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Na opinião da professora Márcia a disciplina e o aspecto conservador da escola, foram positivos no sentido de ter contribuído para que ela aprendesse a se relacionar melhor com as demais pessoas. Em sua opinião isso também foi importante para que ela se destacasse como uma boa aluna diante dos colegas.

Ao mesmo tempo em que aponta os aspectos positivos ela chama atenção para a falta de diálogo com o professor o que, em sua opinião, reduziu sua participação como aluna.

Um outro problema que destaca como decorrente dessa experiência escolar é a timidez que, adquirida na sua vivência escolar, lhe acompanha ate hoje. Assim ela relata:

Estudar numa escola tradicional foi positivo porque me ajudou na minha formação pessoal, na convivência com as pessoas e acima de tudo, consegui ser uma boa aluna, pois sempre fiquei entre os que tiravam as melhores notas; porem uma das marcas que carrego até hoje é não ter tido oportunidades de dar sugestões ou ter direito de opinar entre o querer ou não querer participar de atividades. Isso gerou em mim uma timidez que até hoje me sinto constrangida quando tenho que opinar.

O que gostaríamos de chamar a atenção, nessa fala, é como o sujeito desenvolveu uma forma de pensar a escola. Se por um lado elogia a escola por ser disciplinadora, pois isso contribuiu para que ela fosse uma boa aluna, ao mesmo tempo aponta o aspecto negativo que isso lhe trouxe como a timidez que até hoje lhe acompanha. A formação, para

ela, está acompanhada da ordem, da obediência e do respeito defendidos pela escola. Talvez esses sejam alguns dos valores que a mesma lhe deixa.

O aspecto tradicional

Quando relembram da escola alguns professores trazem lembranças e marcas deixadas por alguns professores que eram extremamente rigorosos. Ao mesmo tempo em que também têm como forte lembrança quando o professor é carinhoso, meigo e compreensivo.

A professora Rosa passou por experiências bem semelhantes à das colegas citadas acima, onde uma rígida disciplina imposta pela professora deixou marcas que ate hoje estão presentes. Ela diz: lembro-me muito de uma que tive professora na infância, ela era totalmente tradicional e foi quem me deixou ate hoje traumatizada, pois seus alunos jamais poderiam se expressar e muito menos dar opinião em sala de aula.

O professor Arthur também é categórico ao relembrar como foi tratado nas duas primeiras escolas que freqüentou. Conforme relata:

Estudei meu jardim da Infância no pequeno Príncipe, o qual eu nunca vou esquecer porque meus primeiros anos de vida foram de total liberdade e na escola seguinte que freqüentei fiquei sabendo o que era uma prisão. A professora mais parecia uma “mula brava” de tão ignorante. Dessa escola não me resta lembranças porque só ficou na memória alguns colegas e a servente que tinha por mim muito carinho e atenção.

No seu relato é possível observar como ele se refere aos dois tipos de tratamento recebido. Na primeira, a sensação de liberdade, na segunda, de prisão. O tratamento dado a ele pela professora e pela funcionária foi marcante no sentimento que ficou da escola.

A contribuição dos antigos professores

Alguns professores como Edileuza relembra de alguns momentos da vida escolar a partir do trabalho desenvolvido por sua primeira professora. Ao mesmo tempo em que destaca pontos positivos, ainda se refere a influencia que essa professora tem hoje na sua dinâmica de sala de aula. Relembrando ela fala:

A minha primeira professora foi a Srª Jandira. Dela tenho boas recordações, ela era bem descontraída e amigável com muito afeto e carinho por toda a turma. Como ela era muito dinâmica eu aprendia com mais facilidade e não cansava de assistir suas aulas. Dela, ainda trago comigo esses valores e que com certeza estão contribuindo no meu trabalho em sala de aula”.

Podemos perceber que, nesse caso, a escola, na fala professora Edileuza foi formadora ou inspiradora de sua prática pedagógica. O ideal de professora amiga, descontraída, carinhosa, afetuosa e dinâmica parece-nos que foram algumas das principais qualidades que representaram uma marca de referência durante sua passagem pelos primeiros anos escolares e que repercutem até hoje em seu trabalho.

Temos percebido que nem sempre a escola deixa boas lembranças. Na opinião do professor Neto ela lhe traz boas e más lembranças. Ele divide sua história escolar em dois períodos. O primeiro que seria ate a 4ª série e depois dela. Suas experiências escolares foram fatores de decisão sobre a profissão que segue hoje:

As professoras nunca me viram como uma criança, nem mesmo como uma criança travessa. Um dia a professora fez uma reunião só pra falar de mim e nesse dia ao lado da porta

da sala estava eu e minha mãe, nisso ela bateu com a mão no meu rosto e chorando fomos nós para casa. Ate a 4ª série foi angustiante. As cicatrizes nunca se apagaram e devido o que sofri nesse período disse a mim mesmo que um dia seria um professor para ensinar naquele colégio e daí decidi ser um educador, um pedagogo. (...).

Como relata em seu texto, Neto passou por situações bem constrangedoras e por vezes humilhantes na escola. A análise que faz dessas experiências é que tudo aconteceu por ter sido sempre filho de família pobre. É provável que essa análise que faz das ações da professora e da escola como um todo, sejam decorrentes de sua concepção de mundo dada a partir de sua condição econômica. Talvez ouvindo a professora teríamos uma outra maneira de conceber aqueles momentos.

