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3.1 A Banda Marcial Ranulpho Paes de Barros

3.1.2 A constituição da banda na escola EMEB Ranulpho Paes de Barros

Inicialmente foram várias tentativas em busca de entendermos como se deu o processo inicial de surgimento da atual BMRPB. Nesse sentido, em busca de informações a respeito do assunto procuramos respostas entrevistando professores e diretores que estiveram engajados no processo de implantação da banda na escola11. Estas entrevistas foram conduzidas a partir de

questões referentes à criação da banda na escola e, para isso, entrevistou-se uma professora e a ex-diretora que exerciam as respectivas funções na época. Para a primeira entrevistada, as perguntas foram feitas e respondidas via mensagem de Facebook, pois ela não residia na cidade de Cuiabá. Já para a segunda, a entrevista foi realizada presencialmente nas dependências da escola, até mesmo pelo fato de fazer parte do quadro de professores. Para isso, utilizou-se a modalidade de entrevista semiestruturada, com perguntas relacionadas ao assunto tratado neste tópico, e a utilização de um gravador de áudio para o registro do depoimento.

Segundo Maria Auxiliadora Ricciluca Bueno, professora aposentada da EMEB Ranulpho, a escola não dispunha de uma banda para desfilar no dia 7 de setembro, data em que se comemora a independência do Brasil. Mesmo a escola não tendo a banda para apresentar no desfile, a unidade escolar participava com o seu pelotão formado por seus alunos que, no dia do desfile, era conduzido por banda de outra instituição educacional12. Com objetivo de

prepará-los para o dia da apresentação, a professora Maria Auxiliadora somando-se a sua formação como professora de educação física e por ter tido suas vivências na banda da sua cidade natal, ficava responsável para treinar a marcha e o alinhamento com os alunos.

[...] eu peguei um “bumbinho” de criança, para que as crianças tivessem o compasso para marchar e deixar o desfile mais organizado e bonito. Aí comecei a “infernizar” a diretora Hermínia para conseguir instrumentos,

11 Por motivo do processo de reforma e também do tempo em que ocorreu a data de criação do projeto, não foi possível localizar o documento referente à data de criação da banda na escola.

12 As bandas que conduzem o pelotão de alunos geralmente se posicionam à frente do grupo e executam seu próprio ritmo musical. Dessa forma, o grupamento de alunos da escola tem alguém responsável para treinar a marcha antes do dia da apresentação com a banda.

pois a escola sempre foi grande e cabia, a princípio, uma fanfarra (Maria Auxiliadora, em entrevista 17/12/2018).

A princípio, cremos que a motivação inicial para a criação da banda na escola se deu em função da necessidade em ter sua própria banda para participar dos desfiles cívicos de 7 de setembro, na cidade de Cuiabá. Mesmo a escola não tendo o grupo constituído por músicos utilizando os instrumentos musicais, já existia o desejo de representar a escola com o pelotão de alunos que, empenhados nesse propósito de ver o nome da escola sendo divulgado ao público que assistia aos eventos na avenida, se organizavam todo ano para apresentar.

Nos depoimentos da professora e ex-diretora Eby Regina Bezerra Ito, a fanfarra Ranulpho Paes de Barros surgiu a partir da sua gestão no ano de 2008 e contou com a participação de um regente, dando início ao trabalho. Ao ser questionada sobre os motivos da implantação do grupo musical na escola, Eby nos conta que as suas duas filhas participavam da fanfarra da escola estadual Presidente Médici, e, ao observar o envolvimento e o trabalho disciplinar que elas estavam tendo, despertou, então, o desejo de também criar a fanfarra na escola.

Essa ideia eu tive porque as minhas meninas estudaram na Escola Estadual Presidente Médici, e participaram da banda. E eu as acompanhava onde elas iam, e era um ótimo “gatilho” para que elas estudassem. Então assim, se elas estavam andando fora da linha – olha você quer permanecer na banda? Então tem que estudar, pois as notas não estão boas. Então assim, todas essas coisas eu vivenciei com as minhas filhas, então se eu gostei disso na vida delas por que não para os nossos alunos da EMEB Ranulpho? (Eby Ito, em entrevista 14/02/2020).

Em virtude disso, a professora Eby, a partir das suas vivências e experiências, teve a ideia de implantar a fanfarra na EMEB Ranulpho, tendo como requisitos para a participação dos integrantes o bom desempenho em sala de aula.

