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6. DIREITO AO DESENVOLVIMENTO

6.2. Conceito de Direito ao Desenvolvimento

O direito ao desenvolvimento vem proclamado expressamente na Declaração

sobre o Direito ao Desenvolvimento em 1986; bem assim a Declaração e Programa de Ação de Viena, na Conferência Mundial sobre Direitos Humanos em 1993,

consagrando a Declaração sobre Direito ao Desenvolvimento “direito universal e inalienável e parte integral dos direitos humanos fundamentais”.

A pessoa humana é o sujeito central do desenvolvimento, não podendo ser invocada a “falta de desenvolvimento” como justificativa para se limitar os “direitos

humanos internacionalmente reconhecidos”.

A falta do desenvolvimento teria o apego nos problemas que se justificam ao se tomar por base a falta de oportunidade de emprego, seja pelo excesso de mão- de-obra, seja pela mecanização, informatização e robotização, entre diversos outros fatores estruturais. Entretanto, nesse contexto, a Constituição Federal dispõe expressamente sobre a proteção em face da automação200 como um direito social

dos trabalhadores urbanos e rurais, de maneira a estabelecer mais um contraponto do que a estagnação da Ciência e Tecnologia, uma vez que também dispõe ser dever do Estado a promoção e incentivo do desenvolvimento científico, da pesquisa

199SILVA, 2005, p. 713.

200Constituição Federal, Art. 7º: São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que

visem à melhoria de sua condição social: (...) XXVII - proteção em face da automação, na forma da lei;

e da capacitação tecnológicas201, razão maior para reconhecer que o mercado

interno integra o patrimônio nacional.202

A partir dessa redação, que à época das discussões sobre o texto constitucional resultou em críticas acerca do reconhecimento de que o mercado interno integra o patrimônio nacional, a Constituição Federal determina no artigo 219 da Constituição Federal, o incentivo “de modo a viabilizar o desenvolvimento cultural

e sócio econômico, o bem-estar da população e a autonomia tecnológica do País, nos termos de lei federal”.

Os instrumentos de promoção do desenvolvimento devem atender os princípios norteadores do Direito e insculpidos na Constituição Federal, mas tendo- se em consideração os direitos fundamentais, ou mesmo aquele “mínimo vital” de que o cidadão necessita para viver com dignidade, é de se reconhecer a importância do desenvolvimento para a consecução desses objetivos.

Não há um consenso, muito menos uma regra absoluta sobre o que seja o “mínimo vital”, diante da variação da necessidade de pessoa a pessoa. O que se tentou até hoje foi chegar nesse senso comum através dos tratados internacionais de direitos humanos e, portanto, de característica marcadamente universal, sendo, especialmente e na sua essência, incorporado na Constituição Federal de 1988.

Como se sabe, à época da Constituinte não havia maturidade suficiente da população para traduzir na Constituição Federal os seus direitos fundamentais, por conta do longo período de repressão vivido no país até então.

Por conta disso, foram incorporados esses direitos presentes nos mais distintos Tratados e Declarações Internacionais, notadamente no âmbito dos direitos fundamentais, na Declaração Universal de Direitos Humanos.

A garantia ao “mínimo vital” pode ser traduzido pelo salário mínimo, previsto constitucionalmente no art. 7º, IV203, que, atualmente, sem qualquer esforço de análise, é insuficiente para promover aquilo a que se destina.

201 Constituição Federal, Art. 218: O Estado promoverá e incentivará o desenvolvimento científico, a

pesquisa e a capacitação tecnológicas.

202 Constituição Federal, Art. 219. O mercado interno integra o patrimônio nacional e será incentivado

de modo a viabilizar o desenvolvimento cultural e sócio-econômico, o bem-estar da população e a autonomia tecnológica do País, nos termos de lei federal.

Entretanto, o que está apregoado na Constituição Federal sobre o salário mínimo como direito social do trabalhador, é entendido por alguns como uma norma não auto-executável, ou seja, que depende de regulamentação, não comportando a sua aplicação imediata.

A doutrina portuguesa considera como “garantia de um mínimo social” ou “standard mínimo” compreendido como “mínimo existencial”, que se destina a evitar a perda total da função social do direito fundamental, por forma a que este não resulte “esvaziado” de conteúdo e, deste modo, desprovido de sentido204.

O DIEESE – Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos faz um estudo mensal, apresentando um quadro comparativo entre os valores reais do “salário mínimo nominal” e o “salário mínimo necessário”, demonstrando, neste aspecto, a verdadeira necessidade do trabalhador “capaz de atender às suas necessidades vitais básicas e às de sua família”, conforme a Constituição Federal determina.

Com efeito, apenas a título de comparação e sem qualquer esforço interpretativo quanto aos números apresentados, a tabela abaixo demonstra que o trabalhador está longe de atingir esse estágio de garantir à sua família o “mínimo vital”, que em março de 2008 seria R$ 1.881,32 (mil, oitocentos e oitenta e um reais e trinta e dois centavos), caso seu salário seja o “mínimo nominal”, ou seja, R$ 415,00 (quatrocentos e quinze reais). Esse valor, conforme observa o DIEESE é: “considerado em cada Mês o maior valor da ração essencial das localidades pesquisadas. A família considerada é de dois adultos e duas crianças, sendo que estas consomem o equivalente a um adulto. Ponderando-se o gasto familiar, chegamos ao salário mínimo necessário”.

