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O DIREITO AO DESENVOLVIMENTO COMO CONCRETIZADOR DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

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(1)

Lauro Ishikawa

O DIREITO AO DESENVOLVIMENTO COMO CONCRETIZADOR

DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

MESTRADO EM DIREITO

(2)

Lauro Ishikawa

O DIREITO AO DESENVOLVIMENTO COMO CONCRETIZADOR

DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em Direito das Relações Sociais, sob a orientação do Professor Doutor Ricardo Hasson Sayeg.

(3)

BANCA EXAMINADORA

_______________________________________

_______________________________________

(4)

À memória de meu pai,

(5)

Sílvia Yukiko Ishikawa. Aos meus irmãos, Sayuri, Marcelo, Cristina e Akemi, e

aos sobrinhos queridos, Bruna e Vinicius. Aos meus avós paternos, Chukichi

Ishikawa e Toshiko Ishikawa (in memorian), com o amor de sempre. Aos meus

avós maternos, Iwao Ikeda e Fumi Ikeda, exemplos de vida. Ao meu tio, Juliano

Mikio Ishikawa, e seus filhos, Flávia e Carlos Eduardo, sempre presentes no coração. A estes, minha família, a gratidão pelo apoio e esperança sempre

confiados. Ao meu orientador, Professor Doutor Ricardo Hasson Sayeg, reto,

probo e ético, que me inspirou a evoluir no pensamento e, assim, a me tornar mais humano. Com sua família, aprendi o verdadeiro sentido e simbologia do

“todos à mesa” da Santa Ceia. Aos amigos, Thiago Lopes Matsushita e Túlio

Augusto Tayano Afonso, verdadeiros irmãos de luta e de ideal. À Alessandra Redigolo e Cristiane Borges Afonso, pela amizade e compreensão. Aos

Professores Doutores, Willis Santiago Guerra Filho, Elizabeth Nazar Carrazza,

Cláudio Finkelstein, Nelson Nery Júnior, Gilson Delgado Miranda, Nelson Luiz Pinto, Erik Frederico Gramstrup e Márcio Pugliesi, co-responsáveis pela minha

formação acadêmica na PUC/SP. Ao Prof. Dr. Paulo de Barros Carvalho, em

reconhecimento à condução firme do Programa de Pós-Graduação em Direito

da PUC/SP. Ao Dr. Raimundo Hermes Barbosa, ilustre Presidente da

Federação das Associações dos Advogados do Estado de São Paulo, cuja

amizade é inestimável. Aos amigos, Vladmir Oliveira da Silveira, André

Guilherme Lemos Jorge, Terezinha de Oliveira Domingos, Juliana Duarte e

Camila Castanhato, sempre juntos nas conquistas. Em especial, ao Presidente

da Associação dos Pós-Graduandos da PUC/SP, Ernani de Paula Contipelli,

pelo apoio e generosidade. À equipe do meu Escritório, destacadamente:

Ricardo Luiz Machado, Érica Taís Ferrara Giardulli, Polyana da Silva França e

Adriano Moreno Jardim. Ao amigo Douglas Augusto França, em nome de quem agradeço e parabenizo os membros do Grupo de Estudos do Capitalismo Humanista, pelos altos e relevantes estudos de Direito Econômico. Aos

amigos, Ruy de Oliveira Domingos, da Secretaria do Programa, e Ruberval

(6)

O desenvolvimento é realmente um compromisso muito sério com as possibilidades de liberdade.

Amartya Sen

(7)

A dignidade da pessoa humana é fundamento e a garantia do desenvolvimento nacional constitui objetivo fundamental da República Federativa do Brasil, conforme disposto no Título I da Constituição Federal de 1988. Conforme os textos internacionais sobre direitos humanos o direito ao desenvolvimento é tido como um direito humano constituído de direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais. Esses direitos integram o catálogo de direitos fundamentais e, sendo indissociáveis, devem garantir o mínimo existencial a todos. Como direito fundamental, o direito ao desenvolvimento, incluídos aqueles direitos e garantias decorrentes dos tratados internacionais que é parte o Brasil, deve ter aplicação imediata, posto ser o elemento concretizador do princípio da dignidade da pessoa humana.

(8)

The dignity of the human person is the foundation and guarantee national development is fundamental goal of the Federative Republic of Brazil, as provided in Title I of the Federal Constitution of 1988. As the international texts on human rights the right to development is viewed as a human right consists of civil, political, economic, social and cultural. These rights form the catalogue of fundamental rights and, being inseparable, must ensure the minimum existential to everybody. As a fundamental right, the right to development, including those rights and guarantees arising from international treaties that the Brazil is party, must have immediate application, be put director element of the principle of human dignity.

(9)

La dignidad de la persona humana es el fundamento y garantía del desarrollo nacional es objetivo fundamental de la República Federativa del Brasil, conforme a lo previsto en el Título I de la Constitución Federal de 1988. Como los textos internacionales sobre derechos humanos el derecho al desarrollo es visto como un derecho humano se compone de los derechos civiles, políticos, económicos, sociales y culturales. Estos derechos forman el catálogo de derechos fundamentales y, al ser inseparables, debe garantizar el mínimo existencial a todo el mundo. Como un derecho fundamental, el derecho al desarrollo, incluidos los derechos y garantías derivados de los tratados internacionales que el Brasil es parte, debe tener aplicación inmediata, puesto que elemento del principio de la dignidad humana.

(10)

1. INTRODUÇÃO ... 015

2. FUNDAMENTO HISTÓRICO ... 018

2.1. Histórico Constitucional Brasileiro ... 018

2.1.1. Constituição Política do Império do Brasil (de 25 de março de 1824) ... 019

2.1.2. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil (de 24 de fevereiro de 1891) ... 021

2.1.3. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil (de 16 de Julho de 1934) ... 023

2.1.4. Constituição dos Estados Unidos do Brasil (de 10 de novembro de 1937) ... 026

2.1.5. Constituição dos Estados Unidos do Brasil (de 18 de setembro de 1946) ... 027

2.1.6. Constituição da República Federativa do Brasil de 1967 e Emenda de 1969 ... 029

2.1.7. Constituição da República Federativa do Brasil (de 05 de outubro de 1988) ... 032

2.2. Do Constitucionalismo Social ... 034

2.2.1. Constituição do México de 1917 ... 035

2.2.2. Constituição de Weimar de 1919 ... 037

2.2.3. Constituição da OIT... 038

(11)

2.2.7. Pacto Internacional dos Direitos Sociais, Econômicos e Culturais de

1966 ... 042

3. TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITO AO DESENVOLVIMENTO ... 045

3.1. Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Direitos dos Povos de 1981 ... 046

3.2. Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento de 1986... 048

3.3. Declaração de Viena 1993 ... 054

3.4. O Pacto de Desenvolvimento do Milênio... 057

3.4.1. Execução do Pacto de Desenvolvimento do Milênio... 059

3.4.1.1. Países com Desenvolvimento Humano Baixo: erradicar a pobreza e enfrentar as necessidades básicas ... 059

3.4.1.2. Países com Desenvolvimento Humano Médio: atacar bolsas de pobreza profunda ... 060

3.4.1.3. Instituições Financeiras Internacionais: colocar os objetivos no centro de estratégias nacionais... 060

3.4.1.4. Doadores Bilaterais: rever abordagens e fixar novas metas ... 061

3.4.1.5. Organismos da ONU: fornecer assistência especializada... 061

3.4.1.6. A Ronda de Doha e Outras Negociações Comerciais Internacionais: abrir mercados e reduzir subsídios ... 062

3.4.1.7. Sociedade Civil: desempenhar um papel mais importante nas políticas e na redução da pobreza ... 062

(12)

dos Progressos ... 063

3.5. O Direito ao Desenvolvimento no Tratado da União Européia a partir da alteração efetuada em 17 de dezembro de 2007 ... 064

