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PERCURSOS DA PESQUISA

2. Um projecto de investigação a construir e a desenvolver 1 Preocupações e questões de partida

2.4. A realização das entrevistas

As entrevistas não assumiram um carácter formal, decorrendo mais em ambiente de “conversa”, pese embora a presença do gravador e da câmara de vídeo. O facto de todas as pessoas terem um conhecimento prévio dos objectivos da entrevista e a noção das questões que se pretendia abordar, contribuiu para que, iniciada esta, tenham de imediato começado a falar sobre os seus percursos de formação e sobre o que consideram ter sido mais significativo para serem as pessoas que são hoje e

pensarem o que pensam. O guião elaborado no âmbito do CDI (anexo 1), e um novo guião complementar (anexo 2), acrescentando novas questões resultantes de se pretender, no âmbito desta pesquisa, o registo de narrativas de formação e de elementos para pensar a formação no âmbito do movimento sindical, estando presentes, não limitaram os temas abordados nas entrevistas.

Tendo sido abordados em todas elas diversos tópicos comuns, há muitos assuntos novos que surgiram em diferentes entrevistas, na sequência da vontade dos entrevistados e da forma como a “conversa” se desenrolou que, muitas vezes, me levou a colocar questões nas quais não tinha pensado previamente e os levou também a falar de assuntos cuja pertinência surgiu naquele exacto momento.

A forma como as entrevistas decorreram tornou-se particularmente importante uma vez que o que se pretendia era um registo das subjectividades das pessoas, da forma como elas analisavam o seu percurso de vida e dos sentidos e significados que atribuíam a diversos acontecimentos que tinham vivenciado. O modo como as pessoas falavam das suas experiências e memórias, como as ordenavam e do que nelas consideravam mais significativo eram elementos fundamentais para a compreensão dos seus percursos.

O conhecimento prévio da temática da tese e do que se pretenderia abordar na entrevista, e a própria realização da entrevista, poderão ter constituído uma oportunidade e um estímulo para as pessoas reservarem algum tempo para reflectirem sobre si mesmas e os seus percursos de formação, sobre as suas memórias e vivências, sobre as suas experiências no movimento sindical que, em geral, a pressão da actividade quotidiana não permite fazer. Aliás, mesmo as pessoas cuja história de vida já tinha sido registada e que, na nova situação de entrevista, abordavam os mesmos assuntos, a forma como deles falavam era agora diferente.

Se na primeira entrevista a preocupação subjacente tinha sido, essencialmente, dar o seu testemunho sobre a sua vida, sobre o trabalho ou sobre determinados acontecimentos vivenciados ou protagonizados, agora a preocupação era explicitar a importância que isso tinha tido para a sua formação. Nas situações em que não existia a primeira entrevista, a preocupação subjacente foi sempre a de procurar dar o testemunho mas também de analisar o que se dizia do ponto de vista da formação. Efectivamente, as entrevistas transformaram-se numa oportunidade para as pessoas pensarem, sistematizarem, explicitarem e deixarem registado um testemunho de si próprios, de conhecimentos que possuíam e das mais diversas lutas em que se envolveram ao longo da vida, no processo de construção de si enquanto actores e autores sociais, que sem a sua realização poderia nunca ter acontecido. O momento das entrevistas permitiu a criação de uma

“situação de comunicação completamente excepcional, livre (de alguns) constrangimentos, principalmente temporais, que pesam sobre a maior parte das trocas quotidianas […] contribui(ndo) para criar as condições de aparecimento de um discurso extraordinário, que poderia nunca ter tido e que, todavia, já estava lá, esperando as suas condições de actualização” (Bourdieu, 1997:704),

As situações de entrevista ter-se-ão assim constituído em “dispositivos

facilitadores de uma comunicação que subentendeu cumplicidade, conversação e debate e que se prolongou no trabalho de interpretação das narrativas” (Correia;

Matos, 2001:15), estimulando a explicitação de sentidos, a produção de discursos reflectidos e argumentados e o desenvolvimento de sentimentos de partilha e de envolvimento num projecto com o qual as pessoas se identificavam. Neste processo, o papel assumido por cada entrevistado nunca foi o de um objecto que

“se limita a ser olhado, escutado, ou interpretado, mas olha, escuta, interpreta e

também interpela o sujeito, perturbando e inviabilizando uma distinção que autorizava o sujeito a tornar-se juiz num mundo diferente do mundo dos objectos que ele é chamado a julgar” (Correia, 1998:185)