203 Art. 7º: São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visam à melhoria de

sua condição social: ...

IV salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim;

m arço de 2 0 0 6 a m arço de 2 0 0 8

Período Salário m ínim o nom inal Salário m ínim o necessário

2006 Março R$ 300,00 R$ 1.489,33 Abril R$ 350,00 R$ 1.536,96 Maio R$ 350,00 R$ 1.503,70 Junho R$ 350,00 R$ 1.447,58 Julho R$ 350,00 R$ 1.436,74 Agosto R$ 350,00 R$ 1.442,62 Set em bro R$ 350,00 R$ 1.492,69 Outubro R$ 350,00 R$ 1.510,00 Novem bro R$ 350,00 R$ 1.613,08 Dezem bro R$ 350,00 R$ 1.564,52 2007 Janeiro R$ 350,00 R$ 1.565,61 Fevereiro R$ 350,00 R$ 1.562,25 Março R$ 350,00 R$ 1.620,89 Abril R$ 380,00 R$ 1.672,56 Maio R$ 380,00 R$ 1.620,64 Junho R$ 380,00 R$ 1.628,96 Julho R$ 380,00 R$ 1.688,35 Agosto R$ 380,00 R$ 1.733,88 Set em bro R$ 380,00 R$ 1.737,16 Outubro R$ 380,00 R$ 1.797,56 Novem bro R$ 380,00 R$ 1.726,24 Dezem bro R$ 380,00 R$ 1.803,11 2008 Janeiro R$ 380,00 R$ 1.924,59 Fevereiro R$ 380,00 R$ 1.900,31 Março R$ 415,00 R$ 1.881,32

Salário m ínim o nom inal: salário m ínim o vigente.

Salário m ínim o necessário: Salário m ínim o de acordo com o preceito const itucional "salário m ínim o fixado em lei, nacionalm ente unificado, capaz de atender às suas necessidades vitais básicas e às de sua fam ília, com o m oradia, alim entação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, reaj ustado periodicam ent e, de m odo a preservar o poder aquisitivo, vedada sua vinculação para qualquer fim " ( Const ituição da República Federat iva do Brasil, capítulo I I , Dos Direitos Sociais, art igo 7º , inciso I V) . Foi considerado em cada Mês o m aior valor da ração essencial das localidades pesquisadas. A fam ília considerada é de dois adultos e duas crianças, sendo que est as consom em o equivalente a um adulto. Ponderando- se o gasto fam iliar, chegam os ao salário m ínim o necessário.

Sob esse aspecto, a promoção do desenvolvimento pleno, sobrelevando os princípios do valor social do trabalho e da livre iniciativa, a propriedade e as riquezas de seus detentores, bem assim, o pleno emprego, deveria partir do próprio objetivo fundamental insculpido na Constituição Federal, ou seja, “erradicar a pobreza e a

marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais” (artigo 3º, III), sendo o “salário mínimo necessário”, uma adoção corretiva para esse distúrbio social.

A proteção aqui exposta encontra eco em Norberto Bobbio205 que

repetidamente vinha afirmando em suas palestras que “o problema grave de nosso

tempo, com relação aos direitos do homem, não era mais o de fundamentá-los, e sim o de protegê-los”, e que “com efeito, o problema que temos diante de nós não é filosófico, mas jurídico e, num sentido mais amplo, político”.

Na mesma esteira, afirmando que o valor da pessoa humana, o direito à vida, ou a liberdade são exemplos por excelência de valores antropológicos, Miguel Reale questiona:

O mais complexo e difícil dos problemas humanos é o do próprio homem e sua história. Indagar do sentido desta, e de como ela se desenvolve no tempo, implica aceitar a existência ou não de valores dotados de certa duração e consistência.206

O problema a enfrentar, portanto, é o das medidas imaginadas e imagináveis para a efetiva proteção desses direitos, como forma de induzir o Estado a introduzir e aperfeiçoar a disciplina específica para a proteção e tutela dos direitos do homem.

A efetivação de uma maior proteção dos direitos do homem está ligada ao desenvolvimento global da civilização humana. É um problema que não pode ser isolado, sob pena, não de não resolvê-lo, mas de sequer compreendê-lo em sua real dimensão, que na linha da observação de Arjun Sengupta, devemos proceder à leitura conjunta da Declaração de 1986 com outros instrumentos “que são agora

considerados como fazendo parte de uma Declaração Internacional dos Direitos Humanos”, podendo, assim, ser dada a “interpretação que possa ser mais útil para sua realização”.207

2051992, p. 25.

206 Jornal O Estado de São Paulo, 28 de fevereiro de 2004. 207 SENGUPTA, 2002, p. 65.