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Constituição da República Federativa do Brasil (de 05 de outubro de

2. FUNDAMENTO HISTÓRICO

2.1. Histórico Constitucional Brasileiro

2.1.7. Constituição da República Federativa do Brasil (de 05 de outubro de

À época da promulgação da Constituição em 1988, o então Presidente da Constituinte, Ulysses Guimarães, escreveu o prefácio com elogios à Constituição, retratando a importância da questão social, mas também as desigualdades por que passava o povo brasileiro, cuja redação, na observação de Paulo Bonavides, foi o “ponto culminante” e, ainda que lançada oficialmente pelo Senado Federal, foi retirado de circulação “pela impropriedade e natureza esdrúxula do texto

introdutório”, mas de valor histórico e intitulado “A Constituição Coragem” com nítido

teor inspirador e carregado de esperanças, in verbis:

O homem é o problema da sociedade brasileira: sem salário, analfabeto, sem saúde, sem casa, portanto sem cidadania.

A Constituição luta contra os bolsões de miséria que envergonham o País. Diferentemente das sete Constituições anteriores, começa com o homem. Geograficamente testemunha a primazia do homem, que foi escrita para o homem, que o homem é seu fim e sua esperança, é a Constituição cidadã. Cidadão é o que ganha, come, mora, sabe, pode se curar.

A Constituição nasce do parto de profunda crise que abala as instituições e convulsiona a sociedade.

Por isso mobiliza, entre outras, novas forças para o exército do governo e a administração dos impasses. O governo será praticado pelo Executivo e o Legislativo.

Eis a inovação da Constituição de 1988: dividir competências para vencer dificuldades, contra a ingovernabilidade concentrada em um, possibilita a governabilidade de muitos.

É a Constituição coragem.

Andou, imaginou, inovou, ousou, viu, destroçou tabus, tomou o partido dos que só se salvam pela lei.

A Constituição durará com a democracia e só com a democracia sobrevivem para o povo a dignidade, a liberdade e a justiça.24

Esse registro histórico do momento vivido à época, demonstrado por Ulysses Guimarães, retrata a crise da própria dignidade, destacando o brasileiro como sem salário, analfabeto, sem saúde, sem casa, levando à ausência da cidadania, não restando dúvida acerca de sua pertinência, inclusive vindo a constar após mais de

uma década de vigência, com a Emenda Constitucional n. 26, de 2000, também a

moradia como direito social:

Art. 6º. São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. O desenvolvimento na Constituição Federal de 1988 ganha o status de objetivo fundamental, conforme explica José Afonso da Silva:

Agora aparece como um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil. Têm importância interpretativa essas mudanças de posição. Nas Constituições anteriores ligava-se à ordem econômica, o que dava uma visão estreita do desenvolvimento como desenvolvimento econômico. Como um dos objetivos fundamentais da República, alarga-se seu sentido para desenvolvimento nacional em todas as dimensões.25

O Título VII (Da Ordem Econômica e Financeira) se compõe de 4 capítulos, 23 artigos, 51 incisos e 42 parágrafos, adotando no artigo 170 a finalidade constitucional de “assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da

justiça social”, consistindo na base constitucional do sistema econômico.

De acordo com o artigo 170, o Estado participa na economia de forma necessária para que “se busque condicionar a ordem econômica ao cumprimento de

seu fim de assegurar existência digna a todos, conforme os ditames da justiça social e por imperativo de segurança nacional”.26

Se se pudesse expressar a ordem econômica imperativa seria da dignidade econômica e social da pessoa humana e isso se concretiza necessariamente pelo desenvolvimento.

25 SILVA, José Afonso. Comentário contextual à Constituição. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 47. 26 Ibid., p. 707.

2.2. Do Constitucionalismo Social

Com o advento das primeiras Constituições liberais no século XVIII, onde as relações entre as partes eram pautadas eminentemente pela liberdade, o homem passou a ter um problema sério em seu relacionamento. Com o liberalismo os contratos passaram a ser pautados somente pela autonomia da vontade das partes.

