• Nenhum resultado encontrado

portanto, a falta do autorreconhecimento e a alteração da identidade cultural desses povos que não conhecem suas origens e, tampouco

sabem os motivos de serem reconhecidos como quilombolas.

Sendo assim, a precariedade sócio-material e, também, cultural das comunidades quilombolas investigadas, identifi cam a carência ou inexistência dos direitos assegurados pelas leis que regem a Constituição Federativa do Brasil por não garantirem o acesso e a seguridade social prevista constitucionalmente. Dessa forma, limita-se a reprodução cultural desse grupo social, assegurada no Art. 215 da Constituição Federal (Seção II Da cultura), no qual “O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais” (BRASIL, 1988).

135 Entretanto, este fato se dá apenas a um grupo específi co, ou seja, à Companhia de Música e Dança Kundun Balê, formado por iniciativa de pessoas ligadas à comunidade, como a jornalista da cidade de Guarapuava Cristina Stech e o professor Orlando Silva, que dirigem o grupo de maneira voluntária.

5 A C O N D I Ç Ã O ( D E S ) H U M A N A N A S C O M U N I D A D E S Q U I L O M B O L A S . . .

Os direitos garantidos pela Constituição são transcritos à classe inferiorizada, aqui representada pelos quilombolas, na forma de políticas assistencialistas que garantem a manutenção desses indivíduos na posição social em que ocupam. Para Chauí (2006, p. 70, grifo da autora):

Em qualquer se suas modalidades, paternalista ou justiceiro, o populismo é uma política de manipulação das massas, as quais são imputadas passividade, imaturidade, desorganização e, consequentemente, um misto de inocência e de violência que justifi cam a necessidade de educá-las e controlá-las para que subam corretamente ao palco da história.

Desse modo, o problema da miséria cultural, política e econômica dos grupos étnicos do Brasil poderia começar a ser solucionado pela redistribuição fundiária, de modo que as terras fossem remanejadas, uniformemente, entre os produtores, sem privilégios sociais, por meio de programas efi cazes de reforma agrária, como políticas transitórias e democráticas, que não excluem a necessidade de uma revolução social. Sem esta medida, os projetos governamentais de cunho assistencialista continuarão a se reduzir a medidas paliativas, que remediam a solução dessa questão que integra o complexo que a estrutura social vigente se compõe.

As formas precarizadas de trabalho são determinantes nas condições de vida dos sujeitos quilombolas, pois, além do processo de exclusão social que sofrem, partilham também da exclusão política. A partir das especifi cidades de produção concretas dos sujeitos das comunidades é que se insere a discussão das políticas públicas de esporte e lazer, pois, reiteramos, é das relações de (re) produção de suas vidas que se dão as próprias relações políticas e sociais.

A estrutura social e o Estado emergem constantemente do processo da vida de indivíduos determinados; mas desses indivíduos não como possam aparecer na representação própria ou alheia, e sim como são efetivamente’, quer dizer, como atuam, produzem materialmente, portanto como são ativos sob determinados limites, pressupostos e condições materiais que independem de seu arbítrio. (MARX, 1985, p. 192, grifo do autor).

Logo, as dimensões políticas e de políticas públicas aparecem aqui como expressões do processo de produção e organização sociais concretas dessas comunidades. As ideias, as representações e a consciência concretas do sujeito quilombola é indissociável do processo de produção material da vida humana. Nas palavras de Marx (1985, p. 192-193, grifo nosso):

Os homens são os produtores das suas representações, idéias, etc., mas os homens efetivos, atuantes, tal como são condicionados por

um desenvolvimento determinado das suas forças produtivas e do intercâmbio correspondente às mesmas, até suas formações mais amplas. A consciência nunca pode ser outra coisa do que o ser consciente, e o ser dos homens é o seu processo efetivo de vida.

E ainda, há, por meio dessas lentes do método, uma forma sui generis de pensar o homem, a humanidade. Para Marx (1985), o homem quebra as algemas naturais ao passo que transforma a natureza, agindo sobre ela por meio do trabalho, e cria sua própria natureza, que não é mais puramente natural, mas social.

Não se parte do que os homens dizem, imaginem, se representam, também não de homens ditos, pensados, imaginados, representados, para daí se chegar aos homens de carne e osso; parte-se dos homens efetivamente ativos e a partir do processo efetivo de vida deles é também apresentado o desenvolvimento dos refl exos ideológicos e dos ecos desse processo de vida. (MARX, 1985, p. 193).

No capitalismo, essa produção do ser social, sintetizada no trabalho, possui contradições em seu próprio seio, já que o trabalho é coletivo e universal (requer conhecimentos específi cos para sua concretização a partir das matérias primas ou pré-desenvolvidas), mas a apropriação do produto fi nal é individualizada. Esta contradição está afi xada sobre outra categoria teorizada por Marx e Engels (2006) que é a propriedade privada dos meios de produção capitalista.

A apropriação individualizada dos bens socialmente produzidos pelos quilombolas, supracitada na forma de desenvolvimento das forças produtivas de cada uma das comunidades, pode ser indicada como cerne de tantas contradições sociais para a satisfação das necessidades básicas dos homens dessas comunidades. Tal apropriação individualizada colide com o desenvolvimento histórico-social dessas comunidades e com a existência das políticas públicas de esporte e lazer. Portanto, partimos da premissa de que “[...] não é a consciência que determina a vida, mas a vida determina a consciência” (MARX, 1985, p. 193), motivo pelo qual o presente estudo buscou analisar estas políticas, começando pela forma de produção existente nas comunidades, e se pretende reservar as particularidades locais.

