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Temos concebido o homem como sendo um sujeito. Essa característica advém do seu pensar, do refletir e do agir sobre sua realidade. Essa capacidade não seria totalmente possível se não fosse complementada com o cotidiano, com os elementos retirados de sua cultura, de suas experiências enquanto ser que se relaciona com outros seres e com a natureza.

Nesse sentido, a realidade é uma das fontes dos conhecimentos do sujeito.

Pensar, refletir e agir são características comuns a todos os homens, no entanto, o pensar, o refletir e o agir assumem ao mesmo tempo características bem individuais. Se a educação pode tornar o indivíduo hominizado, socializado e singularizado (CHARLOT, 2005), pode-se dizer que cada homem, em particular, se constitui tanto social como individualmente.

Cada sujeito difere um do outro, pois se a capacidade de raciocínio é uma característica comum a todos os homens, o mesmo não se pode dizer de como cada um interpreta e age ante as situações vividas no cotidiano.

Considerando que o homem tem uma vida em comunidade, e que nela desenvolve sua capacidade de socialização, é oportuno dizer que ele é o resultado da relação entre o seu eu e o outro ou o seu eu e a comunidade. Refletindo dessa forma, entendemos que em cada sujeito existe a fusão desses dois elementos: o individual e o coletivo. Nesse sentido, Charlot (2005) considera que:

Todo ser humano é indissociavelmente social e singular, e não há nenhum sentido em se perguntar qual a parte do social e singular. Sou 100% social (senão, não seria um ser humano) e 100% singular (porque não há dois seres humanos semelhantes) e o total ainda é 100% e não 200%. Em termos mais científicos, as relações entre social e singular são multiplicativas e não aditivas. O que é preciso compreender é a forma social de ser singular e a forma singular de ser social”. (CHARLOT, 2005, p. 57)

Pelo que os autores colocam e observando as falas dos professores/as percebemos que a singularidade do sujeito, em parte, pode resultar, do fato de que cada um está inserido num universo de relações que não são comuns aos demais. Cada indivíduo nasce num ambiente familiar muito específico e mesmo morando em localidades muito próximas há experiências que não são vividas por todas as pessoas, sejam enquanto membros da família, amigos, ou outros grupos sociais que ele freqüenta. Essas vivências tornam cada sujeito único, portadores de experiências individuais. Isso fica evidente nos relatos analisados quando se referem as suas experiências de vida, aos acontecimentos que iam se sucedendo. Apesar de terem passado pelas mesmas situações, como por exemplo, a disciplina dos pais, o preconceito na escola, o trabalho em idade escolar, elas surgem acompanhadas de posicionamentos bem individuais. Como também são muito pessoais, as impressões que ficam dessas experiências.

No entanto, essas experiências individualizadas acontecem no meio social onde o sujeito desenvolve suas relações. Assim, é possível que, dessas especificidades, se desenvolva uma identidade que não pode ser entendida apenas do ponto de vista individual, mas que considere também o aspecto coletivo.

Partimos de uma definição de Castells (1999) quando, do ponto de vista da sociologia, esclarece como se dá a construção da identidade. Em sua opinião, ela se

constrói a partir dos elementos fornecidos pela própria humanidade no seu percurso. Essa seria a matéria-prima que absorvida pelo indivíduo vai sendo organizada a partir das suas referências culturais, sociais e pessoais. É com essas palavras que o autor esclarece:

A construção de identidades vale-se da matéria-prima fornecida pela história, geografia, biologia, instituições produtivas e reprodutivas, pela memória coletiva e por fantasias pessoais, pelos aparatos de poder e revelações de cunho religioso. Porém, todos esses materiais são processados pelos indivíduos, grupos sociais e sociedades, que reorganizam seu significado em função de tendências sociais e projetos culturais enraizados em uma estrutura social, bem como em sua visão de tempo/espaço.

(CASTELLS, 1999, p. 23)

A identidade não é algo estático que jamais se modifica. O sujeito está inserido num determinado tempo e espaço e necessariamente a sua identidade vai estar ligada a esse contexto imediato. A dinâmica da sociedade e a forma como está organizada na sua estrutura cultural, social e política são responsáveis por essa identidade que se apresenta de forma não linear, mas cíclica. Isso mostra a influência que tem o meio cultural sobre o indivíduo; se a sociedade muda, e essa mudança decorre da atividade humana, o sujeito tende a acompanhar essa mudança, adaptando-se ou rebelando-se. O fato é que ambos não permanecem sempre da mesma forma. Assim, mesmo tendo fortes vínculos com suas raízes formadoras a identidade do sujeito pode ir se alterando durante seu percurso de vida.