Fora as questões relacionadas ao bom desempenho em sala de aula, outras questões emergentes também faziam parte das propostas da fanfarra na escola, como as relacionadas à possibilidade de os alunos descobrirem outras perspectivas sociais em contato com os trabalhos desenvolvidos por meio da banda. Nas palavras da entrevistada, a vida das crianças limitava-se apenas ao bairro em que moravam e poucas delas realmente conheciam a cidade onde residiam. Com este objetivo, a proposta da fanfarra na escola era elevar as perspectivas dos jovens para além do seu cotidiano social, era também trazer outros conhecimentos além dos que já tinham no seu círculo de convívio. E, no entender de Eby, as contribuições motivadas pela criação da banda foram significativas. Os sentidos atribuídos a partir das experiências dos integrantes da

banda refletiram no seu bem-estar e nas ações atribuídas ao vivenciar o momento oportuno de transformação, o sentimento de pertencimento.

Amplitude de visão, né! As crianças nunca saíram aqui do bairro e, de repente eles estavam apresentando para prefeito, né! Para o governador. Realizavam viagens; iam em cidades vizinhas aqui em Mato Grosso; iam em Campo Grande nas disputas nacionais. Então assim, as crianças tiveram uma vivência que elas nunca teriam se não tivesse uma banda na escola. Fora isso, também a disciplina, porque o aluno para permanecer na banda tem que estudar, tem que ser modelo e exemplo para outros. A gente não podia colocar na banda um aluno rebelde, um aluno que destratava com as regras da escola. Ele vai para a banda, ele vai começar a trabalhar isso, porque ele não vai querer ter as perdas que ele teria se saísse da banda. Porque daí ele não vai nas apresentações. Fora que o grupo da banda forma uma amizade muito bonita entre eles, um espírito de colaboração que eu acho muito válido (Eby Ito, em entrevista 14/02/2020).

A participação na banda dependia de um conjunto de regras pelas quais o aluno via-se tomado de decisão para a sua continuidade no projeto.

Partindo desse pressuposto, a fanfarra simples tradicional Ranulpho suscita a obediência às regras, na medida em que a participação do aluno requer também uma contrapartida por parte dele, ou melhor, o envolvimento com as questões disciplinares. Ao mesmo tempo, torna-se um meio oportuno para vivenciar novas experiências de vida e de conhecimento musical. Afinal, a banda dentro do ambiente escolar agrega outras vivências ao participante e, ao mesmo tempo, eleva a autoestima, possibilitando o prazer de estar-junto e melhorias no aspecto de transformação social do ser que resultam em benefícios próprios.

O projeto foi criado para a comunidade escolar e também abraçar alguns [alunos] que queriam e nunca tiveram a oportunidade de participar de uma banda. Tinha alunos nossos que vinham do Distrito da Guia, e que não estudavam aqui, mas vinham compor conosco, nada contra, mas quando a gente vê a formação deles “piquininhos” e crescendo aqui e concluindo o nono ano [do ensino fundamental]; vão para outra escola e querem permanecer. Isso é válido! A ligação [com a escola], e eles permanecem, muitos permanecem. Mas a gente vê que muitos dos alunos que eram alunos passam até a ser instrutores (Eby Ito, em entrevista 14/02/2020).

É importante dizer que o grupo se constituiu com a formação de categoria fanfarra simples tradicional, discutida em capítulo anterior, Ranulpho Paes de Barros, do ano de 2008 até o mês de setembro do ano de 2011 sob a direção do primeiro professor e, após este momento, o grupo ficou sem profissional responsável para conduzir a fanfarra.

No ano de 2011, por ocasião do estágio obrigatório da graduação do curso de música e da apresentação junto à banda musical do colégio Marechal Dutra13, na EMEB Ranulpho, o

autor desta pesquisa foi convidado pela diretora Eby Ito para assumir o cargo de maestro no projeto. Com a saída do antigo professor, muitos dos alunos deixaram de continuar na banda, o grupo contou com a participação de alunos que não eram somente da escola Ranulpho, mas também da comunidade externa, como pessoas de outras bandas e funcionários da escola.

