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2.3 A Banda: conceitos, particularidades e formação

2.3.3 Banda Marcial Escolar: interações e pertencimento

A banda escolar representa a instituição educacional da qual faz parte e tem como objetivo construir processos de transformação social e promover aspectos educacionais e pedagógicos. De forma simultânea, atua como agente de transformação dentro da escola, da comunidade, indo ao encontro dos processos de socialização do músico participante dela, com objetivo de melhoramento no desempenho escolar, representação cultural e elemento de motivação aos indivíduos. Para Alves da Silva (2018), o espaço escolar é um campo ideal para o desenvolvimento das bandas de música, pois contribui para o despertar de muitos jovens na música, apesar das dificuldades.

Existe uma grande preocupação no meio musical e cultural para que se preservem as bandas de música. A escola tem grande potencial para despertar o interesse dos alunos em participar desses grupos. Existem diversas dificuldades para a criação e sobrevivência de bandas nas escolas, inclusive de ordem econômica (ALVES DA SILVA, 2018, p. 49).

Alves da Silva (2018) esclarece que é preciso que haja uma preocupação com a continuidade da cultura de banda, sendo a escola um ambiente propício para a formação de novos participantes, e disseminação das práticas culturais e artísticas. Entretanto, o autor aponta

as dificuldades para a criação de uma banda dentro do espaço escolar, como as relacionadas a questões financeiras, a falta de recursos para aquisição de instrumentos, espaço físico adequado para a realização das aulas, dentre outras.

Nas escolas existe o problema da concomitância com outras aulas, o que pode provocar um verdadeiro embate entre os professores que não aceitam conviver com o “barulho” das bandas. Ao invés do corpo docente da escola exigir condições dignas para as atividades artísticas e esportivas, o que ocorre é uma guerra interna. Entretanto é preciso sobreviver e, mesmo em condições adversas, é essencial manter as atividades da banda e mostrar a importância desta tradição (ALVES DA SILVA, 2018, p. 60).

Da mesma forma, Campos (2018) afirma que é preciso que a gestão escolar entenda a importância da banda dentro do espaço escolar. Esta autora também aponta que, a princípio, as bandas são formadas pelo interesse dos alunos e pessoas que não estudam na escola, que motivados a representar a unidade escolar nos eventos, muitas vezes não encontram apoio necessário da gestão escolar. “As corporações escolares são formadas não apenas por alunos da escola, mas por pessoas da comunidade. Motivados pela socialização, pelo amor à música e por anseios individuais, o grupo provê meios e recursos financeiros para a continuidade do trabalho” (CAMPOS, 2008, p. vi).

As bandas escolares, mesmo divulgando em muitos eventos o nome da escola, da gestão escolar e da instituição maior (prefeitura e/ou estado), ficam na espera por investimentos de melhoria no projeto, contando em muitas vezes com a ajuda dos componentes e responsáveis/pais.

É pertinente destacar que tal fato nem sempre diz respeito especificamente à falta de reconhecimento, pois em muitas situações a escola apoia o trabalho do grupo, porém os recursos que são advindos para a escola não dão conta de atender às necessidades, uma vez que o custeio para a manutenção de uma banda é alto. Neste processo de participação e de representação do músico de banda e aluno de escola, “Quando reconhecidos, na sua própria comunidade escolar e familiar como um “músico, artista” [...] as crianças têm a chance de reafirmar a autoconfiança e, com isso, se firmar na vida para outros compromissos sociais futuros” (SOARES, 2018, p. 87).

É importante ressaltar que as práticas musicais como um todo, principalmente as que envolvem sujeitos da própria escola, possibilitam vivências, sociabilidades, coletividades e oportunidades através da banda, que refletirão em transformações benéficas no campo cultural e social ao longo da vida do ser humano. Campos (2018) afirma que mesmo em situações de conflitos relacionados às questões de gosto, sentimentos e afetos, é evidente a participação dos

jovens, pois para a autora é um momento de reafirmar a “sua própria identidade como indivíduo e “somá-la” ao grupo do qual se faz parte. E este “somar ao outro” resulta em um processo de constantes conflitos e mudanças” (CAMPOS, p. 46). Apesar da autora se referir a grupos formados somente por sujeitos da escola, podemos notar que esta questão de vivenciar e compartilhar objetivos comuns é uma característica própria das pessoas que participam de um trabalho em conjunto, principalmente quando elas se sentem pertencentes (SOARES, 2018).

