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Na comunidade Vila Esperança vivem cerca de 200 pessoas que habitam cerca de 20 casas. Há 15 anos, nove famílias moradoras do Feixo trocaram suas casas e terrenos com o proprietário da indústria de produtos de limpeza. Segundo os moradores, o negócio benefi ciou os dois lados, pois em troca de suas casas antigas e localizadas por vezes em lugares intransitáveis durante as chuvas, receberam os terrenos com casas relativamente boas. O dono da indústria química pôde aumentar os limites de sua propriedade no Feixo.

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Esses moradores dizem ter a documentação das novas casas, diferente das casas que tinham no Feixo (que nenhum documento constava em seus nomes). Porém, como consta no livro Paraná Negro (GOMES JÚNIOR; SILVA; COSTA, 2008), a história da troca diverge dos depoimentos de alguns moradores. Segundo o livro, os moradores da Vila Esperança são descendentes dos negros escravizados pela família Braga que receberam terras na comunidade do Feixo. Foram enganados por um fazendeiro local, que, levados a trocarem suas terras, acabaram em um terreno de invasão.

Dentro da Vila Esperança existe uma granja. Os moradores mais próximos da granja não podem criar galinhas e frangos de quintal, pois isso constituiria perigo às aves. Para tanto, assinaram um contrato comprometendo-se em não ter criações. A granja, por outro lado, comprometeu-se a doar, toda semana, uma cartela de ovos e uma galinha limpa para os moradores. Alguns desses moradores sentem-se insatisfeitos com o acordo, uma vez que preferiam criar seus próprios animais de maneira natural, sem medicamentos e rações que eles nem sabem o que contém.

Não há espaço para o plantio de roças. Os moradores, portanto, mantêm algumas árvores frutíferas e pequenas hortas. A maioria das pessoas trabalha fora da comunidade, tanto os homens como as mulheres. As mulheres são diaristas, empregadas na indústria de produtos de limpeza e trabalham na época da safra. Na Vila Esperança, ouvimos relatos que a safra da batata geralmente é na época das férias escolares. Assim, crianças de 12 anos já trabalham junto à família para aumentar a renda. As crianças menores também acompanham os pais na colheita.

Os homens da Vila Esperança trabalham fora da comunidade, nas lavouras, na colheita de batata, na indústria química e na granja. Assim como no Feixo, as famílias recebem auxílio dos Programas Bolsa Família e Leite da Família, e são isentos do pagamento de água e luz. Não há tratamento de esgoto na comunidade. Os moradores da Vila Esperança estão inscritos no Programa Casa da Família Rural e aguardam a construção de casas pela Cohapar (Companhia de Habitação do Paraná).

A Vila Esperança é atendida pelo posto de saúde da colônia alemã de Mariental, localizada a 6 km. A parcela de jovens na Vila Esperança é inexpressiva. Grande maioria migrou em busca de emprego, principalmente para Curitiba. Nos fi nais de semana é comum as famílias locais receberem os parentes que deixaram a comunidade.

Na Vila Esperança, a maioria das casas antigas, feitas de madeira, demonstra a situação desfavorecida de seus moradores em relação a duas outras comunidades quilombolas da região, e essas três contrastam com

a colônia alemã que, segundo L.S.O.119 , ocupa terras que pertenceram aos negros. A colônia de Mariental ostenta, pelas boas casas de alvenaria, estilo europeu, ornamentadas com coloridos jardins, o padrão confortável de vida de seus moradores. A população é majoritariamente branca, com olhos claros, cabelos loiros e lisos.

As escolas frequentadas pelas crianças e adolescentes da Vila Esperança estão localizadas em Mariental. As crianças que estudam de 1ª a 4ª série do ensino fundamental frequentam a Escola Municipal Mariazinha Braga, enquanto os que estudam de 5ª a 8ª série frequentam a Escola Estadual Antônio Lacerda Braga, no período da manhã, e os de 1° a 3° ano do ensino médio frequentam a mesma escola no período noturno.

Assim como no Feixo, há um núcleo do Programa Segundo Tempo em Mariental, frequentado tanto pelos descendentes alemães quanto pelos afrodescendentes das comunidades da Vila Esperança e da Restinga. De acordo com informações fornecidas pela coordenadora do Projeto,

C.M.M., o núcleo conta com 256 alunos, dos quais 120 são quilombolas120.

O núcleo, nomeado Centro de Convivência Espaço da Alegria, não é visto da mesma maneira como os moradores do Feixo veem o núcleo Vem Ser, ou seja, um espaço de integração em que as crianças têm oportunidades de desenvolver atividades esportivas, lúdicas e culturais. Na Vila Esperança, as reclamações convergem para o âmbito do racismo. Mães da Vila Esperança relataram que algumas atividades são exclusivas para cada grupo – o grupo dos brancos e o grupo dos negros. No dia de nossa visita ao núcleo, o grupo que jogava futebol e o que aprendia bordado era majoritariamente negro, enquanto o grupo de dança, com exceção de uma menina, era branco. Há um ano, o projeto realizou um evento com todos os núcleos em que cada centro de convivência apresentaria manifestações culturais típicas de diferentes etnias. O centro da Mariental escolheu a etnia alemã e excluiu da apresentação os afrodescendentes frequentadores do projeto.

Enquanto no Feixo a capoeira e o samba fi guram entre as atividades preferidas do grupo, em Mariental, a capoeira, segundo a coordenadora

do projeto, foi uma das atividades com maior desistência. Uma das mães121

disse que o fi lho não quer mais ir às atividades, porque não se sente à vontade para jogar futebol sem tênis, ou porque, às vezes, vai de chinelo e roupa velha, sendo menosprezado por isso. Crianças já voltaram acidentadas para

119 Informação concedida por L.S.O. Entrevista concedida a Talita Delfi no Garcia da Silva e Stephanie Soares Ferreira. Quilombo do Feixo. Lapa, 1º nov. 2008.

120 Informação concedida por C.M.M., Coordenadora do Núcleo Vem Ser - Programa Segundo Tempo/ME, em Mariental. Entrevista concedida a Talita Delfi no Garcia da Silva e Stephanie Soares Ferreira. Lapa, 30 out. 2008.

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casa, com ossos fraturados, dentes quebrados, cortes, o que deixou as mães preocupadas, fatos que contribuem para a baixa popularidade do projeto entre as comunidades Vila Esperança e Restinga.

Percebemos entre os moradores da Vila Esperança certa dispersão em relação à vida comunitária. Muitas das perguntas a respeito da confi guração social da comunidade não foram respondidas pelos moradores. A criação de uma associação que representasse os moradores quilombolas perante o governo ainda não havia sido formada, nem tampouco defi nido o representante comunitário. Não se percebe no Feixo nem na Vila Esperança uma organização efetiva por parte dos moradores. Não existem líderes comunitários reconhecidos, havendo representantes que frequentam os eventos organizados pelo governo para discutir as questões quilombolas.

Aproximações e distanciamentos culturais entre as