Isso é demonstrado quando os professores escrevem sobre as mudanças nas suas formas de pensar e agir. Quando se referem a sua participação no Movimento alguns fazem uma analogia com relação ao que o sujeito era antes de ser membro e depois. Como exemplo, relembramos a fala da professora Edileuza quando diz: Hoje

adquiri outros hábitos e tenho uma outra visão de mundo. O mesmo acontece com o

professor Neto que afirma: O MST para mim é tudo o que eu queria pensar, queria

dizer, compreender, fazer e não conseguia.

Estar no mundo em contato com o outro, com as diversidades culturais, com as diferentes formas de pensar possibilita uma constante mudança na forma de ver e entender a realidade. Dessa forma, a construção da identidade não se dá apenas de dentro para fora do sujeito, nem tão somente de fora para dentro, mas ela é resultado dessa interação entre o desenvolvimento individual e sua fusão com os elementos que a cultura oferece.

O que defendemos é que, se o sujeito tem uma identidade, essa tem uma relação muito estreita com o percurso de sua vida. E se acreditamos que essa identidade pode ser permanentemente construída nas interações pessoais é por que aceitamos a idéia de que essas se dão ao longo de toda a vida e, nesse caso, tornam-se fundamentais para a construção da identidade. Nesse caso, é importante atentar para o que nos assegura Guimarães (2004) sobre a construção da identidade individual.

A construção da identidade pessoal é um processo complexo que se dá em toda existência do homem, na interação com o mundo e com o outro, uma vez que os indivíduos agem e interagem de formas pessoais em relação ao processo de socialização e este tem resultados também específicos na história de vida de cada um. (GUIMARÃES, 2004, p. 58)

O processo de socialização, que ocorre de forma diferente em cada sujeito, tem papel fundamental na construção de sua identidade individual. Esse processo se inicia logo nos primeiros anos de vida, é contínuo e perpassa toda a vida do homem. A socialização,

entendida como as diferentes interações entre o sujeito e o outro nos diferentes momentos da vida, é parte importante no processo de construção da identidade.

Os fatos e acontecimentos podem mudar as concepções que um sujeito antes tinha como absolutamente verdadeiras. Isso é demonstrado quando os professores/as escrevem sobre as mudanças nas suas formas de pensar e agir. As palavras da

professora Liliane ao se referir à Escola na sua adolescência exemplificam essa afirmação. Ela relata: O tempo ia passando e eu pouco ia para a escola, não me tocava

que estudando poderia ter um futuro melhor, afinal não tinha perspectivas de sair daquela comunidade [...] Somente abri os olhos para uma outra realidade quando fui morar um ano em Macau. O que a professora deixa transparecer é que houve uma

mudança na sua forma de ver a Escola. A mudança do local onde morava tornou possível, para ela, adotar essa outra postura.

Da mesma forma, quando se referem a participação no Movimento, alguns fazem uma analogia com relação ao que o sujeito era antes de ser membro e depois. Como exemplo relembramos a fala da professora Edileuza quando diz: Hoje adquiri

outros hábitos e tenho uma outra visão de mundo. O mesmo acontece com o professor

Neto que afirma: O MST para mim é tudo o que eu queria pensar, queria dizer,

compreender, fazer e não conseguia. Fica claro, nos trechos citados, que houve

mudança de mentalidade, de comportamento, fazendo surgir certamente uma outra identidade.

Para entender melhor o processo de construção da identidade individual e como ela se constitui recorremos novamente a Castells (1999) quando interpretando o pensamento de Giddens ele nos diz que:

A auto-identidade não é um traço distintivo apresentado pelo indivíduo. Trata-se do próprio ser conforme apreendido reflexivamente pela pessoa em relação à sua biografia (...) o que define um ser humano é saber... tanto o que se está fazendo como por que se está fazendo algo... (CASTELLS, 1999, p. 26/27)

Nesse sentido, o sujeito ao se identificar a partir de sua biografia passa a ser, ele mesmo, objeto de sua própria reflexão.

Guimarães (2004) ainda vem nos assegurar que:

A construção da identidade pessoal é um processo complexo que se dá em toda existência do homem, na interação com o mundo e com o outro, uma vez que os indivíduos agem e interagem de formas pessoais em relação ao processo de socialização e este tem resultados também específicos na história de vida de cada um. (GUIMARÃES, 2004, p. 58).

Nessa concepção, para que possamos compreender o sujeito a partir de sua identidade individual é necessário observar sua existência a partir das relações que estabelece com o coletivo.

