• Nenhum resultado encontrado

DA EDUCAÇÃO PERMANENTE À APRENDIZAGEM AO LONGO DA VIDA

DA EDUCAÇÃO PERMANENTE À APRENDIZAGEM AO LONGO DA VIDA: UMA MUDANÇA DE PARADIGMA

1. Génese da Educação de Adultos

Se numa concepção abrangente e antropológica de educação/formação, enquanto processo que se constrói ao longo de todo um percurso de vida e estando nele ancorado, podemos afirmar que a educação/formação de adultos sempre existiu, enquanto processo “organizado e intencional”, de acordo com Paolo Federighi e Alberto Melo (1999), tornou-se uma realidade com o advento da sociedade industrial, tendo as primeiras medidas a seu favor sido tomadas na Noruega, durante a 1ª

metade do século XVIII. Estabelecendo-se verdadeiramente durante o período mais intenso da revolução industrial, traduziu-se no aparecimento de novas escolas de formação profissional para jovens trabalhadores e adultos, na difusão de sociedades e associações de ajuda “mútua” e de solidariedade educativa e no nascimento de actividades diversas de educação popular, a partir de dois movimentos paralelos:

por um lado, o interesse industrial burguês em ter trabalho manual disponível, capaz de participar numa actividade produtiva submetida a constante desenvolvimento e, por outro lado, o interesse emergente das classes laborais em dirigir as novas condições e possibilidades de formação, trazidas pelo processo de produção, na sua própria emancipação e interesse em ultrapassar as divisões sociais do trabalho

Paolo Federighi e Alberto Melo (1999).

Para Santos Silva (1990), foi no decurso do século XIX que a educação de adultos começou a ganhar sentido, no quadro do processo de formação de sistemas escolares nacionais e do desenvolvimento de movimentos sociais de massas, tendo como uma das suas bases essenciais iniciativas de carácter não estatal, nomeadamente de iniciativa popular (ligas, associações, igrejas, sindicatos, com diversas orientações políticas e ideológicas), marcadas pela pressão da universalização da instrução elementar, pela disputa de influência social e pela necessidade de socialização moral e cívica dos seus membros e círculos de influência. No mesmo sentido, Lengrand (1981:45) afirma que foi “fora dos caminhos

tradicionais da escola e da universidade”, em organizações de ensino mútuo,

instituições de educação operária ou cooperativas e movimentos e associações de educação popular que se desenvolveu um novo tipo de educação de adultos, onde

“o adulto recebia a substância de um ensino; em troca, fornecia a riqueza

insubstituível da sua própria maneira de ser homem e de viver o destino de um homem, de um trabalhador, de um cidadão, de um ser mergulhado numa multiplicidade de situações e de relações”.

Na sua génese, a Educação de Adultos foi claramente marcada por preocupações emancipatórias, tendo as organizações operárias revolucionárias e os seus militantes, a partir da 2ª metade do século XIX, associado estreitamente educação e emancipação, uma vez que “educar-se emancipa e emancipar-se educa”, sendo mesmo os sindicatos considerados como “lugares e ocasiões de formação e de

papel indispensável na “emancipação social e económica dos trabalhadores” e “na

realização de uma sociedade de homens conscientes e livres” (Lenoir, 2003). Desde o

2º Congresso da Associação Internacional de Trabalhadores, realizado em 1867, que a necessidade de um ensino integral, isto é, a “educação da mão, do corpo e do

espírito” (idem:14) é invocada, afirmando-se que “a instrução e a educação são uma das condições da emancipação dos trabalhadores” (Dolléans, 1957, in ibidem), sendo

“ (...) essenciais à dignidade do trabalho e à preparação da transformação radical da sociedade, desenvolvendo nos trabalhadores as capacidades para produzir, distribuir e gerir tudo o que é necessário ao bom funcionamento da sociedade futura”. (ibidem)

É neste quadro que militantes sindicais se empenham na criação de bibliotecas, na organização de cursos profissionais e cursos livres e no desenvolvimento de muitas outras iniciativas tendo em vista a formação e o desenvolvimento cultural dos trabalhadores, assumindo como responsabilidade sindical zelar pela educação destes. A criação de Universidades Populares em diversos países inscreve-se nesta dinâmica, procurando “libertar moralmente o trabalhador, libertando-o de todos os dogmas e

juízos de valor que obscurecem ainda o seu cérebro”, testemunhando “uma grande confiança na cultura, percebida como um poder para aqueles que a detêm e como um instrumento de emancipação.” (Lenoir, 2003:15)

.