4. DIREITOS FUNDAMENTAIS ... 069

4.1. Conceito ... 069

4.2. Caracterização da Teoria dos Direitos Fundamentais... 072

4.3. Dimensões dos Direitos Fundamentais... 074

4.3.1. Primeira Dimensão dos Direitos Fundamentais ... 075

4.3.2. Segunda Dimensão dos Direitos Fundamentais ... 078

4.3.3. Terceira Dimensão dos Direitos Fundamentais... 079

4.4. O Direito ao Desenvolvimento na Terceira Dimensão dos Direitos Fundamentais... 083

4.5. Aplicabilidade das Normas Constitucionais de Direito Fundamental... 085

4.5.1. Características dos Direitos Fundamentais ... 088

4.5.1.1. Imprescritibilidade ... 088

4.5.1.2. Inalienabilidade ... 088

4.5.1.3. Irrenunciabilidade ... 089

4.5.1.4. Inviolabilidade... 089

4.5.1.5. Universalidade... 090

4.5.1.6. Efetividade... 090

4.5.1.7. Interdependência... 091

4.5.1.8. Complementariedade ... 091

(13)

4.5.2.3. Efetividade ou Eficiência ... 094

4.5.2.4. Justiça ou por seu Funcionamento... 095

4.5.2.5. Harmonização ... 095

4.5.2.6. Força Normativa... 096

4.5.2.7. Concretização Constitucional ... 097

4.5.2.8. Ponderação dos Valores ou Interesses... 097

4.5.2.9. Optimização de Princípios... 098

4.5.2.10. Filtragem Constitucional ... 098

4.5.2.11. Correção Funcional ... 099

4.5.2.12. Proporcionalidade ou Razoabilidade ... 100

4.6. Morte das Normas Programáticas... 100

5. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA... 105

5.1. Positivação Constitucional... 107

5.2. Supremacia do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana ... 109

5.3. A Carta de Direitos Fundamentais da União Européia... 114

6. DIREITO AO DESENVOLVIMENTO... 117

6.1. Terminologia... 117

6.2. Conceito de Direito ao Desenvolvimento... 118

6.3. Positivação e Características do Direito ao Desenvolvimento... 123

6.4. Direitos civis e políticos e direitos econômicos, sociais e culturais ... 126

7. A CONCRETIZAÇÃO DO DIREITO AO DESENVOLVIMENTO... 129

(14)

dignidade

da pessoa humana... 138

(15)

1. INTRODUÇÃO

A pessoa humana privada de uma vida digna não é plenamente livre e não se desenvolve econômica e socialmente para o seu sustento e de sua família.

Os direitos do homem historicamente reconhecidos nos textos internacionais sobre direitos humanos e nas Constituições brasileiras fundamentaram de maneira a garantir o mínimo existencial e, forte no desenvolvimento, consagrou a vida e, mais do que isso, a vida digna ao homem individualmente considerado, incluído à população.

Sem nos esquivarmos da teoria jurídica das dimensões dos direitos fundamentais, entendemos que o reconhecimento do direito ao desenvolvimento como direito fundamental somente se torna efetivo se o considerarmos como um todo indivisível, em que se condensam os direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais.

Como princípio a irradiar sobre todos os demais, o princípio da dignidade da pessoa humana, fundamento da República Federativa do Brasil, deve ser assegurado pelos Poderes constituídos do Estado, não apenas pelo Poder Executivo, mas também, pelo Legislativo e Judiciário, cabendo também, a toda a população.

Com efeito, enquadrando o desenvolvimento nacional como objetivo fundamental da República Federativa do Brasil, o princípio da dignidade da pessoa humana somente se concretiza plenamente ao se caminhar, dando efetividade, pelo exercício do direito ao desenvolvimento, cuja admissão, como direito fundamental que é, deve ser imediata.

O presente estudo vem sendo desenvolvido nas cadeiras da Graduação e de

Pós-Graduação stricto sensu pelo Grupo de Estudos do Capitalismo Humanista,

(16)

Inicia-se pela abordagem de todas as Constituições do Brasil e a previsão dos direitos fundamentais individuais e sociais e a ordem econômica, a cada momento constitucional.

Destaca a dicotomia entre desenvolvimentismo pautado estritamente na riqueza e na economia de mercado e o desenvolvimento humano pautado nos perfis econômico, político, social e cultural da população.

A partir do Constitucionalismo social, abordaremos os mais importantes documentos internacionais – pactos, tratados, declarações e convenções – sobre direitos humanos, com ênfase nos textos que fazem previsão do direito ao desenvolvimento.

Após distinguidos direitos humanos e direitos fundamentais, explicaremos a caracterização da teoria e as dimensões dos direitos fundamentais que explicitam a evolução dos direitos do homem e dos povos, sua positivação na ordem jurídica interna, a aplicabilidade e a questão das normas programáticas.

Em seguida, abordaremos o princípio da dignidade da pessoa humana, sua positivação constitucional e sua supremacia no direito brasileiro.

No que tange ao direito ao desenvolvimento, abordaremos sua terminologia, características e, o mais importante, os direitos que a consagram de maneira indivisível, quais sejam, os direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais.

Esse estudo somente tem significado a partir da consagração do direito ao desenvolvimento da pessoa humana e da população, e da efetividade do princípio da dignidade da pessoa humana, princípio este unificador e condutor de um fim e de importância fundamental: o de garantir uma vida digna a todos.

Concluindo, se verifica no presente trabalho a solução da concretização do direito ao desenvolvimento, a inclusão dos documentos internacionais sobre direitos humanos no ordenamento jurídico brasileiro, mormente após a Emenda Constitucional n. 45/2004, e o direito ao desenvolvimento como concretizador do princípio da dignidade da pessoa humana.

(17)

econômico e dependente de programas e/ou políticas públicas, mas o direito ao desenvolvimento da pessoa humana e dos povos, levando adiante o que dispõe a própria Constituição Federal de 1988: a de dar aplicabilidade imediata às normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais.

(18)

2. FUNDAMENTO HISTÓRICO

Das formas de exploração econômica do homem pelo homem, chamam a atenção três tipos: a escravidão, o feudalismo e o capitalismo.

A escravidão era pautada eminentemente pela subjugação jurídica que extraía a personalidade do ser humano escravizado, garantida pela força física. O mais forte era o senhor do mais fraco e assim exercia sua dominação. Já no feudalismo tínhamos a figura dos senhores feudais e dos servos. Essa dominação era mantida pelo meio de vida da Europa ruralizada em face das posses das terras que os senhores feudais detinham. No capitalismo nós temos basicamente uma relação entre o capital e o trabalho. O que mantém essa relação é a subjugação do próprio capital. A subjugação do homem pelo homem nesse modelo se dá pelo capital. Nesse quadro, no Brasil atual, a ordem jurídica coíbe ou ameniza essa dominação e o direito econômico manifestado pela Doutrina Humanista profundamente estudado na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Os meios são entre eles: o direito do trabalho, o direito do consumidor e o direito econômico manifestado pela Doutrina Humanista, etc. Mas nem sempre foi assim.

2.1. Histórico Constitucional Brasileiro

(19)

2.1.1. Constituição Política do Império do Brasil (de 25 de março de 1824)

Essa Constituição foi conhecida como a Constituição do Império. Foi nosso primeiro texto constitucional e que mais tempo permaneceu em vigor: mais de 65 anos.

A Constituição Imperial de 1824 surgiu dentro de um contexto preparado pela filosofia política que implantou a idéia do valor do homem decorrente de sua inserção na natureza. Os direitos do homem emanavam dessa sua participação na natureza.1

No que diz respeito à formação dessa Constituição, Gilmar Ferreira Mendes, Inocêncio Mártires Coelho e Paulo Gustavo Gonet Branco, assim declaram em sua obra:

Declarados independentes em 1822, nossa primeira experiência como nação livre e soberana se deu à luz do constitucionalismo clássico ou, se preferirmos, do constitucionalismo histórico, assim considerado o movimento de idéias construído em torno do célere art. 16 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, que assim dispunha: “Toda sociedade na qual a garantia dos direitos não for assegurada, nem a separação dos poderes determinada, não tem Constituição”.2

Podemos observar que o Estado sob o enfoque dessa Constituição era confessional, ou seja, havia uma religião oficial, que era a Católica Apostólica Romana.

Essa Constituição adotou a forma unitária de Estado, ensejando um regime de monarquia parlamentar, de acordo com os padrões liberais então vigentes à época.