Partindo do pressuposto de que o sujeito é singular e ao mesmo tempo social queremos ressaltar a existência de um outro tipo de identidade que destacamos em nosso trabalho e que pudemos perceber nos professores/as pesquisados: trata-se da identidade coletiva que consiste na formação de um sujeito que vive em determinada comunidade e ou organização e que pensa e age coletivamente.

Percebemos esse pensar coletivo a partir do seu convívio logo nos primeiros grupos como a Família e a Escola. Percebemos essa convivência coletiva nos relatos dos professores/as ao se referirem às relações que a família estabelece com outros

espaços ou instituições, como os Partidos Políticos e a Igreja. Aspectos destacados na fala da professora Claudia deixam claro esse aspecto: Minha mãe procurou nos educar

nos princípios religiosos de tal forma que logo ao me tornar adolescente entrei no Grupo de Jovens. O ideal de um convívio coletivo aparece logo nos primeiros contatos que o

indivíduo faz dentro do próprio grupo familiar, pois ali ele está em meio às regras estabelecidas. Ao mesmo tempo, isso ocorre fora desse grupo, pois a Família não está isolada desse contexto mais amplo, assim como também não está a Escola, ou

qualquer um outro espaço que ele freqüente.

Vianna (1999) discorrendo sobre as contribuições de Melucci sobre identidade e ação coletiva diz que, a atual sociedade é definida pela convergência de vários momentos da cultura, do tempo e da história humana.

Assim, para entender como a identidade do sujeito se constitui é preciso estarmos atentos às contradições e aos antagonismos que constituem a sociedade. Essas diferenças podem ser analisadas sob os mais variados aspectos, seja econômico, político ou cultural.

Nesse sentido, as sociedades se desenvolvem a partir de relações nem sempre harmoniosas. No interior destas, ha diferentes realidades que a constituem e em cada uma dessas realidades iremos encontrar grupos que se distinguem por objetivos diversos. Nesse caso, nos defrontamos com variadas formas de interpretar e atuar sobre a realidade. Como exemplo, citamos os grupos que constituem os Movimentos Sociais, entre eles, o MST.

A partir desse princípio Melucci vai desenvolver seu conceito de identidade coletiva. Na sua opinião a identidade não é fundada somente em interesse objetivos. (MELUCCI apud VIANNA, 1999, p. 58). Assim o que está em jogo na formação da identidade coletiva são dois aspectos apontados por ele como: a existência de uma

compreensão da realidade partilhada pelos membros do grupo e certo reconhecimento emocional que permite aos membros identificarem-se e reconhecerem-se como tais. (VIANNA, 1999, p. 58).

Observando a prática pedagógica do MST ao direcionar uma forma de organização e de pensamento entre seus membros e mais ainda a partir das falas dos professores e das professoras apresentadas anteriormente nesse trabalho, percebe-se notadamente como essa definição apontada por Melucci adquire sentido. Exemplificando nosso raciocínio citamos novamente o professor Neto. Ele diz: Dizer que sou do MST é um orgulho, digo em qualquer lugar aonde vou que estou ajudando na construção de um projeto de liberdade, vida e produção.

O que o professor nos coloca é a noção de coletividade, de pertencimento a um grupo, de um agir baseado numa ação conjunta onde seus objetivos e conquistas não são pensados individualmente, mas se articulam considerando uma intenção maior que seria a do Movimento.

Encontramos aporte no pensamento de Castells (1999) quando discorre sobre a identidade de projeto. Sua definição coincide com o que estamos pensando sobre identidade coletiva. Para ele, a construção da identidade de projeto é possível quando os seres sociais, utilizando-se de qualquer tipo de material cultural ao seu alcance, constroem uma nova identidade capaz de redefinir sua posição na sociedade e, ao fazê-lo, de buscar a transformação de toda a estrutura social. (CASTELLS, 1999, p. 24).

Baseando-nos nessa afirmação buscamos atentar para as falas dos professores/as tentando identificar a existência da identidade coletiva construída especialmente a partir da participação no MST. As definições apresentadas pelo autor entram em sintonia com alguns relatos, entre eles o da professora Mara quando ela diz: No Movimento a vida tomou outro

rumo, a cada dia construo um pouco de mim mesma e ajudo as pessoas que estão ao meu redor.... Da mesma forma o professor Marcos vem dizer que: A vivência no MST fez de mim um novo ser, nasceu no meu interior um sentimento de luta [...] Em todos os lugares que vou estou difundindo as idéias de que um mundo mais justo e fraterno é possível.

Esse tipo de identidade só se desenvolve quando o indivíduo passa a condição de sujeito, pois para Castells (1999) ser sujeito não é o mesmo que ser indivíduo. Sujeito é nas palavras do autor: ...o ator social coletivo pelo qual indivíduos atingem o significado holístico da experiência. (CASTELLS, 1999, p. 26).

