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3. TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITO AO DESENVOLVIMENTO

3.3. Declaração de Viena 1993

A II Conferência Mundial de Direitos Humanos em Viena, em junho de 1993, conforme destaca Antônio Augusto Cançado Trindade, consagrou a importância da interrelação entre “democracia, desenvolvimento e direitos humanos”, sendo destacada na Declaração e Programa de Ação de Viena, principal documento final adotado pela Conferência, assim como na Declaração de San José da Costa Rica, de janeiro de 1993, adotada pela Reunião Regional da América Latina e do Caribe, Preparatória da Conferência Mundial, em que cada um dos elementos da “tríade” – democracia, desenvolvimento e direitos humanos – são “interdependentes” e “se

reforçam mutuamente”.64

A ênfase na tríade dada aos elementos que a compõem se devem ao fato de que se relacionam naturalmente com a totalidade dos direitos humanos, ou seja, os direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais, iniciando-se pela democracia, cujos elementos essenciais, na lição de Antônio Augusto Cançado Trindade, podem assim ser considerados:

[...] existência de instituições que garantam a observância dos direitos humanos e o Estado de Direito; Poder Executivo periodicamente eleito, em eleições independentes com votação no poder, e respeito pela vontade popular como base da legitimidade do governo; Poder Legislativo periodicamente eleito e pluralista; Poder Judiciário independente, capaz de controlar a legalidade dos atos legislativos e administrativos (inclusive para assegurar a vigência dos direitos básicos); a separação dos Poderes, com o Executivo apto a prestar contas ao Legislativo e sujeito ao controle jurisdicional; existência de instituições adicionais de controle (e.g., ombudsman, defensor do povo, funções adicionais do Ministério Público, etc.); o pluralismo ideológico; a liberdade de associação (especialmente dos trabalhadores); a satisfação das necessidades humanas básicas (alimentação, moradia, vestuário, educação, trabalho) na implementação dos direitos econômicos, sociais e culturais; a fiscalização e exigência de responsabilidade das autoridades; a assistência judiciária para assegurar o acesso de todos à justiça (prevalência das garantias do devido processo, e proteção judicial); a liberdade de imprensa; o respeito pelos direitos das minorias (inclusive diferentes religiões e povos indígenas), com mecanismos que garantam sua participação política e medidas especiais de assistência.65

641997, p. 129.

Por se relacionar com a “totalidade” dos direitos humanos, na observação de Antônio Augusto Cançado Trindade, é possível que estejamos diante da “etapa

inicial de formação de outro fenômeno igualmente alentador e de grandes dimensões e implicações: o da promoção internacional da própria democracia e do Estado de Direito”66, estando referido na Conferência de Viena o apoio internacional

à promoção e ao fortalecimento da democracia, do desenvolvimento e dos direitos humanos.

A totalidade dos direitos humanos é proclamada em Viena, como afirma Fábio Konder Comparato, como princípio da complementariedade:

Todos os direitos humanos são universais, indivisíveis, interdependentes e inter-relacionados. A comunidade internacional deve tratar os direitos humanos globalmente, de modo justo e eqüitativo, com o mesmo fundamento e a mesma ênfase. Levando em conta a importância das particularidades nacionais e regionais, bem como os diferentes elementos de base históricos, culturais e religiosos, é dever dos Estados, independentemente de seus sistemas políticos, econômicos e culturais, promover e proteger todos os direitos humanos e as liberdades fundamentais.67

Nessa esteira, ressalta Arjun Sengupta, que a reafirmação do que foi estabelecido na Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento de 1986, se dá em Viena, com o reconhecimento do “direito ao desenvolvimento, como estabelecido na

Declaração dos Direitos ao Desenvolvimento, como um direito universal e inalienável e parte integral dos direitos humanos fundamentais”, cujo apoio dos Estados Unidos

tornou possível a tentativa de transformar este direito ao desenvolvimento em realidade, contendo na declaração a seguinte afirmação: “Direitos humanos e

liberdades fundamentais são o direito de nascença de todos os seres humanos; sua proteção e promoção é a responsabilidade primeira do governo”.68

Fica claro, assim, que a discussão em Viena não podia ser pautada de acordo com os interesses de uma minoria que ainda entendia a liberdade como um não- fazer, uma prestação negativa do Estado, há muito superado, principalmente conforme se verificou no pós-guerra.

661997, p. 206.

672004, p. 67. 682002, p. 65.

Outra não é a observação de Amartya Sen ao discorrer sobre a questão das necessidades econômicas e liberdades políticas travada na Conferência de Viena:

(...) Por que se preocupar com a sutileza das liberdades políticas diante da esmagadora brutalidade das necessidades econômicas intensas? Essa questão, bem como outras afins que refletem dúvidas quanto à urgência da liberdade política e direitos civis, tomou vulto na conferência de Viena sobre direitos humanos, realizada em meados de 1993, e delegados de vários países argumentaram contra a aprovação geral de direitos políticos e civis básicos em todo o planeta, particularmente no Terceiro Mundo. Em vez disso, afirmou-se, o enfoque teria de ser sobre “direitos econômicos” relacionados a importantes necessidades materiais.

Essa é uma linha de análise bem estabelecida, e foi veementemente defendida em Viena pelas delegações oficiais de diversos países em desenvolvimento, encabeçados por China, Cingapura e outros países do Leste Asiático, mas não objetada pela Índia ou outros países da Ásia meridional e ocidental, nem pelos governos africanos. Existe nessa linha de análise a retórica freqüentemente repetida: o que deve vir primeiro – eliminar a pobreza e a miséria ou garantir liberdade política e direitos civis, os quais, afinal de contas, têm pouca serventia para os pobres?69

Os dois Pactos de Direitos Humanos das Nações Unidas, ao dispor sobre limitações aos direitos consagrados, estabeleceram como limites de discricionariedade estatal os imperativos e exigências de uma “sociedade

democrática”, invocando a democracia, como ressalta Antônio Augusto Cançado

Trindade, em sua dimensão social, com o fim de assegurar que os direitos humanos consagrados não sejam indevidamente limitados, tratando-se, pois, de uma “aplicação específica da cláusula democrática em sua dimensão social”, diretamente ligada à plena vigência dos direitos humanos.70

Com efeito, a Declaração e Programa de Ação de Viena, ressaltando a implementação, em especial do Pacto sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, no relato de Antônio Augusto Cançado Trindade, conclamou os Estados a se abster de qualquer medida unilateral a impedir a plena realização dos direitos humanos, “em particular os direitos de toda pessoa a um padrão de vida adequado,

a sua saúde e bem-estar, incluindo alimentação e cuidados médicos, moradia e os necessários serviços sociais”.

692000, p. 174.