constitucional, seria uma forma de destacar

seu valor para além das circunstâncias de lugar e de tempo”.235

Entretanto, a inclusão do §3º no artigo 5º, da Constituição Federal, revela antes o problema das categorias de direitos humanos por ela criadas do que da colisão de normas, pois neste caso, podemos nos utilizar da interpretação especificamente constitucional de forma a corrigir eventual distorção.

Ipso facto, explica Flávia Piovesan que por força do artigo 5º, §2º, da

Constituição Federal, “todos os tratados de direitos humanos, independentemente

do ‘quorum’ de sua aprovação são materialmente consticuionais”, e com o advento

do §3º do artigo 5º, passou a surgir duas categorias de tratados de direitos humanos: “a) os materialmente constitucionais; e b) os material e formalmente

constitucionais”.236

Ressaltam Gilmar Ferreira Mendes, Inocêncio Mártires Coelho e Paulo