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Transformação da actividade sindical: a mobilização dos trabalhadores A conquista da direcção veio introduzir formas, métodos, dinâmicas e objectivos

O PERÍODO DO FASCISMO

trabalhávamos 48 horas, ou mais

9. A luta organizada contra o fascismo

9.2. A frente sindical, a intervenção nos sindicatos

9.2.2. A luta pela liberdade sindical: o exemplo dos Metalúrgicos do Porto

9.2.2.2. Transformação da actividade sindical: a mobilização dos trabalhadores A conquista da direcção veio introduzir formas, métodos, dinâmicas e objectivos

de trabalho completamente diferentes. Os novos dirigentes sindicais viram-se agora confrontados com um mundo de questões e problemas novos, que nada tinham a ver com o seu trabalho na fábrica, aos quais tinham que ser capazes e queriam dar resposta. Iniciou-se assim, para estes, um novo desafio que exigia e punha à prova a mobilização das suas capacidades intelectuais, dos seus conhecimentos e experiências de vida, dando origem à construção conjunta de novos saberes.

Para vários activistas, é a partir desta altura que começam a participar regularmente em reuniões, no sindicato e nas empresas, a tomar a palavra, a participar em processos de decisão, a desenvolver hábitos de leitura, a tomar notas e a escrever documentos, a planificar a actividade. A ligação aos trabalhadores e a sua mobilização para a defesa dos seus interesses, então muito associados à negociação do contrato colectivo, que estava em curso, tornaram-se centrais. Mas, o aprofundamento da ligação aos trabalhadores implicou também pensar e tomar medidas de reorganização do sindicato, por forma a permitir que estes se apercebessem das grandes mudanças que se tinham verificado em resultado das eleições.

O sindicato tinha que ganhar a confiança dos trabalhadores, ser capaz de os defender e de dar resposta aos múltiplos problemas com que estes eram confrontados. Continuando todos os dirigentes eleitos a trabalhar a tempo inteiro nas respectivas empresas (não havia então dispensa de horas para a actividade sindical), foi necessário passar a ter na sede pessoas da confiança da direcção que pudessem atender os trabalhadores, mas também criar as condições para que os próprios dirigentes, e outros activistas, os atendessem fora das horas de trabalho – ao fim da tarde, à noite, ao fim de semana. Esta relação com os trabalhadores, e a necessidade sentida de responder aos problemas, o envolvimento directo dos dirigentes e activistas, levou a que muitos começassem a conhecer, a estudar e a dominar, em profundidade, um conjunto alargado de assuntos, designadamente de natureza socioprofissional, que até então desconheciam ou conheciam superficialmente.

As novas questões a que era necessário dar resposta, designadamente a nível da contratação e do apoio jurídico aos trabalhadores, levou igualmente à contratação

de técnicos de confiança, nomeadamente advogados, com os quais se discutiam os diferentes problemas, permitindo o cruzamento de saberes de natureza mais teórica, nomeadamente de ordem jurídica, com os saberes práticos, resultantes do conhecimento profundo da realidade dos locais de trabalho, e do que se passava no interior das empresas. As discussões travadas, passando a ter no centro das preocupações o encontrar das melhores propostas e soluções para a defesa dos interesses dos trabalhadores, constituíram-se num importante processo formativo para todos os envolvidos.

Quem começou a atender os trabalhadores foram os novos dirigentes eleitos

Quando chegamos à direcção do sindicato havia muitos trabalhadores a dizer que as suas queixas eram denunciadas aos patrões. O sindicato não tinha a confiança dos associados nem estava organizado para dar resposta a muitos trabalhadores que lá fossem. As mais das vezes não havia dirigentes que os recebessem. Existia um só advogado. E, o tal advogado, era simultaneamente sócio, no capital, da empresa metalúrgica Salvador Caetano, situação que era proibida por lei, até no tempo do corporativismo. Foi o que bastou para o demitirmos de imediato. E metemos, então um jovem advogado, recém formado, que foi o nosso primeiro apoio jurídico. Não confiávamos nos funcionários que encontramos no sindicato. Quem começou a atender os trabalhadores foram os novos dirigentes eleitos e outros activistas. [...] Para reunir condições de trabalho foi necessário despejar lá uma cave, destinada a arrumos, e fazer dois gabinetes de trabalho, onde passamos a receber diariamente, depois da hora normal de trabalho, os trabalhadores queixosos, cujo número ia crescendo, à medida que ganhavam confiança no sindicato. (Ranita2, 19)