Um grande marco do liberalismo foi a Revolução Francesa em 1789 onde se consagrou fortemente a idéia de liberdade e igualdade formal. Aqui se consagrava a liberdade como o grande valor. Já a igualdade se dava somente de maneira em que todos eram iguais perante a lei, e mais nada. Estávamos diante de uma igualdade ficta e não uma igualdade real. A fraternidade ficou para uma concepção meramente religiosa e espiritual, restringindo-se ao campo moral e não jurídico.

A Declaração de Direitos do Estado da Virgínia de 1776 e a Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 consolidaram esse “modelo”.

As Constituições brasileiras que consagraram esse modelo liberal foram duas do século XIX: a Constituição do Império de 1824 e a primeira Constituição da República de 1891.

Diante da consagração material somente da liberdade, ocorreram grandes abusos por parte das pessoas. Nesse modelo, as partes tinham a liberdade de contratar o que quisessem e da maneira que achassem melhor, onde tudo o que era contratado era tido como justo. Naturalmente, alguns abusos foram cometidos, pois em uma relação contratual livre, com autonomia da vontade livre e exacerbada, o mais forte acabava impondo suas condições o que gerava abuso de uma das partes em relação à parte mais fraca. O homem subjugava o próprio homem, pois uma das partes ao precisar celebrar um contrato (até mesmo um contrato de trabalho) acabava se submetendo a qualquer condição.

Com tais acontecimentos o liberalismo passou a ser repensado e começou a surgir no mundo um movimento intitulado do Constitucionalismo Social, que visava consagrar a igualdade real entre as pessoas. Para tanto, tinha como objetivo trazer

para dentro dos textos constitucionais os Direitos Sociais, garantindo assim uma igualdade real entre as partes.

O constitucionalismo social foi um movimento de ordem mundial que tinha como escopo colocar ao lado do homem político o homem social, consagrando assim uma igualdade real entre as partes, ou seja, consagrando ao lado da liberdade a igualdade real.

As Constituições brasileiras que foram influenciadas pelo Constitucionalismo Social se deram a partir da Constituição de 1934, que como vimos foi a primeira Constituição brasileira a estabelecer um rol de Direitos Sociais. Juntamente com os Direitos Sociais, ocorria também a ordem econômica.

2.2.1. Constituição do México de 1917

A primeira constituição a trazer um rol de direitos sociais, foi a Constituição do México em 1917. Apesar da Constituição Suíça de 1874 e emenda de 1896 especificar alguma coisa a respeito de Direitos Sociais, foi realmente a Constituição mexicana de 1917, que sistematicamente consagrou tais direitos fundamentais de segunda geração, que tinha por objetivo consagrar a igualdade real entre as pessoas, coibindo assim a subjugação do homem pelo próprio homem.

A sistemática da Constituição mexicana é a seguinte: Direitos Individuais, Organização do Estado e Direitos Sociais.

O artigo que inaugura esse rol de Direitos Sociais é o 123, que possui a seguinte redação: “Toda persona tiene derecho al trabajo digno y socialmente útil; al efecto, se promoverán la creación de empleos y la organización social para el trabajo, conforme a la ley”.27 Além desse artigo, existe um rol bem extenso na consagração de tais direitos.

27Tradução livre do autor: Toda pessoa tem o direito a um trabalho digno e socialmente útil, sendo

Tal Constituição se encontra em vigor até os dias de hoje, com sua redação original no que diz respeito a esses direitos, mesmo após a grande reforma Constitucional realizada em 2007. Resumidamente, esse texto consagra os seguintes direitos: jornada de trabalho, salário mínimo, proteção ao salário, participação nos lucros da empresa, proteção ao trabalho das mulheres, proteção ao trabalho dos menores, garantia de emprego, isonomia salarial, direito sindical, contrato coletivo de trabalho, greve, previdência social, higiene e segurança no trabalho, proteção à família do trabalhador.

O artigo mais importante de regência da ordem econômica mexicana era o 23.

