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Positivação e Características do Direito ao Desenvolvimento

6. DIREITO AO DESENVOLVIMENTO

6.3. Positivação e Características do Direito ao Desenvolvimento

Com o advento da Constituição Federal de 1988, a dignidade da pessoa

humana é consagrada ganhando relevância, não em detrimento de qualquer outro

princípio, mas de forma a “comprometer todo o exercício da atividade econômica, em sentido amplo – e em especial, o exercício da atividade econômica em sentido estrito – cuja existência digna pressupõe direito de todos”.208

Nas relações entre Estado de Direito e legalidade, bem como de Democracia e legitimidade, conclui Willis Santiago Guerra Filho que a “dignidade não pode ser sacrificada em nome da segurança, na hipótese de um confronto entre os dois valores, o que pode ocorrer com freqüência, embora a garantia de segurança seja essencial para haver respeito à dignidade humana. Cabe, porém, distinguir entre a segurança individual e a segurança coletiva, enquanto essa, por sua vez, tanto pode ser a segurança de uma parte ou grupo da sociedade como a segurança dela como um todo”.209

A evolução histórica da proteção dos direitos humanos fundamentais com as declarações em diplomas internacionais, que acabaram por assumir a forma de tratados internacionais, adentrando no ordenamento jurídico dos países signatários, não obstante a discussão acerca de seu efetivo cumprimento em caso de não assunção, teve seu ponto alto na Declaração Universal dos Direitos do Homem, assinada em Paris em 1948 e, posteriormente, a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, firmada no mesmo ano. Em 1966 foi adotado na Assembléia Geral as Nações Unidas, o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos; em 1969, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos – Pacto de San José da Costa Rica.

Com os Pactos Internacionais de Direitos Humanos de 1966, sobre Direitos Civis e Políticos e sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, cujo conjunto dos direitos humanos forma um sistema indivisível, como ressaltado por Fábio Konder Comparato, em que a unidade essencial do sistema de direitos humanos foi

208CANOTILHO, José Joaquim Gomes e MOREIRA, Vital. Constituição da República Portuguesa

Anotada. Coimbra: Coimbra Editora, 1984. Itens 37 e 38.

afirmada pela Resolução n. 32/120 da Assembléia Geral da ONU, em 1968, e confirmada pela Conferência Mundial de Direitos Humanos de 1993, na Declaração de Viena, dando base ao direito ao desenvolvimento:

A Assembléia Geral das Nações Unidas, em uma Resolução de 4 de dezembro de 1986 (A/RES/41/128), considerou o desenvolvimento como “um amplo processo, de natureza econômica, social, cultural e política”. Manifestou sua preocupação com “a existência de sérios obstáculos ao desenvolvimento e à completa realização dos seres humanos e dos povos, obstáculos esses constituídos, inter alia, pela denegação dos direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais”, entendendo que “todos os direitos humanos e as liberdades fundamentais são indivisíveis e interdependentes, devendo-se, a fim de promover o desenvolvimento, dar igual atenção e considerar como urgente a implementação, promoção e proteção dos direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais”.210 A Declaração de Direito ao Desenvolvimento de 1986, consolidou a inserção no texto constitucional o desenvolvimento, não mais com aquele viés de crescimento econômico per si mas o desenvolvimento com espeque não apenas nos direitos civis e políticos, mas também, econômicos, culturais e sociais, tal como definidos nos Pactos Gêmeos de 1966.

Daí, a assunção do desenvolvimento como objetivo da República Federativa do Brasil e como valor supremo, tal como declarado no Preâmbulo211, restando clara

a opção adotada, por um capitalismo de natureza humanista de maneira a garantir existência digna à população brasileira, com supedâneo nos Pactos Internacionais de Direitos Humanos de 1966, seguido da Declaração de Direito ao Desenvolvimento de 1986 e a Declaração de Viena de 1993.

O direito ao desenvolvimento supera a concepção de estar vinculado ao crescimento econômico, de maneira a se adequar ao que modernamente é aceito e destacado nos documentos internacionais, e assim, fundamentamos essa mudança quando da promulgação da Constituição Federal, na observação de Willis Santiago Guerra Filho:

210COMPARATO, 2004, p. 277.

211Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir

um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.

Atualmente, uma constituição não mais se destina a proporcionar um retraimento do Estado frente à Sociedade Civil, como no princípio do constitucionalismo moderno, com sua ideologia liberal. Muito pelo contrário, o que se espera hoje de uma constituição são linhas gerais para guiar a atividade estatal e social, no sentido de promover o bem-estar individual e coletivo dos integrantes da comunidade que soberanamente a estabelece.212

No plano interno e regional, corrobora com esse entendimento, a forma de como o Estado de São Paulo trata do assunto, dispondo especificamente sobre a Ordem Social no Título VII, determinando logo no Capítulo I, na Disposição Geral, o artigo 217: “Ao Estado cumpre assegurar o bem-estar social, garantindo o pleno

acesso aos bens e serviços essenciais ao desenvolvimento individual e coletivo”.213

Assim, podemos afirmar que no momento atual do ordenamento jurídico, o crescimento econômico do país em relação à comunidade internacional, deve ser compatibilizado com a dignidade da pessoa humana, posto que direitos humanos fundamentais, não apenas a pessoa singularmente considerada, mas toda a coletividade.

O direito ao desenvolvimento teve o propósito de fortalecer, jamais restringir, os direitos pré-existentes. Assim ocorre em razão da natureza complementar de todos os direitos humanos. Todos os aspectos do direito ao desenvolvimento, por sua vez, são do mesmo modo interdependentes e hão de ser levados em conta como um todo. Assim, uma denegação do direito ao desenvolvimento há de acarretar conseqüências adversas para o exercício dos direitos civis e políticos assim como dos direitos econômicos, sociais e culturais. O reconhecimento e a cristalização do direito ao desenvolvimento só puderam ter ocorrido à luz da unidade de concepção e indivisibilidade dos direitos humanos. O fenômeno que hoje testemunhamos não é o de uma sucessão generacional imaginária (a infundada teoria das gerações de direitos), mas antes o da expansão e fortalecimento dos direitos humanos reconhecidos.214

212GUERRA FILHO, WillisSantiago. Ensaios de Teoria Constitucional. Ceará: Imprensa Universitária

da Universidade Federal do Ceará, 1989, p. 7.

213Esse Título VII dispõe ainda de mais quatro capítulos, sendo: CAPÍTULO II – Da Seguridade

Social; SEÇÃO I - Disposição Geral; SEÇÃO II – Da Saúde; SEÇÃO III – Da Promoção Social. CAPÍTULO III – Da Educação, da Cultura e dos Esportes e Lazer; SEÇÃO I – Da Educação; SEÇÃO II – Da Cultura; SEÇÃO III – Dos Esportes e Lazer; CAPÍTULO IV – Da Ciência e Tecnologia. CAPÍTULO V – Da Comunicação Social. CAPÍTULO VI – Da Defesa do Consumidor. E, finalmente, o CAPÍTULO VII – Da Proteção Especial; SEÇÃO I – Da Família, da Criança, do Adolescente, do Idoso e dos Portadores de Deficiências; e SEÇÃO II – Dos Índios.

214TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. Tratado de Direito Internacional dos Direitos Humanos.

Os Direitos Humanos são o principal instrumento para a consecução de um projeto de humanidade cuja construção ainda está nos seus alicerces. Trata-se de um projeto de construção de uma vida digna para todos, isto é, como diz Hanna Arendt, é um projeto que assegura a todos os seres humanos o exercício pleno do direito de ter direitos e do dever de ter deveres no marco de uma ordem social fundada na democracia.