problemas da definição de funções e do enquadramento profissional

(As questões colocadas pelos trabalhadores ao sindicato) eram mais situações de que hoje não se fala, mas que na altura tinham uma grande relevância: os problemas da definição de funções e do enquadramento profissional, do acesso e carreira profissionais. Enquadramento profissional porquê? Porque as tabelas salariais estavam relacionadas com o enquadramento da categoria profissional. Portanto, era preciso estudar as funções exercidas para verificar se o trabalhador estava bem classificado, antes de confirmar a correcção do salário auferido. Esse trabalho era específico do Joaquim Felgueiras, metalúrgico antigo, bom conhecedor da indústria, colaborava na área do chamado Gabinete Técnico. […]. Essa era muita da nossa actividade. Depois havia processos de despedimentos ilegais, abusos e arbitrariedades diversas, como por exemplo a de trabalhadores de 40 anos serem ainda considerados aprendizes ou estagiários. Estas eram as situações mais vulgares. (Ranita2, 20)

Muito para além do domínio deste tipo de problemas, o contacto com trabalhadores de diversas empresas, o conhecimento concreto e específico que passaram a ter de muitas outras situações, as novas relações estabelecidas, as

discussões travadas, os colectivos em que as pessoas se inseriram, pequenos episódios que foram acontecendo, a percepção directa da existência da PIDE, criaram as condições para uma maior percepção das injustiças e dos problemas sociais como problemas políticos, permitindo a transformação de uma certa consciência social, que tinha levado alguns trabalhadores a iniciar uma actividade no sindicato, em consciência política.

a consciência social foi-se transformando gradualmente em consciência política (Quando entrei para o sindicato), quando me ocupava a ouvir as histórias e os problemas dos trabalhadores que apareciam a queixar-se no sindicato, a consciência social foi-se transformando gradualmente em consciência política. E se não me tivesse aparecido um dia, à porta da Fábrica das Antas, um desconhecido, o Joaquim Maia de Sá, que alguém mandou procurar-me? Ele queria saber se eu aceitava entrar lá na lista de candidatos para a direcção do sindicato. Que vida, que atitudes teriam sido as minhas sem esse episódio? (Ranita2, 11)

“a fotografia do Sr. Presidente do Conselho caiu”

No sindicato também houve situações que deram para fazer pequenos avanços políticos. Há um episódio muito interessante, um bocado caricato até, que tem a ver com a queda de uma moldura com uma fotografia, da parede do sindicato. O incidente pôs-me a pensar mais profundamente na situação que enfrentávamos, até porque, depois, fui envolvido nela. […] um dia, telefona-me para a empresa o “dono do sindicato” - o chefe de serviços, lá colocado pelo regime e bufo da PIDE - ó sr. Ranita, ó senhor presidente […] “a fotografia do Sr. Presidente do Conselho caiu! está no chão toda partida!” Tentei ganhar tempo para me adaptar à situação: então diga-me lá o que se passa, mas com calma. E o homem relatou que, ao abrir o sindicato, tinha encontrado o Salazar feito em cacos, caído no vão da escada. […] A parede estava inteira e a escápula continuava firme no seu sítio. Acontecimento estranho aquele! Sr. Castro, respondi-lhe – que podemos fazer agora? Mande arrumar os cacos, se faz favor, e falamos mais logo no caso. O Castro não desarmava: é que está aqui um senhor da Polícia (neste ponto foi-me fácil imaginar o Castro a informar a PIDE antes de me contar o sucedido), que quer falar com a direcção e está a ver o quadro partido. Eu fiquei fulo, até porque o Castro tinha instruções precisas sobre a atitude que devia tomar se a polícia entrasse no sindicato. Retorqui: esse senhor tem que sair imediatamente do sindicato e o sr. fica responsável por isso. Esta minha reacção foi epidérmica; eu não tinha a formação política para dar uma resposta daquelas. Se a tivesse, talvez não a desse daquela forma, tão espontânea, tão aventureira. A verdade é que a PIDE não insistiu em falar connosco. (Ranita2, 12-13)

deve ter sido um autocarro que passou ali na rua

Mas o drama prolongou-se, porque o Castro, à viva força, queria colocar outro quadro de Salazar na mesma escápula. Ninguém da direcção estava de acordo, mas também não queríamos dizer-lhe que não. Primeiro temos que investigar o que se passou, argumentei. Quando levei o caso à direcção, encontrei olhares irónicos, em apoio do Maia de Sá: isso

deve ter sido um autocarro que passou ali na rua. Fez tremer o prédio e ... Foi essa a conclusão da averiguação do acidente. Este episódio valerá como exemplo do ambiente enfrentado no seio dos Sindicatos Nacionais controlados pelo regime, que contribuiu para o amadurecimento progressivo da minha consciência política. (ibidem)