ARTÍCULO 23. Corresponde al Estado la rectoría del desarrollo nacional para garantizar que éste sea integral y sustentable, que fortalezca la Soberanía de la Nación y su régimen democrático y que, mediante el fomento del crecimiento económico y el empleo y una más justa distribución del ingreso y la riqueza, permita el pleno ejercicio de la libertad y la dignidad de los individuos, grupos y clases sociales, cuya seguridad protege esta Constitución. El Estado planeará, conducirá, coordinará y orientará la actividad económica nacional, y llevará al cabo la regulación y fomento de las actividades que demande el interés general en el marco de libertades que otorga esta Constitución. Al desarrollo económico nacional concurrirán, con responsabilidad social, el sector público, el sector social y el sector privado, sin menoscabo de otras formas de actividad económica que contribuyan al desarrollo de la Nación. El sector público tendrá a su cargo, de manera exclusiva, las áreas estratégicas que se señalan en el Artículo 28, párrafo cuarto de la Constitución, manteniendo siempre el Gobierno Federal la propiedad y el control sobre los organismos que en su caso se establezcan. Asimismo podrá participar por sí o con los sectores social y privado, de acuerdo con la ley, para impulsar y organizar las áreas prioritarias del desarrollo. Bajo criterios de equidad social y productividad se apoyará e impulsará a las empresas de los sectores social y privado de la economía, sujetándolos a las modalidades que dicte el interés público y al uso, en beneficio general, de los recursos productivos, cuidando su conservación y el medio ambiente. La ley establecerá los mecanismos que faciliten la organización y la expansión de la actividad económica Del sector social: de los ejidos, organizaciones de trabajadores, cooperativas, comunidades, empresas que pertenezcan mayoritaria o exclusivamente a los trabajadores y, en general, de todas las formas de organización social para la producción, distribución y consumo de bienes y servicios socialmente necesarios. La ley alentará y protegerá la actividad económica que realicen los particulares y proveerá las condiciones para que el desenvolvimiento del sector privado contribuya al desarrollo económico nacional, en los términos que establece esta Constitución.28

28Tradução livre do autor: Artigo 23 – É do Estado a responsabilidade do desenvolvimento nacional

para garantir que esta seja integral e sustentável, que fortaleça a soberania nacional e seu regime democrático e que mediante o fomento do crescimento econômico e do emprego e uma justa distribuição de oportunidades e de riqueza, permita o pleno exercício da liberdade e dignidade dos indivíduos, grupos e classes sociais, cuja seguridade protege esta Constituição. O Estado planejará, conduzirá, coordenará e orientará a atividade econômica nacional, e levará a cabo a regulação e o

2.2.2. Constituição de Weimar de 1919

A Constituição alemã de Weimar de 1919 foi para muitos o grande marco no Constitucionalismo Social, pois se afirma que esse texto realmente sistematizou e influenciou outras Constituições no mundo a inserir um rol de direitos sociais.

As bases dessa Constituição eram a Organização do Estado, os Direitos Individuais e os Direitos Sociais. Tinha forte influência socialista e pregava, entre outras coisas, nacionalização das normas trabalhistas, liberdade de associação ou liberdade sindical, padrão internacional mínimo de direitos sociais, direito do trabalho, convenção coletiva, gestão participativa nas empresas e participação política nas decisões que dizem respeito à legislação social.

O grande destaque dessa Constituição alemã foi que trouxe, pela primeira vez na Europa, a Constituição Econômica e a difundiu como modelo para o resto do mundo, influenciando, inclusive, a Constituição brasileira de 1934.

fomento das atividades que demande o interesse geral no marco das liberdades que outorga esta Constituição. Para o desenvolvimento econômico nacional concorrerão com responsabilidade social, o setor Público, o setor social e o setor privado, sem excluir outras formas de atividade econômica que contribua ao desenvolvimento nacional. O setor público terá a seu cargo de maneira exclusiva, as áreas estratégicas que estão previstas no artigo 28, parágrafo quarto da Constituição, mantendo sempre o governo federal a propriedade e o controle sobre os organismos que no caso se estabeleçam. Assim mesmo poderá participar sozinho ou com os setores sociais ou privados, de acordo com a lei, para impulsionar e organizar as áreas prioritárias do desenvolvimento. Determinar os critérios de equidade social e de produtividade, que se apoiará e impulsionará as empresas dos setores sociais e privado da economia, sujeitando-as as modalidades que dite o interesse público e o seu uso em benefício de todos dos recursos produtivos, cuidando de sua conservação e do meio ambiente. A lei estabelecerá os mecanismos que facilitem a organização e a expansão da atividade econômica do setor social: das organizações de trabalhadores, cooperativas, comunidades, empresas que pertença majoritariamente e exclusivamente aos trabalhadores e em geral, de todas as formas de organização social para a produção, distribuição e consumo de bens e serviços socialmente necessários. A lei cuidará e protegerá a atividade econômica dos particulares e promoverá as condições para o desenvolvimento do setor privado para que contribua ao desenvolvimento econômico nacional, nos termos desta Constituição.