Em Portugal, a segunda metade do século XIX e o princípio do século XX são igualmente marcados pela emergência e por um forte desenvolvimento da educação popular

“caracterizado(s) pela multiplicidade das iniciativas e pela diversidade, quando não pelo antagonismo político-ideológico dos respectivos promotores e agentes: cursos nocturnos e escolas móveis, animados por associações de diferentes matizes ideológicos, pelo estudantado, ou pelas autoridades políticas, círculos católicos operários, organizados pela Igreja Católica ou por militantes laicos na perspectiva da difusão da doutrina social cristã” (Fernandes, 1993:9).

Diversas actividades no domínio da educação de adultos, como organização de bibliotecas, criação de grupos de teatro, acções de alfabetização, cursos livres, círculos de estudo, conferências e palestras são promovidas pelo movimento associativo e popular, por associações operárias e sindicatos, visando a elevação do nível cultural dos trabalhadores, mas visando também, em função dos seus promotores, a difusão de ideias republicanas, socialistas ou anarquistas. Surgem as

primeiras Universidades Livres e Universidades Populares5, criadas essencialmente sob influência de sectores anarco-sindicalistas e da Renascença Portuguesa e tendo por objectivos “a vulgarização cultural” (Fernandes, 1993:9).

Com a instauração da República, verifica-se um grande crescimento das organizações operárias e da actividade sindical que assumem uma significativa importância na vida cultural, social e política do país. Ao mesmo tempo assiste-se também a “uma verdadeira explosão na criação de centros de educação popular” (Candeias, 1981:41), com o aparecimento de inúmeras sociedades de instrução e recreio que desenvolvem uma intensa actividade e o aumento do número de Universidades Populares, as quais visavam essencialmente a promoção cultural das classes trabalhadoras, mas dirigiam-se igualmente “a todos os portugueses, a

qualquer classe a que pertençam, tenham estes frequentado seja que curso for”

(Cortesão, J.)6

A preocupação das organizações operárias e sindicais com a educação dos trabalhadores e dos filhos destes e a sua intervenção nesta área, está bem patente nas conclusões do Congresso da CGT (Confederação Geral de Trabalhadores), realizado em 1925, nas quais é salientada a necessidade do movimento operário se ocupar das questões da educação, devendo pôr a funcionar escolas primárias de educação integral (que alguns sindicatos já possuíam e de que é exemplo a Escola- Oficina nº1 de Lisboa) e institutos de educação, tipo Universidades Populares, a fim de

“ministrar uma educação aos que não frequentaram a escola”; “suprir a educação que a escola não dá, criando nos indivíduos uma ideologia indispensável à vida e ao progresso social”; “alargar e intensificar a educação geral daqueles que, todos entregues às preocupações das suas especialidades científicas profissionais não podem, por falta de tempo, acompanhar, dia a dia, todos os progressos, toda a evolução de ideias gerais e fundamentais das ciências e artes e respectivas técnicas, que não são objecto dos seus estudos habituais e profissionais” (in Candeias, 1981:58).

5

Academia de Estudos Livres, em Lisboa (1889), Universidade Livre do Porto (1902), Universidade Popular do Porto, Universidade Popular de Coimbra e Universidade Livre para a Educação Popular, em Lisboa (1912), Universidade Popular da Póvoa de Varzim e Universidade Popular de Vila Real (1913), Universidade Popular Portuguesa (1919)