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A condição (des) humana nas comunidades quilombolas do

Paraná – possíveis relações

com políticas públicas de

esporte e lazer

Rogerio Massarotto de Oliveira, Érica Fernanda Lopes, Elizandra Garcia da Silva , Guilherme Reino Serrone

Quando você for convidado a subir no adro Da fundação Casa de Jorge Amado

Pra ver do alto a fi la de soldados, quase todos pretos Dando porrada na nuca de malandros pretos De ladrões mulatos e outros quase brancos Tratados como pretos

Só pra mostrar aos outros, quase pretos (E são quase todos pretos)

Como é que pretos, pobres e mulatos

E quase brancos e quase pretos de tão pobres são tratados [...]

Mas presos, são quase todos pretos

Ou quase pretos, ou quase brancos ou quase pretos de tão pobres E pobres são como podres

E todos sabem como se tratam os pretos [...] Caetano Veloso122

Introdução

O objetivo deste artigo é analisar a necessidade da implantação de políticas públicas de esporte e lazer nas comunidades quilombolas de Despraiado, Vila Tomé e Cavernoso, no município de Candói, e da comunidade Paiol de Telha, situada no município de Guarapuava. Para

tecer tal análise necessita-se, primeiramente, da compreensão de que estas comunidades não se encontram pinçadas da realidade concreta, ao contrário, estão alocadas numa sociedade em que a base estrutural é capitalista.

Baseada nas comunidades quilombolas estudadas, inseridas na periferia social dessa sociedade, mas sob contato próximo com seu epicentro, a concepção da qual partimos no presente estudo é tributária de que tanto as ideias quanto os pensamentos ou representações humanas se constituem a partir de certas determinações históricas que presidem nossa vida social.

O procedimento metodológico do qual somos partidários tem como ponto de partida o empírico, a realidade concreta das comunidades quilombolas em questão, conjugando suas relações com outros arranjos igualmente concretos para, em seguida, investigar sua gênese histórica e seu desenvolvimento, até emprestar-lhe expressão no plano abstrato, ou seja, no plano das ideias, tecendo as análises das determinações do objeto. Como assinala Marx (1985, p. 186):

Os pressupostos com os quais começamos não são arbitrários, nem dogmas, são pressupostos efetivos dos quais só é possível abstrair na imaginação. Eles são os indivíduos efetivos, a sua ação e as suas condições materiais de vida, tanto as encontradas aí quanto as engendradas pela própria ação deles. Estes pressupostos são, portanto constatáveis por via puramente empírica.

Estes escritos sinalizam a concepção dialética que Marx estabelece para sua análise histórica. Não se parte da visão unilateral de que somente as condições de vida do homem são contraídas por ele, senão, que acrescenta o papel transformador do homem ao assinalar que essas mesmas condições, também, são engendradas por ele – o homem transforma a sociedade, ao mesmo tempo em que por esta é transformado.

Marx (1985) afi rma a necessidade de que a gênese seja o material, o concreto, para, posteriormente, analisar suas formas de expressão social, reservadas as particularidades do objeto. Esta gênese que constituiu o ponto de partida material da investigação, para este método de análise, é a forma como os homens produzem seus meios de viver, os meios pelos quais produzem suas riquezas e as distribuem socialmente. Para este objeto, devem ser consideradas as particularidades com vistas à constituição das devidas mediações entre o universal e o particular.

Diante destas constatações, deve-se considerar que, primeiramente, para que qualquer sujeito se produza e se reproduza socialmente, são necessários meios de subsistência para a manutenção da vida; de condições materiais que assegurem sua existência, pois, é a partir deles que se

5 A C O N D I Ç Ã O ( D E S ) H U M A N A N A S C O M U N I D A D E S Q U I L O M B O L A S . . .

desenvolvem as devidas condições de produção/reprodução desse homem sócio-histórico.

Marx e Engels (1984, p. 22, grifo dos autores) declaram que a primeira condição determinante da existência humana é a de que “[...] os homens devem estar em condições de viver para poder fazer história. Mas para viver, é preciso antes de tudo beber, comer, uma habitação, roupas e ainda outras coisas [...]”. Isto quer dizer que para se produzir cultura, relações sociais, políticas ou qualquer outro aspecto da vida humana, é necessário, antes, produzir a vida.

No capital, o modo de produção e reprodução da humanidade se dá pelo trabalho produtivo que, por sua vez, ocorre pela existência do proletariado/ classe trabalhadora sob dominação (naturalizada pelo contrato social e teorias liberais e neoliberais) da classe dominante/burguesa.

Os homens, na produção social do capital, cumprem o papel de proprietários do material, dos instrumentos ou, simplesmente, do produto do trabalho; fazem com que, quem não tem propriedade desses instrumentos, necessite vender, no âmbito rural ou urbano, a sua única propriedade (não material) – força de trabalho –, mediante um salário muito mais precarizado que a condição de vida do trabalhador, ampliando, dessa forma, as mazelas ocasionadas pela existência da propriedade privada. Essa foi a realidade empírica encontrada nas comunidades investigadas. Tal situação é expressa e foi constatada na condição histórica, política, econômica e social dos remanescentes dos escravos nas comunidades quilombolas do Paraná, trazida nos recortes desse estudo.

A partir dessa primeira análise, buscamos entender a realidade das comunidades quilombolas em sua totalidade, estabelecendo os nexos entre o universal, a sociedade capitalista e o particular, ou seja, busca-se apreender o movimento histórico e suas manifestações internas particularizadas no objeto de estudo que, aqui, se expressa na implantação de políticas públicas de esporte e lazer nesses agrupamentos sociais.

Para avançarmos nessa questão, iniciou-se uma pesquisa científi ca de cunho qualitativo, com inserção em campo, a fi m de buscar, nos próprios sujeitos sociais, a resposta para a questão levantada por meio de ações concretas cotidianas, identifi cando nas peculiaridades de cada ato a gama dos valores que ele traz. Desse modo, o foco da pesquisa em campo se deu nas ações concretas cotidianas dos quilombolas das comunidades elencadas. Segundo Pais (2003, p. 29), “[...] as rotas do quotidiano são caminhos denunciadores dos múltiplos meandros da vida social [...]”. Sendo assim, as análises têm a fi nalidade de apresentar a realidade concreta dos fatos com base nas categorias eleitas inicialmente, das subcategorias elencadas

durante a pesquisa em campo para, então, traçarmos as considerações fi nais provisórias e mediações dessa investigação.

As Políticas Públicas e o modo de produção e reprodução