2.2.3. Constituição da OIT

Em 1919 tivemos o advento da Organização Internacional do Trabalho, efetuado pelo Tratado de Versalhes, que é conhecido como a Constituição da OIT.

Fundada em 1919 com o objetivo de promover a justiça social, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) é a única das Agências do Sistema das Nações Unidas que tem estrutura tripartite, na qual os representantes dos empregadores e dos trabalhadores têm os mesmos direitos que os do governo.

Esse Tratado enumerava alguns princípios de Direito do Trabalho29 e constitui um importante instrumento de fomento e de influência ao serviço do Constitucionalismo Social.

A “OIT foi criada pela Conferência de Paz após a Primeira Guerra Mundial. A

sua Constituição converteu-se na Parte XIII do Tratado de Versalhes”.30

Esse documento instituiu a OIT, porém foi modificado pelo Tratado de Filadélfia, que veremos a seguir.

Hoje a OIT conta com a participação de 181 países.

2.2.4. Tratado de Filadélfia de 1944

Esse tratado modificou a Constituição original da OIT.31 Cuidou

especificamente sobre uma reestruturação da OIT e ainda trouxe alguns novos princípios e objetivos em seu anexo. Dentre eles podemos citar:

29Princípio da Dignidade do Trabalho Humano (o trabalho não há de ser considerado mercadoria);

Direito de Associação (liberdade Sindical); Salário Justo capaz de assegurar um nível de vida digno a si e a sua família; Jornada de 8 (oito) horas ou duração do trabalho não superior a 48 (quarenta e oito) horas por semana; Descanso Semanal (remunerado); Erradicação do Trabalho Infantil e Proteção do Trabalho da Mulher; Igualdade Salarial entre homem e mulher; Igualdade entre o nacional e o estrangeiro; Fiscalização para assegurar a aplicação das leis do trabalho.

30ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO (Brasil). História da OIT. Disponível em:

<http://www.oitbrasil.org.br/inst/hist/index.php>. Acesso em: 28 abr. 2008.

31Instrumento para a Emenda da Constituição da Organização Internacional do Trabalho. A

A Conferência reafirma os princípios fundamentais sobre os quais repousa a Organização, principalmente os seguintes:

a) o trabalho não é uma mercadoria;

b) a liberdade de expressão e de associação é uma condição indispensável a um progresso ininterrupto;

c) a penúria, seja onde for, constitui um perigo para a prosperidade geral; d) a luta contra a carência, em qualquer nação, deve ser conduzida com

infatigável energia, e por um esforço internacional contínuo e conjugado, no qual os representantes 20 dos empregadores e dos empregados discutam, em igualdade, com os dos Governos, e tomem com eles decisões de caráter democrático, visando o bem comum.

Esse documento retrata que o trabalho é o edificador da inclusão social.

Em 1944, à luz dos efeitos da Grande Depressão da Segunda Guerra Mundial, a OIT adotou a Declaração da Filadélfia como anexo da sua Constituição. A Declaração antecipou e serviu de modelo para a Carta das Nações Unidas e para a Declaração Universal dos Direitos Humanos.32

2.2.5. Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948

Esse foi um dos mais importantes documentos no que se refere aos Direitos Fundamentais. Retratam e servem de parâmetros para se identificar o que realmente integra o rol de Direitos Humanos. As premissas básicas desse documento são: a dignidade da pessoa humana, a vida e a liberdade.

No que diz respeito ao desenvolvimento econômico, a previsão vem no artigo XXII antecipa a existência dos direitos econômicos, sociais e culturais.

Toda pessoa, como membro da sociedade, tem direito à segurança social e à realização, pelo esforço nacional, pela cooperação internacional e de acordo com a organização e recursos de cada Estado, dos direitos econômicos, sociais e culturais indispensáveis à sua dignidade e ao livre desenvolvimento da sua personalidade.