No que diz respeito à divisão e ao exercício do poder político, a Constituição de 1824 ostenta, como singularidade, a existência do Poder Moderador – a chave de toda a organização política – “delegado privativamente ao Imperador, como Chefe Supremo da Nação e seu Primeiro Representante, para que incessantemente vele sobre a manutenção da Independência,

1FONSECA, João Bosco Leopoldino da. Direito Econômico. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 101. 2 MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de

(20)

equilíbrio e harmonia dos mais Poderes Políticos”, conforme o disposto no art. 98 daquela Carta Política.3

No que diz respeito aos Direitos Fundamentais, consagrava-se tão somente as liberdades. Teve forte influência da Constituição francesa de 1814. Nesse sentido, exalta João Bosco Leopoldino da Fonseca:

Há dois pontos comuns a todas estas fontes: exaltam o valor da pessoa humana como portadora de direitos que lhe foram conferidos pela própria natureza e acentuam a concepção de um poder político limitado.

A lei, como atuação do Estado, deve garantir a liberdade da pessoa humana e deve limitar a atuação do próprio Estado, de tal sorte a garantir o desenvolvimento natural do homem em todas as suas atividades. Donde os três grandes princípios solenemente proclamados em todas as declarações revolucionárias: o princípio da liberdade, o princípio da legalidade e o princípio da igualdade.4

Esse texto trouxe uma ordem econômica típica liberal de não intervenção aos

moldes do “laisses-faire”, como se vê no “caput” e nos dois incisos do artigo 179, a

seguir.

Art. 179. A inviolabilidade dos Direitos Civis e Politicos dos Cidadãos Brazileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual, e a propriedade, é garantida pela Constituição do Imperio, pela maneira seguinte.

XXIV. Nenhum genero de trabalho, de cultura, industria, ou commercio póde ser prohibido, uma vez que não se opponha aos costumes publicos, á segurança, e saude dos Cidadãos.

XXV. Ficam abolidas as Corporações de Officios, seus Juizes, Escrivães, e Mestres.

Esses dispositivos apesar de serem de Direito Econômico, estão longe de retratar uma Constituição Econômica remodeladora de um Estado liberal. O inciso XXIV em um primeiro momento pode dar a impressão de ser uma norma de Direito do Trabalho, mas em nada protege o trabalhador. Esse dispositivo vem no sentido de garantir uma ampla liberdade de iniciativa e, sendo assim, consagra o princípio da livre iniciativa para toda e qualquer atividade econômica.

Já o inciso XXV retrata uma proteção à igualdade de condições na livre iniciativa, pois as corporações de ofício exerciam uma grande participação no

(21)

mercado, sendo assim acabavam dominando esse mercado. Essa abolição veio no sentido de garantir uma livre concorrência.

Não tivemos uma ordem econômica, mas havia preceitos de uma economia liberal.5

Do ponto de vista dogmático-constitucional, duas particularidades devem ser destacadas nessa Carta Política: a atribuição ao próprio Poder legislativo das prerrogativas de interpretar as leis e de velar na guarda da Constituição, e a definição do que seria matéria constitucional, para os fins de alteração do seu texto [...].6

2.1.2. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil (de 24 de fevereiro de 1891)

Com o advento da Constituição de 1891, o Estado passou a ser Republicano e presidencialista, mas continuou sendo liberal. Esse texto trouxe a laicização do Estado, ou seja, foi retirada do texto constitucional a religião oficial e o Estado passou a ser laico ou leigo.

Sobre essa Constituição, Gilmar Ferreira Mendes, Inocêncio Mártires Coelho e Paulo Gustavo Gonet Branco, destacam:

Esgotado, por causas diversas, o regime monárquico, sobreveio a República – menos por crença nas suas virtudes e mais por descrença nas instituições monárquicas – e, com ela, a instauração de uma nova ordem constitucional, cujo ponto de partida foi o Decreto n. 1, de 15-11-1889, da lavra de Rui Barbosa, que a proclamou, provisoriamente, como forma de governo da nação brasileira a República federativa e estabeleceu as normas pelas quais se deviam reger os estados Federais.

Constituição, mesmo, nós só a tivemos ao término dos trabalhos da Assembléia Constituinte, que operou sobre projeto elaborado pela Comissão dos Cinco e retocado pelo bico da pena de Rui Barbosa, um

5 “O liberalismo é o movimento que tomou como objetivo defender a liberdade, quer no plano político

quer no econômico, transformando em um movimento de idéias e ideologia. Essa defesa se processou no plano formal, independentemente da consideração da situação real que envolve os indivíduos. Do ponto de vista econômico, a doutrina que veio enfatizar essa corrente do pensamento foi a de ADAM SMITH. Para ele, o equilíbrio econômico sobreviria numa sociedade onde se permitisse que as coisas seguissem o seu curso natural, onde houvesse liberdade perfeita e onde cada homem fosse totalmente livre de escolher a ocupação que quisesse e de a mudar sempre que lhe aprouvesse”. (FONSECA, 2004, p. 102.).

(22)

republicano de última hora que, forte no constitucionalismo norte-americano, escrevia para o Brasil traduzindo do inglês, como observou, em comentário mordaz, o arguto Afonso Arinos de Melo Franco.7

Trazia esse texto de 1891 o mais elevado espírito liberal e individualista, sendo influenciado também pela Constituição francesa de 1814 e pela Constituição Norte-Americana.

Nesse sentido, nos ensina João Bosco Leopoldino da Fonseca,

O Constitucionalismo brasileiro alcançou, com a Constituição de 1891, uma mudança política, permanecendo imutável a ideologia que inspirava a ordem econômica reinante.

As idéias federalistas se manifestaram e se impuseram à consideração e discussão nacionais desde a Assembléia Constituinte de 1824, mantendo-se vivas durante todo o período imperial. Ao eclodirem como regra jurídica através do decreto nº 1, de 15 de novembro de 1890, vieram consolidar mudança de modelo político, sob inspiração do modelo dos Estados Unidos da América. Mas esta alteração não teve qualquer influencia no modelo econômico, que continuou inspirado no liberalismo econômico. Se o contexto político sinalizava a necessidade de mudanças no texto constitucional, o mesmo não ocorreu no plano socioeconômico, em que pese o acontecimento da libertação dos escravos.8

No que diz respeito à Constituição Econômica, este texto também não trouxe uma profunda previsão. O mais perto que esta Constituição chegou foi o seguinte preceito:

Art. 72. A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes:

§24 - É garantido o livre exercício de qualquer profissão moral, intelectual e industrial.

Esse comando do §24 não retrata uma proteção ao trabalhador, mas sim uma livre iniciativa, consistindo assim um dispositivo de Direito Econômico. Em decorrência disso tivemos uma ordem econômica liberal revestida com preceitos liberais.

(23)

2.1.3. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil (de 16 de Julho de 1934)

Este foi um dos mais importantes textos constitucionais que já tivemos, no que tange à elaboração de uma Constituição Econômica.

Promulgada em 16 de julho de 1934, a Carta Política que, em princípio, deveria institucionalizar a inovadora Revolução de 1930 não passou de uma Constituição supostamente revolucionária, pelo menos no dizer crítico de Oliveira Lima e de quantos mais entendem que o tenentismo, longe de ser uma autêntica revolução, não passou de uma insurreição a mais, na conturbada história da Primeira República, com um saldo de reformas muito aquém das esperanças depositadas em sua ação renovadora.9

Foi essa Constituição que incorporou em nosso país os Direitos Sociais e a Ordem Econômica.

Nesse sentido, João Bosco Leopoldino da Fonseca10 assim dispõe:

A Constituição de 1934 é a primeira a fazer constar um título referente à “Ordem Econômica e Social”. Neste título pode-se perceber com clareza o novo direcionamento ideológico. O Constituinte enfatiza elementos de concretitude. A Liberdade, a igualdade e segurança não se concebem mais abstratamente, como predicados de um homem puramente originado da natureza. Justiça, liberdade, igualdade e segurança são atributos que devem ser verificados na vida concreta do homem situado. Estes elementos podem ser verificados num confronto de complementariedade entre os artigos 115 e 121. A coincidência não só de conteúdo, mas até mesmo de redação, revelada pelo confronto entre o artigo 115 da Constituição brasileira e o artigo 151 da Constituição de Weimar é mais um elemento de convicção da influência desta sobre a primeira.

