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PERCURSOS DA PESQUISA

2. Um projecto de investigação a construir e a desenvolver 1 Preocupações e questões de partida

2.6. O lugar e a voz dos interlocutores

Assumir o meu papel como o de, no quadro de um trabalho de investigação académico, dar vez e voz a trabalhadores que, no processo de construção de si, se afirmaram cada vez mais como actores e autores sociais, e de dar visibilidade ao saber de que as pessoas são portadoras, significa atribuir-lhes um lugar central em todo o processo de pesquisa. Esta postura, assumida desde o início, foi-se enraizando ainda mais à medida que avançava no trabalho de registo das histórias de vida e das narrativas de formação, na análise e descoberta das entrevistas e em novos contactos com os meus interlocutores. Com o desenrolar da investigação, e a partir do momento em que urgia começar o trabalho de escrita, ia ficando mais claro que o texto a produzir teria que se centrar e incluir muitos dos seus discursos, das suas análises e argumentos.

A forma como estas pessoas contam as suas vidas e analisam os seus percursos, atribuindo explicitamente significados às suas experiências, a vivacidade, o realismo, a afectividade e a riqueza humana dos seus testemunhos que, em muitos momentos, nos permitem visualizar e sentir os acontecimentos, os episódios e memórias de que falam, permitem percepcionar as suas histórias, únicas e muito pessoais, mas ao mesmo tempo sociais e colectivas, enquanto retratos possíveis de outras vivências semelhantes. As suas histórias de vida, as suas memórias, as suas representações, reflectindo as suas subjectividades individuais, têm clara e assumidamente uma dimensão colectiva, construída e reconstruída nas redes de relações, na actividade sindical e nas lutas em que se envolveram e envolvem, traduzindo um conhecimento aprofundado e partilhado das realidades de que falam.

Os testemunhos que nos trazem, são também, em grande medida, testemunhos colectivos. Testemunhos que traduzem uma perspectiva dos acontecimentos reflectida e assumida colectivamente por muitos outros, que neles participaram, movidos por projectos e objectivos comuns. A história das suas vidas e a história social que elas retratam, é também, de alguma forma, uma história colectivamente contada.

O carácter, a este título, exemplar das suas narrativas, a que não será alheia a sua participação social e política, designadamente no movimento sindical, e a sua inserção em colectivos diversos, as análises que fazem e os argumentos que utilizam, o protagonismo que assumiram ou assumem ainda em diversas lutas sociais e nos sindicatos, tornava ainda mais pertinente a mobilização das suas próprias palavras, em discurso directo, “devolvendo às pessoas que fizeram e vivenciaram a história um

lugar fundamental, mediante as suas próprias palavras” (Thompson, 2002:22), bem

como a clara identificação dos seus autores. Identificação essa que, como já foi referido, conta com o seu acordo explícito. Efectivamente, o que me surgia como significativo, no decurso da pesquisa e na elaboração da dissertação, era o pleno reconhecimento dos interlocutores deste trabalho como sujeitos da investigação e como autores das suas vidas e das suas narrativas, tornando-se pertinente dar visibilidade aos saberes que foram construindo ao longo da vida e no movimento sindical, às suas reflexões e argumentos, resultantes das práticas em que se envolveram e em que participam (Berger, 1992), e que se constituem também como um importante contributo para o debate em ciências da educação.

A dissertação contém assim um grande número de excertos das entrevistas, excertos esses que procuram reproduzir o discurso dos interlocutores, discurso esse que se assume como um elemento fundamental em toda a pesquisa desenvolvida e que não devia ser tornado “invisível”. A extensão de alguns dos excertos evidencia o reconhecimento da importância de alguns episódios ou acontecimentos que são contados, para melhor se percepcionar a forma como foram vividos ou o período histórico a que se reportam, a relevância dos testemunhos, a necessidade sentida de não cortar os discursos nem as linhas de argumentação, tidas como essenciais para a compreensão dos acontecimentos de que falam, dos seus percursos de vida e formação, das dimensões e processos educativos presentes na actividade sindical a que se reportam. “Em nome do respeito devido ao autor” (Bourdieu, 1997: 710), foram cortadas algumas repetições, expressões da oralidade ou tiques de linguagem e reordenadas algumas frases para tornar mais clara a sua leitura.

A partir das entrevistas e do que foi por mim identificado como mais significativo para os meus interlocutores procurei compreender e reconstruir as suas narrativas, e os seus percursos de formação, os contextos e lutas em que se inseriram, as suas

reflexões sobre os sindicatos e sobre o papel que, também estes, desempenharam na construção das suas identidades. Neste processo de reconstrução, os seus discursos vão sendo mobilizados em função do que narram, das suas vivências e experiências, no que elas têm de muito singular e específico, mas também no que têm de comuns a diferentes pessoas.

As conversas tidas com os meus interlocutores previamente à gravação das entrevistas, o registo das histórias de vida e das narrativas formação, o desenvolvimento do trabalho de análise, foi contribuindo para precisar melhor os contornos da investigação e os seus limites, que não estavam definidos à partida, de uma forma rígida, permitindo assim dar atenção a dimensões emergentes das próprias narrativas. Aliás, entre o que tinha pensado inicialmente que viria a ser o trabalho de investigação e o resultado actual há claras diferenças resultante da natureza dos testemunhos e das experiências de vida das pessoas que se disponibilizaram a colaborar neste projecto e a partilhar as suas vivências, experiências e saberes. Foi um processo em que cada vez se foi tornando mais claro para mim que, como diz Guy Berger (1992:25), investigar em educação é “trabalhar o saber de que as pessoas são

portadoras” e que, portanto, o meu papel, como investigadora, seria o de desocultar e

dar visibilidade aos saberes dos meus interlocutores procurando, no interior da relação estabelecida e a partir dela, a construção de novos saberes.

II - HISTÓRIAS DE VIDA,