Nesse sentido trabalham, dedicam, sofrem e não medem esforços para atingirem seus objetivos conjuntos e individuais.

Os grupos musicais podem ser compreendidos, dessa forma, como aglomerados interdependentes nos quais os interesses comuns dirigem as ações e motivam os integrantes, ao mesmo tempo em que coexistem com outros grupos na escola. Unidos por interesses comuns, os grupos destinados à execução musical funcionam como integradores e socializadores dos que dele participam, promovendo oportunidades de aprimoramento e desenvolvimento de potencialidades que ultrapassam o motivo inicial de sua formação. Desse modo, os aspectos extramusicais também são assumidos como aspectos importantes, sustentando as ações e justificando a manutenção dos grupos (CAMPOS, 2008, p. 38).

Assim, cada indivíduo assume dentro do grupo um determinado papel e, juntos caminham na busca por resultados únicos, formando e criando mecanismos para alcançarem suas conquistas e resultados que vão desde a existência da própria banda na escola e vivências com familiares e amigos. Campos descreve que “Os integrantes compartilham formas de pensar e de ser no mundo que ultrapassam a natureza musical e que contribuem para uma consciência de dever com o próximo e com a sociedade” (CAMPOS, 2008, p.76). Em outras palavras, os grupos musicais se estabelecem dentro das escolas por causa de interesses que advêm do desejo de produzir e reproduzir culturalmente aquilo que a sociedade compartilha em seu meio e, dessa forma, se empenham para levar o trabalho com maestria.

3 CONTEXTOS E PRÁTICAS DE UMA BANDA EM CUIABÁ

As bandas da cidade de Cuiabá estão organizadas em bandas militares, forças armadas e organizações sem fins lucrativos, que têm como objetivo representar as suas instituições e organizações. Como exemplos temos a banda da Polícia Militar, banda do Exército Brasileiro, banda do Corpo de Bombeiros do Estado de Mato Grosso, banda da Cultura Racional, banda da Assembleia de Deus e banda dos Desbravadores. São grupos que se apresentam em ruas, avenidas, praças e espaços cobertos. Além destas bandas, existem as bandas independentes, formadas a partir da reunião de amigos ou pessoas que compartilham de objetivos comuns, e as bandas escolares, desenvolvidas nos espaços escolares.

É fato que as bandas escolares, em sua grande maioria, estão inseridas dentro de projetos educacionais escolares, mais centrados para as questões sociais e humanísticas que objetivam, por meio da música, promover a proximidade dos jovens com o ambiente escolar, possibilitando então o vínculo com esse espaço escolar. Além disso, visam a desenvolver práticas artísticas e culturais. Estes grupos estão ligados à Secretaria Municipal de Educação (SME) e a Secretaria de Estado de Educação do Estado de Mato Grosso (SEDUC). Alguns grupos tiveram importante papel para o surgimento das bandas e fanfarras na cidade de Cuiabá, como a banda marcial do colégio ICE, banda musical da Escola Técnica Federal de Mato Grosso – Campus Octayde Jorge, a fanfarra do Colégio Coração de Jesus e a banda sinfônica da Universidade Federal de Mato Grosso.

As bandas no Brasil, de acordo com alguns estudiosos (ALVES DA SILVA, 2018; CAMPOS, 2008; SOARES, 2018) desempenham um importante trabalho no que tange à preparação para a formação musical, social e intelectual de jovens nas comunidades mais carentes. É notória a participação das bandas como uma agente de transformação para o resgate social de pessoas que estão vulneráveis à violência e à marginalização. Em busca de aproximar os sujeitos a profissionalização para este seguimento cultural, as bandas têm revelado grandes músicos em potencial competitivo para o mercado de trabalho. E no entender de Vich (2015), as relações construídas dentro de um sistema cultural ampliam as possibilidades de desenvolvimento social e dá oportunidade para que os sujeitos produzam e reproduzam relações sociais. Para o autor, a cultura surge da própria sistematização e narrativas que são construídas e estabelecidas dentro de um campo cultural no qual revela a sua importância dentro de um contexto específico.