Com a convocação para a Assembléia Nacional Constituinte, Getúlio Vargas trouxe a seguinte mensagem:

Todas as atividades humanas são forças sociais agindo negativa ou positivamente. O Estado, que é a sociedade organizada como poder, não lhes deve ficar indiferente, sob pena de falhar à sua finalidade. Daí a sua intervenção no campo social e econômico, fiscalizando as indústrias e o comércio, desenvolvendo providências de diversas naturezas para promover o bem comum.

(24)

Essa Constituição foi influenciada pelo Constitucionalismo Social que estudaremos mais a frente. Foi pautada também pela Constituição alemã de Weimar de 1919.

O período posterior à Primeira Grande Guerra foi fecundo de transformações sociais, ou de juridicização de transformações que vinham já, desde a segunda metade do século XIX e princípio do século XX, concretizando-se no seio da sociedade.

Os princípios liberais se esgotaram na defesa de uma liberdade abstrata que acabou por sufocar o próprio cidadão que dela era titular. A sustentação da liberdade como apanágio do homem, decorrente da própria natureza, se esvaiu por entre os meandros da relação concreta entre o capitalista, detentor dos meios de produção, e o operário que lhe prestava seu trabalho, Essa relação degenerou em exploração.11

Podemos observar a essência desse texto Constitucional de 1934 olhando para o seu preâmbulo:

Nós, os representantes do povo brasileiro, pondo a nossa confiança em Deus, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para organizar um regime democrático, que assegure à Nação a unidade, a liberdade, a justiça e o bem-estar social e econômico, decretamos e promulgamos a seguinte Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil.

Essa Constituição além das liberdades consagrava também os Direitos Sociais, colocando num só documento o homem político ao lado do homem social.

Como bem assevera João Bosco Leopoldino da Fonseca12,

Já no preâmbulo da Constituição a Assembléia Nacional Constituinte fazia constar o sinal de mudança, declarando que tinha a intenção de organizar um regime democrático, que assegurasse à Nação a unidade, a liberdade, a justiça e o bem-estar social econômico, deixando evidenciada a nova ideologia.

No que diz respeito à ordem econômica13, estudaremos apenas o artigo que

guarde correspondência hoje com o artigo 170 da Constituição de 1988, que cuida da regra matriz da ordem econômica. Trata-se do artigo 115:

11FONSECA, 2004, p. 109. 12Ibid., p. 113.

13Art. 116. Por motivo de interesse público e autorizada em lei especial, a União poderá monopolizar

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Art. 115. A ordem econômica deve ser organizada conforme os princípios da Justiça e as necessidades da vida nacional, de modo que possibilite a todos existência digna. Dentro desses limites, é garantida a liberdade econômica. Parágrafo único. Os Poderes Públicos verificarão, periodicamente, o padrão de vida nas várias regiões do país.

Nessa primeira ordem econômica que realmente tivemos, a Constituição era

expressa em afirmar que deveria ser pautada “conforme os princípios da Justiça e

as necessidades da vida nacional”, demonstrando assim a possibilidade de intervenção, para que possibilitasse a todos existência digna. Sendo assim podemos concluir que a ordem econômica tinha por fim possibilitar a todas as pessoas viverem pautadas pelos princípios da dignidade da pessoa humana. “Dentro desses limites” era garantida a liberdade econômica.

Tivemos aqui uma ordem econômica intervencionista para atingir o objetivo destacado acima.

A Constituição Federal de 1934 fixou princípios formadores básicos, figurando um capítulo específico da “Ordem Econômica e Social”, seguindo-se a de 1937 e a de 1946, embora não fizessem alusão direta ao desenvolvimento.

(26)

2.1.4. Constituição dos Estados Unidos do Brasil (de 10 de novembro de 1937)

Essa Constituição de 1937 foi a que oficializou o corporativismo14 nas

relações de trabalho em nosso país. Percebemos desde o preâmbulo15 esse

processo de modificação.

O artigo regente da ordem econômica era o 135:

Art. 135. Na iniciativa individual, no poder de criação, de organização e de invenção do indivíduo, exercido nos limites do bem público, funda-se a riqueza e a prosperidade nacional. A intervenção do Estado no domínio econômico só se legitima para suprir as deficiências da iniciativa individual e coordenar os fatores da produção, de maneira a evitar ou resolver os seus conflitos e introduzir no jogo das competições individuais o pensamento dos interesses da Nação, representados pelo Estado. A intervenção no domínio econômico poderá ser mediata e imediata, revestindo a forma do controle, do estimulo ou da gestão direta.

Esse artigo expressa de maneira inequívoca a instalação do corporativismo. Inicia apregoando que a riqueza e a prosperidade nacional dão fundamento a iniciativa individual, no poder de criação e de organização e de invenção do indivíduo. Autoriza que a intervenção do Estado seja efetuada no sentido de suprir as deficiências da iniciativa individual para evitar ou resolver seus conflitos. Diz ainda que essa intervenção pode ser direta ou indireta, inclusive na forma de controle. Notem o caráter eminentemente intervencionista. Tivemos aqui uma ordem econômica intervencionista.

14Podemos identificar o corporativismo em vários artigos desta Constituição, como p. ex. arts. 1º, 28,

57 a 63, 135, 138 a 140, que na verdade apenas ficaram na esfera trabalhista e econômica.

15ATENDENDO às legítimas aspirações do povo brasileiro à paz política e social, profundamente

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Nas palavras de João Bosco Leopoldino da Fonseca16,

O artigo 135, incluído no título “Da Ordem Econômica”, traz pela primeira vez, no constitucionalismo brasileiro, a expressão “intervenção do Estado no domínio econômico” [...].

A primeira frase do art. 135 teve uma finalidade contestatória da tendência socializante da época. Rebate-se a ideologia do socialismo, mostrando-se a força do indivíduo. O conteúdo ideológico de contestação é evidente, procurando-se evidenciar que nenhum movimento de socialização não pode desconhecer que quem cria, quem organiza, quem inventa é o indivíduo. E, por isso, este não pode ser eliminado. É obvio que a expansão do indivíduo encontra um limite no bem público, mas a ênfase dada a este não pode eclipsar o indivíduo.

2.1.5. Constituição dos Estados Unidos do Brasil (de 18 de setembro de 1946)

Essa Constituição veio mais no sentido da Constituição de 1934, não tendo um caráter eminentemente corporativista.

O longo período ditatorial que se encerrou em 1945 veio trazer o renovado anseio da instauração da democracia. A Constituinte foi abeberar-se nos princípios constitucionais que informaram a Constituição de 1891, sob o aspecto político, mas conservou as conquistas sociais de 1934.

O término da ditadura no Brasil coincidiu com o findar-se da segunda grande guerra que, por sua vez, selou a derrota das ditaduras européias. Sentiu-se a necessidade imperiosa da implantação da democracia, que viesse trazer para todos os povos a mais plena realização dos anseios políticos, econômicos e sociais. Sentiu-se a única forma de evitar a repetição dos horrores de uma nova guerra mundial seria instaurar em cada país uma democracia real, alicerçada em bases políticas sólidas, em bases econômicas e sociais eqüitativas e justas.17

O preâmbulo desse texto de 1946 determinava o seguinte:

Nós, os representantes do povo brasileiro, reunidos, sob a proteção de Deus, em Assembléia Constituinte para organizar um regime democrático, decretamos e promulgamos a seguinte Constituição dos Estados Unidos do Brasil.

(28)

Na explicação de João Bosco Leopoldino da Fonseca: “O preâmbulo da Constituição de 1946 se refere à organização de um regime democrático com síntese daqueles três elementos, o político, o econômico e o social”.18

A regência da ordem econômica se dá no artigo 145, apregoando a existência digna a todos, determinando que o trabalho seja obrigação social:

Art. 145. A ordem econômica deve ser organizada conforme os princípios da justiça social, conciliando a liberdade de iniciativa com a valorização do trabalho humano. Parágrafo único. A todos é assegurado trabalho que possibilite existência digna. O trabalho é obrigação social.