A nova concepção da actividade, marcada pela vontade de envolvimento do maior número possível de trabalhadores na acção sindical, não passava apenas pela resolução pontual de problemas específicos de alguns. A atenção dada a cada questão permitia perceber melhor como muitos dos problemas que se colocavam a cada trabalhador eram problemas colectivos, que havia um conjunto grande de problemas comuns a todos, só resolúveis no quadro de uma grande mobilização e intervenção conjunta. O sindicato começou, então, a realizar reuniões à porta das empresas, muitas delas interrompidas pela polícia, a editar e distribuir comunicados para informar e envolver os trabalhadores, a proceder à recolha de abaixo assinados, a criar uma rede de delegados sindicais que permitia uma ligação directa do sindicato às empresas.

A negociação do contrato deixou de ser encarada como algo que era feito à margem dos trabalhadores, e da qual não se esperava, e muito menos se exigia, melhorias significativas para estes, mas como algo que tinha que ser feito em estreita articulação com os trabalhadores, auscultando as suas opiniões, exigindo a salvaguarda dos seus direitos, assumindo que os resultados da negociação dependeriam essencialmente da sua capacidade de mobilização e da unidade e força que fossem capazes de demonstrar.

As Assembleias Gerais e concentrações que então se realizaram, pelo número de trabalhadores que conseguiram reunir, pela forma entusiástica como decorreram, apesar da permanente presença intimidatória da polícia e da PIDE, são reveladoras da grande influência do sindicato e da sua capacidade de mobilização para a luta de importantes sectores de trabalhadores que ganharam assim uma nova consciência das suas potencialidades e do seu próprio papel social. Foi uma nova concepção de trabalho sindical que foi assumida e que atribuía aos trabalhadores um papel essencial na luta pela defesa dos seus direitos, contribuindo para a sua construção como “metalúrgicos”, com consciência de classe, “orgulhosos” de o serem, porque conscientes da sua unidade e da sua força colectiva. O envolvimento na actividade do sindicato, a participação nas iniciativas e nas discussões, foi também para diversos trabalhadores o ponto de partida para o desenvolvimento da sua consciência política e para o início de uma intervenção mais activa na luta contra o regime, inserindo-se igualmente noutras organizações e movimentos da oposição.

após sermos empossados, então gera-se uma dinâmica de massas

Onde se dá o movimento de massas imparável, substancial, é após a conquista do Sindicato. Isso foi uma coisa! Reuniões aí à porta das empresas, com a polícia presente, a Guarda Nacional Republicana a intervir - "O que é que vocês estão aqui a fazer? Que reunião é esta?", com malta a ouvir... e acompanhado de uma coisa que na altura foi uma inovação que foi a criação dos delegados sindicais de empresa, logo a seguir às eleições. [...] Após ganhar, após sermos empossados, então gera-se uma dinâmica de massas que eu estava a falar em que em muitos casos íamos às empresas, é claro que não havia liberdade para fazer essas reuniões, mas à porta das empresas, na hora de saída, pegava- se num carro e fazíamos isso, [...] a criação dos delegados sindicais também ajudava a fazer ligação. Agora já com o aparelho do Sindicato, […] investimos em novos equipamentos e aí começamos; saía um comunicado, logo o comunicado era rapidamente distribuído por N empresas no Porto. E com reuniões, Assembleias Gerais frequentes, bastante participadas na altura, isso foi uma dinâmica... (Ranita1, 78-79)