A partir dessa chegada do maestro no projeto da Ranulpho ocorre a mudança de categoria: de fanfarra simples para banda marcial. Esta mudança decorre em virtude da troca dos instrumentos musicais do naipe de sopro característicos da fanfarra simples tradicional pelos instrumentos de sopro da categoria de banda marcial. Os motivos relevantes a esta mudança se dão, primeiramente, pelo fato da experiência do regente com esse tipo de formação e, segundo, o regente observava as limitações sonoras na execução com os instrumentos de sopro da categoria fanfarra simples tradicional, por outro lado na categoria banda marcial o mesmo instrumentista consegue executar todas as notas musicais de uma escala musical sem ter que depender de um outro instrumentista de sopro para a execução de uma frase melódica. Além de que, via-se o crescente trabalho com a formação de categoria de banda marcial no país e não existia na cidade de Cuiabá um trabalho de formação com banda marcial na rede municipal de ensino.

Com o objetivo de dar início ao trabalho, o grupo contou com a participação dos músicos da banda do Colégio Militar Marechal Dutra, os quais traziam os instrumentos que tocavam, quais sejam: instrumentos de madeira, como saxofone, clarineta e flauta transversal (estes instrumentos pertencem à categoria da banda musical), cuja banda também era regida pelo mesmo maestro.

Mesmo não tendo todo o instrumental que constitui a formação da categoria banda marcial, a escola foi adquirindo novos instrumentos e o objetivo inicial era despertar a participação de mais integrantes para compor a banda. No ano de 2012, o grupo realiza a sua apresentação na EMEB Ranulpho Paes de Barros com os instrumentos de sopro da categoria banda marcial, como aparece na Figura 2.

Figura 2 - Primeira apresentação da banda com a formação de categoria banda marcial.

13 A banda do colégio Marechal Dutra foi convida para apresentar no encerramento do estágio dos alunos da graduação do curso de licenciatura em música.

Fonte: Página do Facebook da Banda.

Com as demandas de apresentações e a visibilidade alcançada pelas atuações, o grupo era requisitado para apresentar nos eventos tanto da Secretaria Municipal de Educação da Prefeitura de Cuiabá como também nos eventos da escola. Porém, ao longo do tempo, a banda pouco renovava sua equipe de alunos e, com isso, boa parte do grupo se constituía de alunos antigos. Os alunos que tinham mais idade foram crescendo e, com o tempo, tiveram que assumir outros compromissos além dos estabelecidos com a banda. Alguns tiveram que ir trabalhar e outros foram fazer faculdade e nem sempre conseguiam comparecer aos ensaios e nas apresentações da banda. Esta situação começou a prejudicar o rendimento do grupo; além disso, a escola esperava que a banda pudesse não só atuar em representá-la nos concursos, como também atender a sua agenda interna.

Com o objetivo de contribuir para a melhoria do conhecimento musical, no ano de 2015 o projeto da banda passou por uma reformulação que consistiu em criar, dentro do próprio grupo, um trabalho de formação dirigido aos alunos iniciantes para seu ingresso na banda. Este trabalho consistia em aulas que eram ministradas duas vezes por semana em horários específicos para os alunos do naipe de sopro, percussão e corpo coreográfico, e esse trabalho de preparação durava em torno de seis meses.

Mesmo com todas estas mudanças, o objetivo da banda permaneceu o mesmo, isto é, oferecer atividades musicais que viessem contribuir na formação, integração e socialização dos alunos na comunidade, visando atuar pelo viés cultural, socializador e educacional.

Neste diagrama, apresentado na Figura 3, são demostradas as modalidades das práticas de ensino oferecidas aos alunos do projeto, bem como as suas ramificações.

Banda Instrumento musical Metais sopro - Trompete - Trombone - Trompa - Tuba - Bombardino Percussão Percussão de Marcha - Tenor Drum - Cymbals - Snare Drum - Bass Drum Percussão Sinfônica - Bumbo Sinfônico - Pratos a dois - Caixa Clara - Xilofone - Glockenspiel -Timpano Dança - Corpo Coreográfico - Baliza Outras práticas - Teoria musical - Prática de marcha - Atividade física

Fonte: Elaborada pelo autor da pesquisa.

Figura 3 - Práticas oferecidas no projeto da banda.

Estas práticas, dentre outros aspectos, serão apresentadas e discutidas ao longo deste capítulo.