Esse artigo muito se aproxima do artigo 170 da Constituição de 1988. Logo de início podemos perceber que a ordem econômica deve servir a justiça social, conciliando a liberdade de iniciativa com a valorização do trabalho humano. Podemos concluir que a ordem econômica era capitalista, mas esse capitalismo era limitado pela valorização do trabalho humano. Tínhamos como princípio a livre iniciativa, que é um dos princípios do capitalismo, porém essa livre iniciativa deveria se pautar e se limitar pela valorização do trabalho humano. Ambos os princípios deveriam ser compatibilizados.

Aqui tínhamos ainda uma ordem jurídica econômica intervencionista19, o que

João Bosco Leopoldino da Fonseca traduz em “equilíbrio”:

18 FONSECA, 2004, p. 118.

19Art. 146. União poderá, mediante lei especial, intervir no domínio econômico e monopolizar

(29)

Tentando resolver o dilema fundamental entre capital e trabalho, a Constituição impõe um equilíbrio inspirado nos princípios da justiça social, essencialmente distributiva, entre a liberdade de iniciativa e a valorização do trabalho humano.20

2.1.6. Constituição da República Federativa do Brasil de 1967 e Emenda de 1969

Não entraremos aqui na discussão se a Constituição de 1969 foi uma nova Constituição ou apenas uma Emenda. Não será dado esse enfoque em nosso estudo.

No que diz respeito à ordem econômica o artigo de regência dessa ordem era

o 157. Assim determinava esse dispositivo (caput e incisos)21:

20FONSECA, 2004, p. 119.

21Esse artigo tinha ainda os seguintes parágrafos: § 1º - Para os fins previstos neste artigo, a União

(30)

Art. 157. A ordem econômica tem por fim realizar a justiça social com base nos seguintes princípios:

I. liberdade de iniciativa;

II. valorização do trabalho como condição da dignidade humana; III. função social da propriedade;

IV. harmonia e solidariedade entre os fatores de produção; V. desenvolvimento econômico;

VI. repressão ao abuso do poder econômico, caracterizado pelo domínio dos mercados, a eliminação da concorrência e o aumento arbitrário dos lucros.

Esse dispositivo de regência da ordem econômica dispunha expressamente sua finalidade que era realizar a justiça social. Já aqui nessa Constituição a ordem econômica deveria e tinha por objetivo e finalidade realizar a justiça social, no sentido de consagrar a igualdade real entre as pessoas. Para tanto, ainda acrescentava alguns princípios, nesses princípios, consagrava a livre iniciativa e a valorização do trabalho humano, bem como o desenvolvimento econômico, compatibilizando assim o capitalismo e o desenvolvimento econômico com a valorização do trabalho humano.

Assim nos ensina João Bosco Leopoldino da Fonseca:

A Constituição de 1967 foi votada sob pressão do Ato Institucional nº 4, de 7 de dezembro de 1966. Ali ressalta a idéia da segurança nacional, a partir do artigo 89 (Toda pessoa natural ou jurídica é responsável pela segurança nacional, nos limites definidos em lei). Este dispositivo deve ser visto em consonância com o inciso V do artigo 157, em que se destaca como um dos princípios da ordem econômica e desenvolvimento econômico. Tais princípios figuram na Emenda Constitucional nº 1, de 17 de outubro de 1969, no artigo 86 e artigo 160. O princípio do desenvolvimento nacional deixa de figurar num inciso para surgir no caput do artigo 160.

Com a emenda de 1969, houve significativa modificação a esse artigo e a ordem econômica, que passou a ter o artigo 160 como regente da ordem econômica. A nova redação assim dispunha:

Art. 160. A ordem econômica e social tem por fim realizar o desenvolvimento nacional e a justiça social, com base nos seguintes princípios:

I. liberdade de iniciativa;

II. valorização do trabalho como condição da dignidade humana; III. função social da propriedade;

(31)

V. repressão ao abuso do poder econômico, caracterizado pelo domínio dos mercados, a eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros; e

VI. expansão das oportunidades de emprego produtivo.

Com esse novo dispositivo, a ordem econômica passou a ter a finalidade de realizar o desenvolvimento nacional e a justiça social. O desenvolvimento econômico deixou de ser princípio e passou a ser uma finalidade, traduzido pelo desenvolvimento nacional. Os princípios continuaram a compatibilizar o capitalismo com a valorização do trabalho humano, ou seja, continuamos a ser capitalistas, mas esse capitalismo era pautado pela valorização do trabalho humano.

Esse texto vinha no sentido de fomentar o desenvolvimento da pessoa,

consagrando assim uma ordem econômica intervencionista.22 Nesse sentido, a lição

de João Bosco Leopoldino da Fonseca:

Com base em tais princípios constitucionais o Estado assumiu o encargo de promover o desenvolvimento nacional, quer atuando no domínio econômico, quer intervindo indiretamente.

Inovação importante, do ponto de vista socioeconômico, foi o da criação das regiões metropolitanas, com o intuito de promover um desenvolvimento integrado de municípios que façam parte da mesma comunidade socioeconômica.23

Assim, na Constituição de 1967, o desenvolvimento econômico consta como um dos princípios da ordem econômica que em seu artigo 157 dispunha sobre a finalidade de realizar a justiça social. Por sua vez, a Constituição de1969 faz constar no artigo 160, como um fim a ser realizado pela ordem econômica juntamente com a justiça social, embora a pauta sempre seja desenvolvimentista. Era famosa na época a frase: -“Vamos crescer o bolo para podermos reparti-lo a todos!”.

22Art. 163. São facultados a intervenção no domínio econômico e o monopólio de determinada

indústria ou atividade, mediante lei federal, quando indispensável por motivo de segurança nacional ou para organizar setor que não possa ser desenvolvido com eficácia no regime de competição e de liberdade de iniciativa, assegurados os direitos e garantias individuais. Parágrafo único. Para atender a intervenção de que trata este artigo, a União poderá instituir contribuições destinadas ao custeio dos respectivos serviços e encargos, na forma que a lei estabelecer.

(32)

2.1.7. Constituição da República Federativa do Brasil (de 05 de outubro de 1988)

À época da promulgação da Constituição em 1988, o então Presidente da Constituinte, Ulysses Guimarães, escreveu o prefácio com elogios à Constituição, retratando a importância da questão social, mas também as desigualdades por que passava o povo brasileiro, cuja redação, na observação de Paulo Bonavides, foi o “ponto culminante” e, ainda que lançada oficialmente pelo Senado Federal, foi

retirado de circulação “pela impropriedade e natureza esdrúxula do texto

introdutório”, mas de valor histórico e intitulado “A Constituição Coragem” com nítido

teor inspirador e carregado de esperanças, in verbis:

O homem é o problema da sociedade brasileira: sem salário, analfabeto, sem saúde, sem casa, portanto sem cidadania.

A Constituição luta contra os bolsões de miséria que envergonham o País. Diferentemente das sete Constituições anteriores, começa com o homem. Geograficamente testemunha a primazia do homem, que foi escrita para o homem, que o homem é seu fim e sua esperança, é a Constituição cidadã. Cidadão é o que ganha, come, mora, sabe, pode se curar.

A Constituição nasce do parto de profunda crise que abala as instituições e convulsiona a sociedade.

Por isso mobiliza, entre outras, novas forças para o exército do governo e a administração dos impasses. O governo será praticado pelo Executivo e o Legislativo.

Eis a inovação da Constituição de 1988: dividir competências para vencer dificuldades, contra a ingovernabilidade concentrada em um, possibilita a governabilidade de muitos.

É a Constituição coragem.

Andou, imaginou, inovou, ousou, viu, destroçou tabus, tomou o partido dos que só se salvam pela lei.

A Constituição durará com a democracia e só com a democracia sobrevivem para o povo a dignidade, a liberdade e a justiça.24

Esse registro histórico do momento vivido à época, demonstrado por Ulysses Guimarães, retrata a crise da própria dignidade, destacando o brasileiro como sem salário, analfabeto, sem saúde, sem casa, levando à ausência da cidadania, não restando dúvida acerca de sua pertinência, inclusive vindo a constar após mais de

(33)

uma década de vigência, com a Emenda Constitucional n. 26, de 2000, também a

moradia como direito social:

Art. 6º. São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.