Finalmente, as políticas públicas destinadas aos grupos étnicos devem considerar, primordialmente, as características inerentes à história social de cada um, para que os valores culturais não se percam ao longo do tempo. Isso de forma a valorizar, primeiramente, a conjuntura comunitária, dando- lhes condições materiais de se manterem como sociedade organizada e coletiva para que, assim, possam ter autonomia sufi ciente para reivindicar seus direitos com movimentos sociais, com o argumento fundamental de

5 A C O N D I Ç Ã O ( D E S ) H U M A N A N A S C O M U N I D A D E S Q U I L O M B O L A S . . .

que sua condição histórica, hoje, é fruto de forças concretas, das relações de opressão e poder e da exploração perante a natureza do seu povo.

Referências

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, 1988. Disponível em: <http:// www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm>. Acesso em: 17 abr. 2009. CARVALHO, M. Segurança alimentar: entrevista Dionisio Vandresen. Portal IBASE. Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas. Rio de Janeiro, 05 jul. 2007. Disponível em: <http://www.ibase.br/modules.php?name=Conteudo&pid=1869&p rint=1>. Acesso em: 30 set. 2009.

CHAUÍ, M. Cultura e democracia: o discurso competente e outras falas. São Paulo: Cortez, 2006.

FORRESTER. V. O horror econômico. São Paulo: Unesp, 1997.

GODOY, D. Renda do negro é metade da do não-negro. Folha de S.Paulo, 19 nov. 2008. Disponível em: <http://www.nossasaopaulo.org.br/portal/node/2107>. Acesso em: 3mar. 2009.

IPEA. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Comunicado 111 de 15 set. 2011a. Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/agencia/images/stories/PDFs/ comunicado/110915_comunicadoipea111.pdf>. Acesso em: 22 fev. 2012.

______. Boletim n. 19. Políticas sociais: acompanhamento e análise. Capítulo 6. 2011b. Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/politicas_sociais/ bps_19_cap06.pdf>. Acesso em: 22 fev. 2012.

IZAYAMA, H. F.; LINHARES, M. A. (Org.). Sobre lazer e política: maneiras de ver, maneiras de fazer. Belo Horizonte: UFMG, 2006.

LAURELL, A. C. Avançando em direção ao passado: a política social no neoliberalismo. In: LAURELL, A. C. (Org.). Estado e políticas sociais no liberalismo. 3. ed. Tradução Rodrigo Leon Contreras. São Paulo: Cortez, 2002. p. 151-178.

LEFEBVRE, H. De lo rural a lo urbano: las relaciones entre el campo ya la ciudad a la luz crítica de la fi losofi a y la sociologia marxistas. Barcelona: Península, 1973.

LIMEIRA, J. C. Treze. In: LIMEIRA, J. C.; SEMOG, E. O arco-íris negro. Rio de Janeiro: Ed. dos Autores, 1978.

MARX, K. Posfácio da 2ª edição. In: MARX, K. O Capital: crítica da economia política. 2a ed. Tradução Barbosa e F. R. Kothe. São Paulo: Nova Cultural, 1985. Livro 1. Tomo 1. MARX, K.; ENGELS, F. Feuerbach: oposição entre concepção materialista e idealista. In: FERNANDES, F. (Org.). Marx & Engels: história. São Paulo: Ática, 1984. p. 182-214.

MARX, K.; ENGELS, F. Manifesto do partido comunista. São Paulo: Martin Claret, 2006. MORAES, R. Neoliberalismo: de onde vem para onde vai? São Paulo: Senac, 2001. NASCIMENTO, F. L. O neoliberalismo no Brasil. Disponível em: <http://odebate.com. br/index.php?option=com_content&task=view&id=11153&Itemid=28>. Acesso em: 23 jun. 2009.

NETTO, J. P. Crise do socialismo e ofensiva neoliberal. 2. ed. São Paulo: Cortez, 1995. OLÉIAS, V. J. Políticas esportivas no neoliberalismo. Revista Motrivivência, Florianópolis, Ano XI, n. 12, p. 65-76, maio 1999.

PAIS, J. M. Vida cotidiana: enigmas e revelações. São Paulo: Cortez, 2003. PNUD. Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. Brasil avança no

desenvolvimento humano e sobe uma posição no ranking do IDH 2011. Matéria publicada em 02 nov. 2011. Disponível em: <http://www.pnud.org.br/pobreza_desigualdade/ reportagens/index.php?id01=3837&lay=pd>. Acesso em: 22 fev. 2012.

PROJETO Nova Cartografi a Social dos Povos e Comunidades Tradicionais do Brasil.

Comunidade Quilombola Invernada Paiol de Telha Fundão. Fascículo 11. Guarapuava,

jul. 2008.

SILVA, A. O. Refl exões sobre o preconceito racial. Postado em 27 set. 2008. Disponível em: <http://antonio-ozai.blogspot.com/search?q=Refl ex%C3%B5es+sobre+o+preconceito +racial>. Acesso em: 20 abr. 2009.

SILVA, J. G.; BELIK, W.; TAKAGI, M. Nacional: para os críticos do Fome Zero. Teoria

e Debate, n. 51, 31 ago. 2002. Disponível em: <http://www2.fpa.org.br/portal/modules/

news/article.php?storyid=1639>. Acesso em: 29 abr. 2009.

VELOSO, C. Haiti. Letra e vídeo. Disponível em: <http://www.letras.mus.br/caetano- veloso/44730/>. Acesso em: 15 mar. 2013.

WURMEISTER, F.; MARTINS, M. Uma mancha de pobreza que desafi a o Paraná. Gazeta

do Povo, Caderno Vida e Cidadania. Curitiba, 24 jun. 2008. Disponível em: <http://portal.

rpc.com.br/gazetadopovo/vidaecidadania/conteudo.phtml?id=779654>. Acesso em: 19 ago. 2009.

6

O cotidiano das comunidades