Nesse sentido, somente para o sujeito é possível existir uma identidade de projeto, pois ao assim assumir-se ele passa a ser ator no sentido de agir a partir de um objetivo, nesse caso, o da transformação social, não pensando ou agindo sozinho, mas a partir de um pensamento maior presente na coletividade.

É nesse sujeito onde vamos encontrar o que o autor chama de identidade de projeto. Nos referimos ao professor Neto para exemplificar como ele se percebe dentro de um espaço de formação, o MST, onde a idéia de coletividade é muito presente. O MST para mim é tudo o que eu queria pensar, queria dizer, compreender, fazer e não conseguia. Hoje me vejo construindo meus anseios coletivos no meio de muitos [...] estou ajudando na construção de um projeto de liberdade, vida e produção.

Castells (1999) vem nos dizer que: ...a construção da identidade consiste em um projeto de uma vida diferente, talvez com base em uma identidade oprimida, porém expandindo-se no sentido da transformação da sociedade como prolongamento desse projeto de identidade. (CASTELLS, 1999, p.26). É, portanto no coletivo que o sujeito encontra essa forma de sobressair-se de uma situação opressora, na partilha dos ideais que consideram poder alcançar. Esse pensamento nos remete novamente ao professor Neto

quando ele relata: O MST fez com que eu tivesse coragem de denunciar e gritar contra as injustiças [...] No Movimento senti minha caminhada se alongar [...] Engrossei a fileira da marcha de milhares de companheiros/as que seguem lutando contra o poder opressor.

Percebemos em suas palavras essa identidade reprimida a que o autor se refere, ao mesmo tempo em que encontra no Movimento a possibilidade de mudança não apenas individual, mas expandindo também para o coletivo. Esse último espaço de formação, o MST, tem aparecido como um forte referencial para aquilo que eles pensam realizar, individual ou coletivamente, ou ainda como respostas para alguns conflitos que os acompanham em alguns casos desde a infância.

O que colocamos até aqui sobre a construção da identidade pode ser encontrado em Caldart (2002) quando ela aponta para uma definição de identidade que tem estreito vínculo com as falas dos professores/as, principalmente no momento em que se reconhecem como sujeitos Sem-Terra.

Esse reconhecimento se dá, sem dúvida, a partir do pertencimento ao Movimento, de identificação com a causa e os objetivos do grupo. Para a autora:

Uma identidade é uma marca de pertencimento a um determinado grupo, que se diferencia de outros, ou que se contrapõe a outros grupos, outros traços de cultura, outro jeito de ser. Pode ser, pois, de conformação ou de resistência ao ambiente original em que se origina (CALDART, 2002, p. 83).

Podemos perceber, nas falas dos professores, como essa identidade de projeto está presente. Conforme já apontamos, há em muitos trechos a idéia de pertença ao Movimento, mas também há uma identificação muito forte com a Família, principalmente na aceitação do modelo de educação e na defesa dos valores que ela defendia como verdadeiro. Também

há identificação com a Escola, mesmo que, nesse convívio, tenham ocorrido momentos desagradáveis, esse espaço se constitui realmente como local onde alguns valores são aceitos e determinadas atitudes são desenvolvidas no coletivo. Foi possível observar esse mesmo aspecto ao se referirem ao Trabalho, enquanto espaço de formação. Além de aparecer como uma forma de ajudar na renda familiar, o convívio com os pares desenvolveu formas de pensar coletivamente.

Tendo discorrido sobre essa relação entre os espaços de formação do sujeito e a construção de uma identidade individual e coletiva, buscamos estabelecer esse vínculo entre a forma como entendemos os diferentes posicionamentos dos professores/as e o pensamento de alguns autores que consideramos de relevante importância para nos ajudar nessa reflexão.

Nossa intenção é mostrar como o sujeito se forma a partir de uma cultura. Essa formação que se dá em todos os lugares e das mais variadas formas contribui para a construção da identidade individual e coletiva.

Entendemos que, como homem, ele desenvolve sua capacidade de pensar e agir. Esse pensar, seguido da ação reflexiva, crítica e transformadora ocorre quando o sujeito tem consciência do lugar que ocupa na sociedade e busca através da ação participar de forma ativa e do processo histórico.

O eixo central da discussão que aqui foi proposta tem como foco essa relação entre o sujeito e a comunidade, entendendo-a como criadora e ao mesmo tempo reveladora de sua identidade individual e coletiva.

A compreensão sobre quem é o sujeito do qual estamos falando, no caso o professor, passa necessariamente pelo entendimento desse processo onde sujeito e comunidade interagem numa troca constante de saberes.