O desenvolvimento na Constituição Federal de 1988 ganha o status de

objetivo fundamental, conforme explica José Afonso da Silva:

Agora aparece como um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil. Têm importância interpretativa essas mudanças de posição. Nas Constituições anteriores ligava-se à ordem econômica, o que dava uma visão estreita do desenvolvimento como desenvolvimento econômico. Como um dos objetivos fundamentais da República, alarga-se seu sentido para desenvolvimento nacional em todas as dimensões.25

O Título VII (Da Ordem Econômica e Financeira) se compõe de 4 capítulos, 23 artigos, 51 incisos e 42 parágrafos, adotando no artigo 170 a finalidade

constitucional de “assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da

justiça social”, consistindo na base constitucional do sistema econômico.

De acordo com o artigo 170, o Estado participa na economia de forma

necessária para que “se busque condicionar a ordem econômica ao cumprimento de

seu fim de assegurar existência digna a todos, conforme os ditames da justiça social e por imperativo de segurança nacional”.26

Se se pudesse expressar a ordem econômica imperativa seria da dignidade econômica e social da pessoa humana e isso se concretiza necessariamente pelo desenvolvimento.

(34)

2.2. Do Constitucionalismo Social

Com o advento das primeiras Constituições liberais no século XVIII, onde as relações entre as partes eram pautadas eminentemente pela liberdade, o homem passou a ter um problema sério em seu relacionamento. Com o liberalismo os contratos passaram a ser pautados somente pela autonomia da vontade das partes.

Um grande marco do liberalismo foi a Revolução Francesa em 1789 onde se consagrou fortemente a idéia de liberdade e igualdade formal. Aqui se consagrava a liberdade como o grande valor. Já a igualdade se dava somente de maneira em que todos eram iguais perante a lei, e mais nada. Estávamos diante de uma igualdade ficta e não uma igualdade real. A fraternidade ficou para uma concepção meramente religiosa e espiritual, restringindo-se ao campo moral e não jurídico.

A Declaração de Direitos do Estado da Virgínia de 1776 e a Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 consolidaram esse “modelo”.

As Constituições brasileiras que consagraram esse modelo liberal foram duas do século XIX: a Constituição do Império de 1824 e a primeira Constituição da República de 1891.

Diante da consagração material somente da liberdade, ocorreram grandes abusos por parte das pessoas. Nesse modelo, as partes tinham a liberdade de contratar o que quisessem e da maneira que achassem melhor, onde tudo o que era contratado era tido como justo. Naturalmente, alguns abusos foram cometidos, pois em uma relação contratual livre, com autonomia da vontade livre e exacerbada, o mais forte acabava impondo suas condições o que gerava abuso de uma das partes em relação à parte mais fraca. O homem subjugava o próprio homem, pois uma das partes ao precisar celebrar um contrato (até mesmo um contrato de trabalho) acabava se submetendo a qualquer condição.

(35)

para dentro dos textos constitucionais os Direitos Sociais, garantindo assim uma igualdade real entre as partes.

O constitucionalismo social foi um movimento de ordem mundial que tinha como escopo colocar ao lado do homem político o homem social, consagrando assim uma igualdade real entre as partes, ou seja, consagrando ao lado da liberdade a igualdade real.

As Constituições brasileiras que foram influenciadas pelo Constitucionalismo Social se deram a partir da Constituição de 1934, que como vimos foi a primeira Constituição brasileira a estabelecer um rol de Direitos Sociais. Juntamente com os Direitos Sociais, ocorria também a ordem econômica.

2.2.1. Constituição do México de 1917

A primeira constituição a trazer um rol de direitos sociais, foi a Constituição do México em 1917. Apesar da Constituição Suíça de 1874 e emenda de 1896 especificar alguma coisa a respeito de Direitos Sociais, foi realmente a Constituição mexicana de 1917, que sistematicamente consagrou tais direitos fundamentais de segunda geração, que tinha por objetivo consagrar a igualdade real entre as pessoas, coibindo assim a subjugação do homem pelo próprio homem.

A sistemática da Constituição mexicana é a seguinte: Direitos Individuais, Organização do Estado e Direitos Sociais.

O artigo que inaugura esse rol de Direitos Sociais é o 123, que possui a seguinte redação: “Toda persona tiene derecho al trabajo digno y socialmente útil; al efecto, se promoverán la creación de empleos y la organización social para el

trabajo, conforme a la ley”.27 Além desse artigo, existe um rol bem extenso na

consagração de tais direitos.

27Tradução livre do autor: Toda pessoa tem o direito a um trabalho digno e socialmente útil, sendo

(36)

Tal Constituição se encontra em vigor até os dias de hoje, com sua redação original no que diz respeito a esses direitos, mesmo após a grande reforma Constitucional realizada em 2007. Resumidamente, esse texto consagra os seguintes direitos: jornada de trabalho, salário mínimo, proteção ao salário, participação nos lucros da empresa, proteção ao trabalho das mulheres, proteção ao trabalho dos menores, garantia de emprego, isonomia salarial, direito sindical, contrato coletivo de trabalho, greve, previdência social, higiene e segurança no trabalho, proteção à família do trabalhador.

O artigo mais importante de regência da ordem econômica mexicana era o 23.

ARTÍCULO 23. Corresponde al Estado la rectoría del desarrollo nacional para garantizar que éste sea integral y sustentable, que fortalezca la Soberanía de la Nación y su régimen democrático y que, mediante el fomento del crecimiento económico y el empleo y una más justa distribución del ingreso y la riqueza, permita el pleno ejercicio de la libertad y la dignidad de los individuos, grupos y clases sociales, cuya seguridad protege esta Constitución. El Estado planeará, conducirá, coordinará y orientará la actividad económica nacional, y llevará al cabo la regulación y fomento de las actividades que demande el interés general en el marco de libertades que otorga esta Constitución. Al desarrollo económico nacional concurrirán, con responsabilidad social, el sector público, el sector social y el sector privado, sin menoscabo de otras formas de actividad económica que contribuyan al desarrollo de la Nación. El sector público tendrá a su cargo, de manera exclusiva, las áreas estratégicas que se señalan en el Artículo 28, párrafo cuarto de la Constitución, manteniendo siempre el Gobierno Federal la propiedad y el control sobre los organismos que en su caso se establezcan. Asimismo podrá participar por sí o con los sectores social y privado, de acuerdo con la ley, para impulsar y organizar las áreas prioritarias del desarrollo. Bajo criterios de equidad social y productividad se apoyará e impulsará a las empresas de los sectores social y privado de la economía, sujetándolos a las modalidades que dicte el interés público y al uso, en beneficio general, de los recursos productivos, cuidando su conservación y el medio ambiente. La ley establecerá los mecanismos que faciliten la organización y la expansión de la actividad económica Del sector social: de los ejidos, organizaciones de trabajadores, cooperativas, comunidades, empresas que pertenezcan mayoritaria o exclusivamente a los trabajadores y, en general, de todas las formas de organización social para la producción, distribución y consumo de bienes y servicios socialmente necesarios. La ley alentará y protegerá la actividad económica que realicen los particulares y proveerá las condiciones para que el desenvolvimiento del sector privado contribuya al desarrollo económico nacional, en los términos que establece esta Constitución.28

28Tradução livre do autor: Artigo 23 – É do Estado a responsabilidade do desenvolvimento nacional

(37)

2.2.2. Constituição de Weimar de 1919

A Constituição alemã de Weimar de 1919 foi para muitos o grande marco no Constitucionalismo Social, pois se afirma que esse texto realmente sistematizou e influenciou outras Constituições no mundo a inserir um rol de direitos sociais.

As bases dessa Constituição eram a Organização do Estado, os Direitos Individuais e os Direitos Sociais. Tinha forte influência socialista e pregava, entre outras coisas, nacionalização das normas trabalhistas, liberdade de associação ou liberdade sindical, padrão internacional mínimo de direitos sociais, direito do trabalho, convenção coletiva, gestão participativa nas empresas e participação política nas decisões que dizem respeito à legislação social.

O grande destaque dessa Constituição alemã foi que trouxe, pela primeira vez na Europa, a Constituição Econômica e a difundiu como modelo para o resto do mundo, influenciando, inclusive, a Constituição brasileira de 1934.