Administração da Repartição Internacional do Trabalho e reunida em Montreal a 19 de setembro de 1946, em sua vigésima nona sessão, após haver decidido adotar determinadas propostas para a emenda da Constituição da Organização Internacional do Trabalho, questão compreendida no segundo item da ordem do dia da sessão, adota, aos nove de outubro de mil novecentos e quarenta e seis, o instrumento seguinte para a emenda da Constituição da Organização Internacional do Trabalho, instrumento que será denominado: Instrumento para a Emenda da Constituição da Organização Internacional do Trabalho, 1946.

32ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO (Brasil). História da OIT. Disponível em:

Essa declaração trouxe alguns problemas no que diz respeito à sua aplicabilidade, pois não havia oposição política sob o pífio argumento de que nenhum país é signatário dessa Declaração. Dizem os defensores dessa tese que foi um documento editado pela ONU, sem a oposição dos países e que funciona como uma interpretação autorizada dos Direitos Humanos, efetuada pela ONU.

Fulminando esse antagonismo, em 1966 foram editados dois Pactos Internacionais que funcionam como uma espécie de regulamentação da Declaração. Esses Pactos, sim, possuem a forma de Tratados. O Brasil é signatário desses dois pactos que veremos a seguir.

2.2.6. Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos de 1966

Ao se pretender a aprovação do Pacto Internacional de Direitos Humanos em 1966, a Assembléia Geral das Nações Unidas acabou por adotar e elaborar dois tratados e não um só33 como resultado de um compromisso diplomático, como observa Fábio Konder Comparato:

As potências ocidentais: insistiam no reconhecimento, tão-só, das liberdades individuais clássicas, protetoras da pessoa humana contra os abusos e interferências dos órgãos estatais na vida privada. Já os países dos blocos comunistas e os jovens países africanos: preferiam pôr em destaque os direitos sociais e econômicos, que têm por objeto políticas públicas de apoio aos grupos ou classes desfavorecidas, deixando na sombra as liberdades individuais. Decidiu-se, por isso, separar essas duas séries de direitos em tratados distintos, limitando-se a atuação fiscalizadora do Comitê de Direitos Humanos unicamente aos direitos civis e políticos, e declarando-se que os direitos que têm por objeto programas de ação estatal seriam realizados progressivamente, “até o máximo dos recursos disponíveis” de cada Estado (Pacto sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, art. 2º, alínea 1).34

Entretanto, a proteção aos direitos civis e políticos, por se tratarem de direitos

inerentes à pessoa humana, cuja consagração depende muito mais de um não-fazer

33Ressalta Antônio Augusto Cançado Trindade que: “Tal decisão veio a ser tida como refletindo o

marco e a principal característica do enfoque dos direitos humanos prevalecente em meados do século XX, ou seja, a categorização dos direitos de que desfrutam os seres humanos”. (Tratado de direito internacional dos direitos humanos. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1997. p. 38).

34COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. São Paulo: Saraiva,

por parte do Estado, não encontrou eco nas diversas nações que ali se reuniram para celebrar tão importante pacto, vindo a reconhecer a necessidade de conjugar com a proteção aos direitos econômicos, sociais e culturais, pois, na arguta observação de Bobbio: “Os direitos sociais, como se sabe, são mais difíceis de

proteger do que os direitos de liberdade”.35

Esse pacto cuida especificamente das liberdades. Prega a autodeterminação dos povos, onde todos os povos são livres para determinar seus estatutos políticos, para assegurar como bem entender o seu desenvolvimento econômico, social e cultural, dispondo livremente de suas riquezas e recursos naturais, bem como estipulando suas políticas públicas de regência da economia.36

Assegura entre outros direitos que todas as pessoas tenham igualdade no gozo dos direitos civis e políticos. Proíbe-se qualquer tipo de suspensão dos direitos humanos fundamentais. Defende a vida como sendo inerente à pessoa humana, protegendo especificamente, inclusive, a família e a criança.

A essência do Pacto se expressa em seu preâmbulo:

Os Estados-partes no presente Pacto: Considerando que, em conformidade com os princípios enunciados na Carta das Nações Unidas, o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família