• Nenhum resultado encontrado

O PERÍODO DO FASCISMO

trabalhávamos 48 horas, ou mais

9. A luta organizada contra o fascismo

9.2. A frente sindical, a intervenção nos sindicatos

9.2.2. A luta pela liberdade sindical: o exemplo dos Metalúrgicos do Porto

9.2.2.1. A conquista da direcção do sindicato pelos trabalhadores

A luta travada por trabalhadores metalúrgicos do Porto pela conquista da direcção do Sindicato (Sindicato Nacional dos Operários Metalúrgicos do Distrito do Porto), entre 1969 e 1970 (precisamente no período da “abertura” marcelista), é bem elucidativa das restrições e limitações à actividade sindical, do controlo efectuado pelo governo, das acções intimidatórias da PIDE sobre os activistas sindicais, das dificuldades em conseguir eleger e garantir a tomada de posse de dirigentes que não fossem da confiança do regime, mas também da capacidade de mobilização dos trabalhadores existente nalguns sectores.

Essa capacidade de mobilização não era independente da existência de núcleos organizados, a funcionar numa situação de clandestinidade ou semi-clandestinidade, como um designado “Grupo de Operários Metalúrgicos”, envolvendo operários de diferentes empresas metalúrgicas, ou da “Comissão Sócio-Profissional de Trabalhadores do Porto”47 e de um conjunto muito diversificado de lutas que vinham a ser travadas em inúmeras empresas, envolvendo já milhares de trabalhadores. Aliás, só uma grande capacidade de articulação de formas de acção legais, semi-legais e ilegais, uma forte ligação às empresas de diversos activistas e o grande envolvimento de muitos trabalhadores permitiu que algumas direcções eleitas viessem efectivamente a tomar posse.

Todo este trabalho implicou um grande esforço de unidade de trabalhadores, com diferentes sensibilidades e com intervenção em diversas áreas sociais e políticas (designadamente comunistas e sectores católicos), mas também com muitos que até então nunca tinham tido uma participação social activa. Se para alguns a intervenção sindical era assumida como mais uma e muito importante frente de luta contra o fascismo, para outros foi a partir da sua participação no sindicato, da aprendizagem prática do sindicalismo, naquelas condições, que se foi desenvolvendo a sua consciência política e a percepção que a defesa dos trabalhadores e o combate às injustiças implicava a luta pela liberdade.

aquilo também não aparece por acaso

Foi neste quadro que arrancaram para a tentativa, onde me integrei, de ganhar as eleições no Sindicato, pela 1ª vez, em 1969 (Ranita1r, 12). Há um movimento que foi aproveitado para agregar gente que já participava nessas discussões, nesta fábrica, naquela outra, e entretanto, também havia lutas nas empresas. Lutas, algumas até interessantes. [...] Na

47 Criada no âmbito do movimento democrático, da Comissão Democrática do Porto, por alturas das eleições de 1969,

antiga Fábrica Leão, na Oliveira e Ferreirinha, na Mário Navega, na própria Eduardo Ferreirinha, movimentações de pessoal, porque aquilo também não aparece por acaso; quer dizer, o contrato, a proposta de alterações do grupo de trabalhadores aparece acompanhado de uma movimentação mais larga nas empresas: de reclamações, de reivindicações (Ranita1, 62-63)

encontrei um movimento organizado

Eu (quando começo a participar na actividade sindical) encontrei um movimento organizado. […] Havia um grupo que se reunia e foi a partir da iniciativa desse grupo […] que surgiu o contacto. Eu também creio que o grupo para se candidatar precisava de alguém como eu, quer dizer com os traços sociais e a ausência de traços políticos que eu tinha. O Joaquim Maia de Sá já tinha sido preso pela PIDE, estava identificado, o Felgueiras, que era o cérebro, era bem conhecido da PIDE e estava afastado de uma participação mais activa porque tinha estado mais do que uma vez preso. (Ranita2, 12-13)

dois ou três, que se via que era gente mais politizada

E a grande questão que muitas vezes estava sobre a mesa nas discussões, mas não era da parte de todos, era da parte de dois ou três, que se via que era gente mais politizada, era a preocupação em fazer as coisas dentro das normas vigentes [...] (o Joaquim Felgueiras) era quem preparava as propostas de documentos do grupo e quem tinha mandado editar na tipografia 9 de Julho, a brochura com a proposta do novo CCT. Havia outros, como o Libertário e o Barra, muito jovens na altura, organizadores de uma Comissão de Jovens do Sindicato, que também faziam parte do “Grupo de Operários Metalúrgicos” (da Leão, Mário Navega, Eduardo Ferreirinha, Sonafi, Fábrica das Antas, UTIC, Sepsa e mais) de onde viria a sair grande parte da futura direcção do sindicato. Este núcleo teria originalmente à volta de uma dúzia de pessoas, número que cresceu muito após o procedimento arbitrário dos directores corporativos em exercício e com a organização das novas eleições em 1970 (Ranita1r, 12).