(38)

2.2.3. Constituição da OIT

Em 1919 tivemos o advento da Organização Internacional do Trabalho, efetuado pelo Tratado de Versalhes, que é conhecido como a Constituição da OIT.

Fundada em 1919 com o objetivo de promover a justiça social, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) é a única das Agências do Sistema das Nações Unidas que tem estrutura tripartite, na qual os representantes dos empregadores e dos trabalhadores têm os mesmos direitos que os do governo.

Esse Tratado enumerava alguns princípios de Direito do Trabalho29 e constitui

um importante instrumento de fomento e de influência ao serviço do Constitucionalismo Social.

A “OIT foi criada pela Conferência de Paz após a Primeira Guerra Mundial. A sua Constituição converteu-se na Parte XIII do Tratado de Versalhes”.30

Esse documento instituiu a OIT, porém foi modificado pelo Tratado de Filadélfia, que veremos a seguir.

Hoje a OIT conta com a participação de 181 países.

2.2.4. Tratado de Filadélfia de 1944

Esse tratado modificou a Constituição original da OIT.31 Cuidou

especificamente sobre uma reestruturação da OIT e ainda trouxe alguns novos princípios e objetivos em seu anexo. Dentre eles podemos citar:

29Princípio da Dignidade do Trabalho Humano (o trabalho não há de ser considerado mercadoria);

Direito de Associação (liberdade Sindical); Salário Justo capaz de assegurar um nível de vida digno a si e a sua família; Jornada de 8 (oito) horas ou duração do trabalho não superior a 48 (quarenta e oito) horas por semana; Descanso Semanal (remunerado); Erradicação do Trabalho Infantil e Proteção do Trabalho da Mulher; Igualdade Salarial entre homem e mulher; Igualdade entre o nacional e o estrangeiro; Fiscalização para assegurar a aplicação das leis do trabalho.

30ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO (Brasil). História da OIT. Disponível em:

<http://www.oitbrasil.org.br/inst/hist/index.php>. Acesso em: 28 abr. 2008.

31Instrumento para a Emenda da Constituição da Organização Internacional do Trabalho. A

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A Conferência reafirma os princípios fundamentais sobre os quais repousa a Organização, principalmente os seguintes:

a) o trabalho não é uma mercadoria;

b) a liberdade de expressão e de associação é uma condição indispensável a um progresso ininterrupto;

c) a penúria, seja onde for, constitui um perigo para a prosperidade geral; d) a luta contra a carência, em qualquer nação, deve ser conduzida com

infatigável energia, e por um esforço internacional contínuo e conjugado, no qual os representantes 20 dos empregadores e dos empregados discutam, em igualdade, com os dos Governos, e tomem com eles decisões de caráter democrático, visando o bem comum.

Esse documento retrata que o trabalho é o edificador da inclusão social.

Em 1944, à luz dos efeitos da Grande Depressão da Segunda Guerra Mundial, a OIT adotou a Declaração da Filadélfia como anexo da sua Constituição. A Declaração antecipou e serviu de modelo para a Carta das Nações Unidas e para a Declaração Universal dos Direitos Humanos.32

2.2.5. Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948

Esse foi um dos mais importantes documentos no que se refere aos Direitos Fundamentais. Retratam e servem de parâmetros para se identificar o que realmente integra o rol de Direitos Humanos. As premissas básicas desse documento são: a dignidade da pessoa humana, a vida e a liberdade.

No que diz respeito ao desenvolvimento econômico, a previsão vem no artigo XXII antecipa a existência dos direitos econômicos, sociais e culturais.

Toda pessoa, como membro da sociedade, tem direito à segurança social e à realização, pelo esforço nacional, pela cooperação internacional e de acordo com a organização e recursos de cada Estado, dos direitos econômicos, sociais e culturais indispensáveis à sua dignidade e ao livre desenvolvimento da sua personalidade.

Administração da Repartição Internacional do Trabalho e reunida em Montreal a 19 de setembro de 1946, em sua vigésima nona sessão, após haver decidido adotar determinadas propostas para a emenda da Constituição da Organização Internacional do Trabalho, questão compreendida no segundo item da ordem do dia da sessão, adota, aos nove de outubro de mil novecentos e quarenta e seis, o instrumento seguinte para a emenda da Constituição da Organização Internacional do Trabalho, instrumento que será denominado: Instrumento para a Emenda da Constituição da Organização Internacional do Trabalho, 1946.

32ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO (Brasil). História da OIT. Disponível em:

(40)

Essa declaração trouxe alguns problemas no que diz respeito à sua aplicabilidade, pois não havia oposição política sob o pífio argumento de que nenhum país é signatário dessa Declaração. Dizem os defensores dessa tese que foi um documento editado pela ONU, sem a oposição dos países e que funciona como uma interpretação autorizada dos Direitos Humanos, efetuada pela ONU.

Fulminando esse antagonismo, em 1966 foram editados dois Pactos Internacionais que funcionam como uma espécie de regulamentação da Declaração. Esses Pactos, sim, possuem a forma de Tratados. O Brasil é signatário desses dois pactos que veremos a seguir.

2.2.6. Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos de 1966

Ao se pretender a aprovação do Pacto Internacional de Direitos Humanos em 1966, a Assembléia Geral das Nações Unidas acabou por adotar e elaborar dois

tratados e não um só33 como resultado de um compromisso diplomático, como

observa Fábio Konder Comparato:

As potências ocidentais: insistiam no reconhecimento, tão-só, das liberdades individuais clássicas, protetoras da pessoa humana contra os abusos e interferências dos órgãos estatais na vida privada. Já os países dos blocos comunistas e os jovens países africanos: preferiam pôr em destaque os direitos sociais e econômicos, que têm por objeto políticas públicas de apoio aos grupos ou classes desfavorecidas, deixando na sombra as liberdades individuais. Decidiu-se, por isso, separar essas duas séries de direitos em tratados distintos, limitando-se a atuação fiscalizadora do Comitê de Direitos Humanos unicamente aos direitos civis e políticos, e declarando-se que os direitos que têm por objeto programas de ação estatal seriam realizados progressivamente, “até o máximo dos recursos disponíveis” de cada Estado (Pacto sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, art. 2º, alínea 1).34

Entretanto, a proteção aos direitos civis e políticos, por se tratarem de direitos

inerentes à pessoa humana, cuja consagração depende muito mais de um não-fazer

33Ressalta Antônio Augusto Cançado Trindade que: “Tal decisão veio a ser tida como refletindo o

marco e a principal característica do enfoque dos direitos humanos prevalecente em meados do século XX, ou seja, a categorização dos direitos de que desfrutam os seres humanos”. (Tratado de direito internacional dos direitos humanos. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1997. p. 38).

34COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. São Paulo: Saraiva,

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por parte do Estado, não encontrou eco nas diversas nações que ali se reuniram para celebrar tão importante pacto, vindo a reconhecer a necessidade de conjugar com a proteção aos direitos econômicos, sociais e culturais, pois, na arguta

observação de Bobbio: “Os direitos sociais, como se sabe, são mais difíceis de

proteger do que os direitos de liberdade”.35

Esse pacto cuida especificamente das liberdades. Prega a autodeterminação dos povos, onde todos os povos são livres para determinar seus estatutos políticos, para assegurar como bem entender o seu desenvolvimento econômico, social e cultural, dispondo livremente de suas riquezas e recursos naturais, bem como

estipulando suas políticas públicas de regência da economia.36

Assegura entre outros direitos que todas as pessoas tenham igualdade no gozo dos direitos civis e políticos. Proíbe-se qualquer tipo de suspensão dos direitos humanos fundamentais. Defende a vida como sendo inerente à pessoa humana, protegendo especificamente, inclusive, a família e a criança.

A essência do Pacto se expressa em seu preâmbulo:

Os Estados-partes no presente Pacto: Considerando que, em conformidade com os princípios enunciados na Carta das Nações Unidas, o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e dos seus direitos iguais e inalienáveis constitui o fundamento da

35A era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992, p. 63.