Então é da PIDE! Podia ter dito que era da PIDE

(Em) 5 de Janeiro de 74.[ …], há (uma assembleia do sindicato, no Pavilhão Infante Sagres) em que participei que juntou 3000 metalúrgicos. [...] foi uma Assembleia também pela luta em torno do contrato, fundamentalmente, aquilo era o que mobilizava. Nessa altura eu era da Comissão de Jovens e colaborava com a Direcção do Sindicato. Nas acções que o Sindicato levava à prática, lá estávamos nós também, a juventude. Eu estava na porta, e estava estabelecido que só entrava gente com cartão de associado, devidamente identificado como sócio e, a determinada altura, aparece-me lá um artista que queria entrar sem se identificar, eu disse "Não, tem que se identificar” [...] e ele identificou-se e depois era da DGS "Então é da PIDE! Podia ter dito que era da PIDE, que isso identificava-o, que eu deixava-o entrar!", logo a alertar toda a gente; já tínhamos ali um grupinho para o ir enquadrar, para ver para onde é que ele ia, para estar à beira dele. [...].Pronto e foi essa célebre Assembleia de 3000 e tal metalúrgicos, é verdade. Uma coisa mesmo muito forte. A capacidade de mobilização do Sindicato era fortíssima. Era porque nós já tínhamos delegados sindicais nas empresas, numa boa parte das empresas e fundamentalmente nas empresas maiores tínhamos delegados sindicais em acção. (Barra1, 96-98)

ser metalúrgico era uma coisa que as pessoas gostavam

nós mandámos fazer, em determinada altura, um emblema, não teve nada a ver com o emblema do Sindicato, era um emblema que era uma tirinha que dizia "Metalúrgicos", assim escrito, em metal e com uma roda dentada em que era o símbolo da classe, era só isto [...] Aquilo, evaporou-se! Porque naquela altura o ser dos metalúrgicos, ser metalúrgico era uma coisa que as pessoas gostavam, o Sindicato tinha um prestígio muita grande, na malta toda, e aquilo só trazia "Metalúrgico"... Foi a edição toda do emblema num instante! [...] Houve um papel, a luta dos metalúrgicos e o papel dos metalúrgicos na luta, o seu estilo, sobretudo uma acção sindical diferente, de massas, de massas e de classe... (Ranita1, 90- 91)

A consciência da importância do envolvimento e mobilização dos trabalhadores na negociação do contrato, assumida agora como uma forma de luta, esteve presente de modo muito claro nas diversas fases do processo, sendo significativo relembrar o trabalho desenvolvido pela nova direcção do sindicato, junto de outros sindicatos e dos trabalhadores do sector, na própria elaboração da contra proposta sindical. Em conjunto com os outros sindicatos envolvidos neste processo, que integravam a Federação do sector, foi realizado um estudo, a nível nacional, sobre as condições de vida e de trabalho dos metalúrgicos, na base do qual foi elaborada a proposta apresentada pelos sindicatos. A realização deste estudo implicou, desde logo, a elaboração de um questionário (com o apoio de economistas) e a sua administração a um número significativo de trabalhadores, de diferentes empresas, de todo o país, para o que foi necessário o envolvimento e responsabilização de um grande número de activistas que se deslocaram aos diversos locais para contactarem directamente os trabalhadores.

Foi já nesta fase do processo que se realizaram muitas reuniões à porta das empresas, se recolheram dados, se identificaram problemas, se ouviram os trabalhadores, e se distribuíram inúmeros documentos. O processo de elaboração da contra proposta sindical, pelo número de trabalhadores envolvidos e pelo papel que lhes foi atribuído, permitiu que esta fosse sentida e assumida como a sua proposta, para a elaboração da qual tinham contribuído com os seus conhecimentos e saberes, e em torno da qual se uniram e se continuaram posteriormente a mobilizar. Pela primeira vez milhares de trabalhadores foram envolvidos na elaboração de um documento de enorme importância para o seu futuro, percepcionando e aprendendo que não tinham que estar condenados às imposições unilaterais das entidades patronais.

perspectiva de massas do trabalho desenvolvido

após a conquista do Sindicato [...] foi importante, sem dúvida, todo o trabalho de preparação, chamemos-lhe assim, não sei se correcta ou incorrectamente, científica de resposta à contra-proposta patronal. E eu digo científica porque o que foi feito foi um trabalho de fundo! (Ranita1, 78-83)

Primeiro tínhamos que ganhar para a ideia todos os sindicatos do sector e eram muitos […]. Isto obrigou a demoradas discussões visando o envolvimento e co-responsabilização nas tarefas práticas dos sindicatos […] Depois, foi necessário envolver, em cada distrito, mais gente, para além do referido grupo de trabalho, que, acompanhadas por pessoas ligadas a esse grupo, se deslocaram às empresas, acompanhados de dirigentes sindicais, onde foram contactar aqueles trabalhadores para preencher os inquéritos. Seguiu-se o trabalho de recolha e tratamento estatístico dos dados obtidos. [...] É importante destacar, tendo em conta a época, a perspectiva de massas do trabalho desenvolvido para a concretização de