As lembranças e os momentos se fazem presente na vida de músicos e maestros que iniciaram seus primeiros estudos musicais em bandas e a sua história de vida constituída em

torno das suas vivências enquanto participante. Percebemos o sentimento de pertencimento em relação às bandas, por exemplo, como aquele da rememoração de cada pessoa em um momento importante de quando era integrante ou plateia. Algumas a enxergavam como uma família – talvez pelo fato de ali compartilharem das mesmas experiências e passarem boa parte das suas vidas compartilhando dos mesmos ideais – e, para outros, a possibilidade de seguir com suas habilidades na profissionalização musical. Entendemos que as relações que são estabelecidas por participar de uma banda propiciam um desenvolvimento satisfatório que integra e os conecta de forma a proporcionar relações de pertença nestas práticas culturais.

No entendimento de Hall (2003, p.135), “Cultura é a soma das descrições disponíveis pelo qual as sociedades dão sentido e refletem as suas experiências comuns”. Isto é, em nossa sociedade exercemos um papel de pertencimento vinculado em nossa própria vivência por meio das práticas culturais, baseadas em processos de subjetividades ligadas a um conjunto de saberes, costumes, crenças, padrões de comportamento adquiridos e transmitidos socialmente, tendo valores e significados diversos e compartilhado culturalmente.

Guattari (1992) enxerga a subjetividade como instâncias produtoras, agenciamentos coletivos de enunciação e devires imperceptíveis, mutações. Para o autor a subjetividade é plural, polifônica, um conjunto de matérias expressivas, que possibilitam novos campos de produção de pensamento e construção de ideias, transformando em novos territórios existenciais.

A subjetividade é compreendida como ideia de processos diversos da produção do sujeito como uma singularidade, com algo que nasce a cada instante e que se produz constantemente. Nesse processo, o sujeito é entendido como uma figura, uma forma que está o tempo inteiro em transformação e que vai se construindo a partir dos agenciamentos e agrupamentos das combinações que ele faz dentro da sociedade e dentro dos territórios que atravessa.

Guattari (1992) nos esclarece que a subjetividade pode se apresentar de forma individualizada ou de forma coletiva (grupos sociais). Segundo o autor, a subjetividade não é fabricada somente da mente (psique humana), matemas do inconsciente (criação de significados) mas também por máquinas sociais, e por influências não-humanas; a subjetividade é delimitada e ancorada em seu contexto de origem.

Com efeito, o termo “coletivo” deve ser entendido aqui no sentido de uma multiplicidade que se desenvolve para além do indivíduo, junto ao socius, assim como aquém da pessoa, junto a intensidades pré-verbais, derivando de uma lógica dos afetos mais do que uma lógica de conjuntos bem circunscritos (GUATTARI, 1992, p. 20).

Para Guattari (1992), a subjetividade no seu ato criador pode ser encontrado no sonho, na imaginação, no estado de sentimentos diversos, propondo novos encontros possíveis, nas relações com o espaço, com o meio social, com as pessoas, e por meio dos aportes dos acontecimentos cotidianos como fator preponderante na relação pura com o outro.

De uma maneira geral, dever-se-á admitir que cada indivíduo, cada grupo social veicula seu próprio sistema de modelização da subjetividade, quer dizer, uma certa cartografia feita de demarcações cognitivas, mas também místicas, rituais, sintomatológicas, a partir da qual ela se posiciona em relação aos seus afetos, suas angústias e tenta gerir suas inibições e suas pulsões (GUATTARI, p. 21).

Para o autor, todas as instâncias sociais formadas por crianças, jovens, adultos, são produtoras de subjetividade. Nesse entendimento, o autor nos esclarece que os processos de subjetividade (ou subjetivação) se apresentam de acordo com o modo como cada grupo social constrói os saberes, as práticas de ensino/aprendizagem e a constituição das relações sociais com o espaço pelos quais atravessa.

Logo, observamos como determinadas práticas culturais exercem outros papéis dentro de um campo social, por hora, repleto de possibilidades, como é o caso da banda que apresentaremos a seguir. Neste capítulo, apresentaremos a Banda Marcial Ranulpho Paes de Barros – (BMRPB), o bairro onde localiza-se a banda, sua formação, projeto e atividades desenvolvidas.