36O exemplo ilustrado por Amartya Sen (Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia

(42)

liberdade, da justiça e da paz no mundo; reconhecendo que estes direitos decorrem da dignidade inerente à pessoa humana; reconhecendo que, em conformidade com a Declaração Universal dos Direitos do Homem, o ideal do ser humano livre, usufruindo das liberdades civis e políticas e liberto do medo e da miséria, não pode ser realizado a menos que sejam criadas condições que permitam a cada um gozar dos seus direitos civis e políticos, bem como dos seus direitos econômicos, sociais e culturais; considerando que a Carta das Nações Unidas impõe aos Estados a obrigação de promover o respeito universal e efetivo dos direitos e das liberdades do homem; tomando em consideração o fato de que o indivíduo tem deveres em relação a outrem e em relação à coletividade a que pertence e tem a responsabilidade de se esforçar a promover e respeitar os direitos reconhecidos no presente Pacto [...].

2.2.7. Pacto Internacional dos Direitos Sociais, Econômicos e Culturais de 1966

Esse Pacto regulamenta os direitos fundamentais de segunda e terceira

gerações.37 Assim apregoa seu preâmbulo:

Os Estados-partes no presente Pacto, considerando que, em conformidade com os princípios proclamados na Carta das Nações Unidas, o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e dos seus direitos iguais e inalienáveis constitui o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo, reconhecendo que esses direitos decorrem da dignidade inerente à pessoa humana, reconhecendo que, em conformidade com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, o ideal do ser humano livre, liberto do temor e da miséria, não pode ser realizado a menos que se criem condições que permitam a cada um gozar de seus direitos econômicos, sociais e culturais, assim como de seus direitos civis e políticos, considerando que a Carta das Nações Unidas impõe aos Estados a obrigação de promover o respeito universal e efetivo dos direitos e das liberdades da pessoa humana, compreendendo que o indivíduo, por ter deveres para com seus semelhantes e para com a coletividade a que pertence, tem a obrigação de lutar pela promoção e observância dos direitos reconhecidos no presente Pacto, acordam o seguinte:

O preâmbulo já consagra a essência do conteúdo do pacto. Entretanto necessário se faz o estudo de alguns dispositivos, para podermos perceber o real alcance de tal documento internacional, que guarda um grau de importância de destaque perante todas as pessoas, que tem por ele garantido seu direito maior que

37Ressalta Fábio Konder Comparato: “É preciso ainda assinalar que os Pactos Internacionais de 1966

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é viver com dignidade, pautada pela justiça social, pela liberdade e pela igualdade real.

Sendo assim, verificaremos inicialmente o artigo primeiro, que dispõe que “todos os povos têm o direito à autodeterminação. Em virtude desse direito, determinam livremente seu estatuto político e asseguram livremente seu desenvolvimento econômico, social e cultural”.

Esse dispositivo vem no sentido de consagrar que todos os países são livres, podem e devem se auto-governar sem interferência de qualquer ordem ou natureza. Os países devem ser livres para adotar o tipo de política econômica que desejar, no sentido de se consagrar a dignidade das pessoas que vivem nesse país. Cada país pode dispor livremente de seu governo, para que determinem o tipo de política a serem adotadas, para que atinjam sem interferência ou prejuízo o desenvolvimento econômico, social e cultural. Não há que se aceitar imposições de países ou organismos estrangeiros na determinação de qual tipo de conduta o Estado irá tomar. Consagra aqui a soberania nacional.

Temos que analisar ainda o artigo terceiro que dispõe: “os Estados-partes no

presente Pacto comprometem-se a assegurar a homens e mulheres igualdade no gozo dos direitos econômicos, sociais e culturais enumerados no presente Pacto”.

Esse dispositivo é um dos mais importantes, pois vem consagrar a efetividade e eficiência, pois não adianta nada um país demonstrar interesse em ser signatário do presente documento e fazer vistas grossas ao seu cumprimento. A partir do momento que um determinado Estado passa a integrar o rol de países signatários de tal Pacto, nasce a esse país o dever de lutar e possibilitar mecanismos de efetividade e eficiência dos direitos dispostos no documento, que visa o desenvolvimento econômico das pessoas com a conseqüente consagração da dignidade da pessoa humana. De nada adianta incorporar tal documento e não aplicar.

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Os Estados-partes no presente Pacto reconhecem o direito de toda pessoa a um nível de vida adequado para si próprio e para sua família, inclusive à alimentação, vestimenta e moradia adequadas, assim como uma melhoria contínua de suas condições de vida. Os Estados-partes tomarão medidas apropriadas para assegurar a consecução desse direito, reconhecendo, nesse sentido, a importância essencial da cooperação internacional fundada no livre consentimento.

Esse artigo traz alguns parâmetros para aplicarmos o Pacto. Determina que os Estados que se sujeitam a esse documento, devem determinar e possibilitar que as pessoas tenham um nível de vida adequado (digno) não só para si, mas também para sua família. Diante disso, traça alguns parâmetros que servem de base para essa vida “adequada”, que seria uma adequada alimentação, vestimenta, moradia, bem como uma melhoria contínua (constante desenvolvimento) de sua condição de vida.

Para tanto, determina que os Estados signatários deverão, para efetivar tais direitos, tomar medidas apropriadas nesse sentido, reconhecendo ainda a importância da cooperação internacional fundada no livre consentimento.

A importância do teor desse Pacto se fez presente na II Conferência Mundial de Direitos Humanos em Viena, em junho de 1993, precisamente na Declaração e Programa de Ação de Viena, que dedicou especial atenção aos direitos econômicos, sociais e culturais, cujo destaque é feito por Antônio Augusto Cançado Trindade:

O documento afirmou categoricamente que ‘deve haver um esforço concentrado para assegurar o reconhecimento dos direitos econômicos, sociais e culturais em níveis nacional, regional e internacional’. A Declaração condenou violações continuadas de direitos humanos, e obstáculos ao pleno gozo dos mesmos, em diversas partes do mundo, tais como, inter alia, “pobreza, fome e outras denegações dos direitos econômicos, sociais e culturais”. A Declaração advertiu que a pobreza extrema e a exclusão social constituem “uma violação da dignidade humana”, pelo que se impõe sua eliminação como “alta prioridade para a comunidade internacional”.38

Sobre a II Conferência Mundial de Direitos Humanos em Viena, em junho de 1993, estudaremos adiante a Declaração e Programa de Ação de Viena, como instrumento internacional de reconhecimento do direito ao desenvolvimento.

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3. TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITO AO DESENVOLVIMENTO

Na Assembléia Geral das Nações Unidas, em 16 de dezembro de 1966,

foram adotados o Pacto sobre Direitos Civis e Políticos e o Pacto sobre Direitos

Econômicos, Sociais e Culturais.

A importância desses documentos internacionais é significativa para Norberto Bobbio, ao explicar que a tendência do processo de conversão em direito positivo,

de generalização e de internacionalização, se pode chamar de “especificação”, que

consiste “na passagem gradual, porém cada vez mais acentuada, para uma ulterior

determinação dos sujeitos titulares de direitos”, referindo-se à Declaração dos Direitos da Criança (1959), à Declaração sobre a Eliminação da Discriminação à Mulher (1967), à Declaração dos Direitos do Deficiente Mental (1971), sendo vários

os documentos internacionais, inclusive “novos programas internacionais para

garantir segurança econômica e social aos velhos, cujo número está em contínuo aumento”.39

Aos direitos do homem, “descendo do plano ideal ao plano real”, sempre novos e cada vez mais extensos, não basta justificá-los com “argumentos

convincentes”, pois o mais difícil é garantir-lhes “proteção efetiva”, mas o debate

sobre os direitos do homem, conforme Bobbio, é “um sinal do progresso moral da humanidade”, ressaltando que “esse crescimento moral não se mensura pelas

palavras, mas pelos fatos”, pois “de boas intenções, o inferno está cheio”.40 E

conclui:

Com relação às grandes aspirações dos homens de boa vontade, já estamos demasiadamente atrasados. Busquemos não aumentar esse atraso com nossa increduidade, com nossa indolência, com nosso ceticismo. Não temos muito tempo a perder.41

Com a adoção e proclamação dos Pactos de Direitos Humanos das Nações Unidas em 1966, dezoito anos após a Declaração Universal de 1948, sendo que o Pacto de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais entrou em vigor em 03 de janeiro

39 BOBBIO, 1992, p. 62-63. 40 Ibid., p. 64.

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