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Chegamos à comunidade do Limitão em uma tarde chuvosa, sem noção das difi culdades a serem enfrentadas durante a nossa estada lá, por meio de uma carona cedida por um ônibus escolar da prefeitura de Castro.

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Além da chuva, fazia frio. A bagagem era pesada e tínhamos pela frente uma verdadeira serra escorregadia, pois o barro estava bem molhado, sendo, para nós, um dos momentos mais desanimadores de toda pesquisa. Estávamos com fome, sem nenhuma refeição formal até aquela hora (não faríamos ao longo de todo dia). O cansaço era predominante, e o humor se dispersava com o passar do tempo. Andamos por quase 40 minutos em uma custosa subida e, quando achávamos que, possivelmente, estávamos em caminho errado, deparamo-nos com uma porteira e resolvemos parar em busca de informações. Ao nos aproximarmos da casa, fomos recepcionados

por F.G.S.66, que é um dos primeiros moradores da comunidade. Ele nos

informou quem era o líder da comunidade e onde morava.

Assim, recuperados um pouco do estresse e do cansaço, nos dirigimos até a casa do líder, um senhor idoso, viúvo, que vinha se restabelecendo de um derrame. A casa onde mora é pequena, de madeira, sufi ciente para alguém que vive sozinho.

Conseguimos poucas informações entre conversas e entrevistas, tanto do líder da comunidade quanto de seus moradores. Eles se mostraram arredios e desconfi ados quanto à nossa presença. Em alguns casos, sequer fomos recebidos, por conta dessa desconfi ança, o que é perfeitamente compreensível, uma vez que é comum a visita de pesquisadores e membros do governo, cujas visitas não surtem nenhum efeito positivo na vida daqueles moradores. Mas, enfi m, era necessário que, mesmo diante dos obstáculos, o nosso trabalho fosse realizado e, assim, conseguimos observar e captar um pouco dos costumes e do cotidiano difícil dos moradores.

A comunidade do Limitão localiza-se aproximadamente a 60 km do núcleo urbano do município de Castro. Esta comunidade foi formada em um terreno inóspito, cercado por montanhas, o que difi culta a atividade agrária dos moradores do quilombo. São poucos os espaços cultiváveis, havendo predomínio da agricultura de subsistência.

Nessa comunidade, inexiste o trabalho formal. Como nas outras comunidades, a maioria trabalha como diarista em empresas ligadas ao plantio de pinos e eucaliptos, ampliando a extração de mais valia das empresas contratantes, uma vez que não há carteira assinada para os quilombolas e nem formas de garantir direitos trabalhistas. São poucos os que possuem registro em carteira, e os que o possuem, têm uma posição diferenciada em relação aos outros moradores, pois vivem em casas com melhor estrutura

66 F.G.S morador que nos concedeu entrevista. Quilombo Limitão. Coleta de dados referente à pesquisa sobre comunidades quilombolas no Paraná. Entrevista concedida a Aloysio Santos e Luciana Rita. Castro, 29 out, 2008.

e conforto, aparentando não possuir as mesmas difi culdades dos demais. Entendemos que não é a carteira assinada que produz melhores condições de vida, mas a existência de um emprego mínimo, ainda que miserável, pois já os faz sobrepor-se, materialmente, aos demais moradores que são diaristas, ainda que essa questão material seja a construção provisória de casas de alvenaria incompletas, também com buracos na parede.

No tocante a benefícios concedidos pelo governo, os quilombolas usufruem da bolsa escola. Em uma das casas visitadas nos foi relatado pela moradora que este programa governamental garante que seus fi lhos estudem, pois, caso contrário, não teria condições de mantê-los estudando. Não observamos nenhum outro programa governamental nessa comunidade, nem sequer a horta comunitária, presente na maioria das comunidades visitadas.

As táticas assistencialistas por meio das políticas públicas fazem o governo permanecer como determinante das condições de vida das comunidades carentes e, assim, facilita a obtenção de votos na próxima eleição. A ignorância aos fatos políticos e o desconhecimento do processo ideológico de supressão da liberdade e dos direitos está, intrinsecamente, relacionado à educação produzida na comunidade. As crianças, em idade primária, estudam em uma escola próxima à comunidade (Escola Municipal São Luiz do Machado) e, as demais, em fase de conclusão do ensino fundamental e médio, estudam no distrito do Socavão. Havia uma escola primária na comunidade que foi desativada e, hoje, serve de moradia para uma professora que reside na comunidade.

Em relação às manifestações culturais específi cas dessa comunidade, foram relatadas alterações nos costumes e vivências de seus moradores. Por meio das entrevistas e conversas, principalmente, com os moradores mais velhos do Limitão, percebemos um saudosismo quantos aos bailes e festas de antigamente. Danças como xote gaúcho, vanerão e mazurca eram comuns nos bailes de outrora na comunidade, sendo substituídos, gradativamente, por ritmos contemporâneos, tais como o sertanejo e o pagode.

Essas últimas manifestações recebem infl uência direta das práticas religiosas. A devoção a São Sebastião se mantém, mas sem a mobilização e o fervor de antigamente. Os moradores relataram o ‘dia de serviço’, que era o dia destinado aos preparativos das festas, quando havia grande mobilização por parte dos moradores para que, ao anoitecer, todos pudessem festejar, juntos, o grande baile.

Nesse contexto, quando questionados sobre o que gostam de fazer no tempo livre, a resposta foi muito parecida com as demais comunidades,

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ou seja, aqui, também, se costuma frequentar a casa dos vizinhos para conversar, prevalecendo as relações humanas e afetivas.

Os moradores não possuem nenhum problema quanto à questão legal da terra. No entanto, parece-nos que esse fato é um dos que desmobilizam a própria comunidade. Como cada um tem seu pedacinho de terra não há nenhuma mobilização por parte deles, conforme percebemos em conversas informais com seus moradores. Conforme nos foi dito, cada um planta em seu pedaço, mesmo com difi culdades. Nesse sentido, trazemos Lukacs (2001, p. 78) ao afi rmar: “Eis porque o homem que vive num mundo fetichizado não poderia reconhecer que foi a perda de todo o contato com a vida pública, a reifi cação do processo do trabalho, o desligamento do indivíduo da vida social – a consequência da divisão capitalista do trabalho”. Percebemos, nessa situação, uma das características do sistema em que vivemos, onde, contraditoriamente, embora haja relação afetiva no tempo livre, não há unidade entre as pessoas e, sim, um individualismo preponderante, “[...] porque a sociedade capitalista é, necessariamente fetichizada, alienada e desumana”. (LUKACS, 2001, p. 78-79).