A relação de proximidade social, de uma certa familiaridade e de laços de solidariedade, quer com as pessoas quer com os seus percursos de vida, criou as condições para o estabelecimento do que Bourdieu (1997:697) designa por “comunicação não violenta”. De facto, a existência de relações de confiança, marcadas por afinidades sociais e por memórias partilhadas, entre mim e cada um dos entrevistados, permitiram um maior aprofundamento de diversos aspectos, a colocação de novas questões a partir do que estava a ser dito, até mesmo de questões de algum modo “provocatórias”, sem terem sido sentidas como um ataque, o avivar mútuo de memórias, o à vontade para falar e para expressar emoções, uma escuta activa do outro, uma percepção mútua das questões que se pretendia abordar, o que se revelou muito positivo e esclarecedor.

“A proximidade social e a familiaridade asseguram efectivamente duas das condições principais de uma comunicação “não violenta”. De um lado, quando o interrogador está socialmente muito próximo daquele que interroga, ele lhe dá, por sua permutabilidade com ele, garantias contra a ameaça de ver suas razões subjectivas reduzidas a causas objectivas; suas escolhas vividas como livres, reduzidas aos determinismos objectivos revelados pela análise. Por outro lado, encontra-se também assegurado neste caso um acordo imediato e continuamente

confirmado sobre os pressupostos concernentes aos conteúdos e às formas de comunicação: esse acordo se afirma na emissão apropriada, sempre difícil de ser produzida de maneira consciente e intencional, de todos os sinais não verbais, coordenados com os sinais verbais, que indicam quer como o enunciado deve ser interpretado, quer como ele foi interpretado pelo interlocutor” (ibidem).

Várias entrevistas acabaram por abordar uma multiplicidade de questões, com um peso e uma intensidade que, na altura, seria incapaz de prever, designadamente sobre as transformações actuais do mundo do trabalho, que acabaram por ganhar uma grande importância, permitindo-me, inclusivamente, uma outra compreensão sobre os actuais discursos sobre aprendizagem ao longo da vida no quadro dessas mesmas transformações, e da sua subordinação às lógicas neoliberais dominantes.

Independentemente do que as entrevistas possam ter significado para os meus interlocutores constituíram-se, para mim, em momentos particularmente significativos, gratificantes e formativos, obrigando-me a equacionar um grande número de questões, designadamente a forma de pensar a tese, dada a responsabilidade social que sentia perante os materiais que tinha em mãos e perante os meus interlocutores.

As entrevistas realizadas no âmbito desta investigação foram transcritas por mim, na íntegra, sem correcção da oralidade, incluindo as minhas afirmações e comentários que, inevitavelmente, influenciaram o decurso da entrevista/conversa, e o documento final em que a entrevista se constitui. A revisão das transcrições foi feita a partir das gravações vídeo, o que se veio a revelar de uma enorme importância, permitindo uma muito melhor percepção não apenas de partes da entrevista, que na gravação áudio não eram facilmente entendíveis, mas também dos sentidos atribuídos a diferentes acontecimentos. Poder revisitar os gestos e as expressões com que determinadas afirmações foram acompanhadas permite uma outra percepção do que foi dito, e do contexto específico que a situação de entrevista constituiu, contribuindo sobremaneira para uma melhor compreensão destas na sua complexidade (Galhano, 2007). Aliás há momentos que apenas são perceptíveis na gravação vídeo, uma vez que determinados aspectos, designadamente descrições sobre os processos de trabalho são feitas, em grande medida, através de gestos. Os momentos de transcrição e revisão constituíram-se em fases importante de contacto mais aprofundado com as entrevistas permitindo-me uma maior atenção aos seus conteúdos e uma melhor percepção da importância que as pessoas davam a determinados momentos e a certas afirmações.

A gravação vídeo e a transcrição realizada foram devolvidas aos entrevistados no sentido de estes poderem introduzir, na transcrição, as alterações que

entendessem como convenientes, tendo dado origem, num caso, a alterações significativas, não propriamente do conteúdo mas fundamentalmente na correcção do registo da oralidade, com o corte de ideias que se encontravam repetidas e a introdução de algumas clarificações em relação a afirmações produzidas.

2.5. Histórias de vida / narrativas de formação - uma abordagem