Nas eleições realizadas em Fevereiro de 1969, a lista da oposição conseguiu uma importante vitória eleitoral, “por 435 votos contra 333 (cerca de 300 destes

últimos por correspondência)” (Barreto, 1990:73), tendo as eleições sido anuladas

pelo Presidente da Mesa da Assembleia Geral que, invocando não poder considerar válidos os resultados, não daria posse à nova direcção, num processo que é significativo das condições de não liberdade em que as eleições sindicais se realizavam. Este facto deu origem a um importante processo de luta, envolvendo milhares de trabalhadores em grande número de empresas, exigindo o reconhecimento dos resultados eleitorais e recusando a solução proposta pelas entidades oficiais de recurso aos tribunais, com a consciência que tal levaria ao protelamento indefinido da situação.

mandaram invocar que por isto e por aquilo não podia […] dar posse à lista

Nós ganhámos as eleições e ele (o Presidente da Mesa da Assembleia Geral) depois inventou, mandaram inventar, porque ele não fazia nada sozinho, não tinha autonomia nenhuma, mandaram invocar que por isto e por aquilo não podia considerar válidos os resultados e dar posse à lista... [...] E nós, depois fomos chamados ali..., mas antes disso [...] há a preparação, a crivagem, a auscultação, mas quem são estes gajos que aparecem e tal e eu depois de apresentado como candidato a presidente fui chamado várias vezes ao Delegado do Instituto Nacional de Trabalho e Previdência (INTP), responsável pelo controlo político dos sindicatos e daquele processo. A intenção dele era conhecer-me e, se possível, manobrar-me. (Ranita 1r, 13)

Num quadro de grande mobilização dos trabalhadores em torno da direcção que não tinha sido empossada, e exigindo a sua tomada de posse, desenvolveu-se simultaneamente uma intensa luta em torno da contratação colectiva, que reforçou ainda mais a influência e a ligação aos trabalhadores da lista vencedora, gerando-se um grande movimento em torno da conquista do sindicato. As eleições acabam por ser repetidas em Julho de 1970, constituindo o novo processo eleitoral e o próprio dia das eleições, pelo número de pessoas envolvidas e pelo ambiente criado à sua volta, uma referência muito importante na luta dos trabalhadores do Porto em defesa da liberdade sindical. A lista da oposição ganhou novamente as eleições, desta vez por uma margem muito mais expressiva, dando início a uma nova fase da actividade do sindicato e a uma alteração profunda das lógicas da acção e intervenção sindical. Pela primeira vez, tinham sido criadas as condições para que os trabalhadores metalúrgicos do Porto pudessem sentir o sindicato como o seu sindicato e não como um sindicato ao serviço das entidades patronais.

As segundas eleições foram um espectáculo

Em 1970 repetem-se as eleições, eles então já não sabiam o que é que haviam de fazer porque a dinâmica de massas em torno da conquista do Sindicato, o aproveitamento que fizemos desta injustiça e o contrato colectivo de trabalho que nunca mais saia, tudo isto deu uma dinâmica de massas à lista que permitiu fazer coisas, e depois tudo acontecia, o problema era controlar a situação! [...] Sei que tivemos 600 e tal votos, não foram muitos mas... Contra cerca de cento e tal... Uma diferença muito grande. [...] As segundas eleições foram um espectáculo, aliás, isso está gravado em filme, porque conseguimos pôr gente com a braçadeira de metalúrgico, com carros na Rua D. João IV, [...] aquilo tudo organizado com uma equipa de segurança, com braçadeiras, porque o que nós não queríamos é que surgissem provocações e a polícia entrasse ali [...] Gente a esperar horas, ali naquela Rua D. João IV, olha: foi um espectáculo! [...] O delegado do INTP no Porto, Dr.Cotta, ainda tentou que aceitássemos fundir numa só as duas listas. Como lhe deixamos claro que nem sequer considerávamos a ideia, desistiu. Então, os membros da direcção anterior, forçados pelo regime a permanecer no sindicato, só desejavam que o pesadelo diário, no contacto com os seus colegas na própria empresa, terminasse rapidamente. (Ranita 1r, 14)

Finalmente tomamos posse depois de uma nova vitória eleitoral devidamente homologada pelo secretário de estado das corporações. Mas, estávamos conscientes de que apenas tínhamos voltado uma página de um processo mais vasto, carregado de muitas dificuldades e, sobretudo, permanentemente vigiados pelo regime ( Ranita 1r, 14)

9.2.2.2.Transformação da actividade sindical: a mobilização dos trabalhadores