O mesmo faz alusão a uma professora colocando-a como referência. No seu depoimento ele diz:

Na minha 5ª série lembro-me de uma educadora chamada Claudia. Com ela muito aprendi com seu jeito crítico. Era sincera e questionadora. Ela fez com que eu visse o outro lado da moeda. A historia de sua vida é para mim um exemplo.

Da mesma forma que os relatos anteriores apontam para o papel do professor, encontramos nas palavras da professora Aretusa uma enorme demonstração de carinho e afeto por sua primeira professora. Apresenta vários exemplos de como essa influencia foi positiva não somente para sua vida escolar, mas para sua atividade como docente atualmente. Ela Relata:

Minha professora da 1ª série, Lucília, marcou positivamente a minha vida escolar: a caligrafia que grafo meus escritos, a afetividade que hoje tenho para com meus alunos, enfim devo muito a ela. Tratava com carinho e paciência. Foi exemplo para mim. Facilitava a aprendizagem de seu alunado. Fui alfabetizada rapidamente e isso graças a minha educadora com seu formidável empenho.

Ao se posicionar sobre a escola é inegável o papel dos primeiros professores na formação. A escola deixa de ser vista enquanto espaço institucional, educativo e o professor é quem assume a condição de principal agente, pois é dele que o aluno está convivendo, no contexto escolar, de forma mais direta.

Contudo, o que se revela é que fica claro o aspecto formador da instituição escolar dentro dos mais variados aspectos. Há a formação de valores e a influência desses na concepção que se tem da escola e nas situações diárias. A qualidade do ensino e outros problemas escolares, vividos nessa etapa são omitidos e quando lembrados geralmente são analisados sob um ponto de vista positivo. Em nenhum momento foi feito referência a aspectos de conteúdo ou currículo. Mas, em nenhum momento foi omitida, em suas falas, essa formação ampla de preparação para a vida que a escola parece oferecer, na opinião dos professores pesquisados.

O Trabalho

“Minha infância foi dividida em três momentos: o primeiro deles foi tomar conta da casa. Nesse momento comecei a entender o que é ter responsabilidade. No começo foi difícil por ser muito jovem e homem. Levei algumas surras dos meus pais, mas foi com muito diálogo que consegui superar essa fase. Tive que aprender a lidar com os preconceitos que os colegas e primos tinham sobre a minha pessoa que fazia as tarefas domésticas como, cozinhar, lavar, limpar e passar roupa. Um fato interessante é que por conta disso, minha irmã me chamou de mãe até os dois anos”. Aluno do curso Pedagogia da Terra / UFRN

O trabalho

A origem dos professores pesquisados tem em comum o fato de terem nascido em famílias carentes. Moravam, quando crianças, ou em cidades muito pequenas ou na zona rural. Segundo os relatos, nessas realidades a vida sempre foi acompanhada por muitas dificuldades. Assim, era comum a prática do trabalho, em idade escolar, no núcleo familiar no sentido de ajudar seja nas tarefas de casa, na roça ou ainda em alguma atividade que produzisse renda para a família. Quando observamos a opinião dos professores sobre o trabalho percebemos que os mesmos fazem referencia a essa época relacionando com o abandono aos estudos.

Assim, entendemos que a noção de trabalho deixa clara a concepção desse espaço como formador. É nesse primeiro ambiente de trabalho, local de produção material, que as relações entre os membros da família e outros amigos que ali freqüentavam iam se estabelecendo.

Naquele momento de suas vidas, eram construídas as primeiras impressões sobre o trabalho, enquanto atividade econômica e de subsistência, ao mesmo tempo em que surgiam as primeiras impressões do universo simbólico que os pais faziam questão de associar ao trabalho: a disciplina e a obediência.

Abaixo apresentamos alguns depoimentos que comprovam nossa observação. O relato da professora Raquel é bem próximo a essa nossa observação. Conduzida ao trabalho desde os 07 anos de idade ela enfrentou não só as atividades domésticas, mas também outras que completassem a renda familiar. Ela diz:

As condições econômicas da minha família sempre foram precárias e desde cedo, todos nós, éramos obrigados a trabalhar na lavoura e em casa. Com relação ao trabalho infantil foi uma constante, aos sete anos de idade já tinha que tomar conta da casa e das irmãs mais novas, especialmente da 12ª irmã. Em grande parte da minha infância tive que trabalhar na roça para ajudar no orçamento familiar.

O que aparece como predominante é que o trabalho está sempre relacionado a questão da subsistência da família.

O professor Rafael aponta as tarefas a que era acostumado a fazer. Além das tarefas domesticas havia os trabalhos na roça.

Comecei a trabalhar ainda criança (...) As tarefas domésticas se resumiam a pegar água em lombo de animais para os serviços de casa, pois morávamos distante do rio e também pegava lenha para fazer a alimentação. Nos serviços agrícolas ajudava meu pai e meus irmãos a cultivar a lavoura (...) bem como ajudava a fazer a colheita (...) não foi a infância que eu queria, pois grande parte dela tive que trabalhar duro para ajudar no orçamento familiar, embora tudo isso me ajudou na formação do meu caráter”.

O mesmo não reclama, pelo contrario, afirma que a dedicação ao trabalho foi um elemento que contribuiu para a formação de seu caráter. Sentimos a ausência de uma crítica no que se refere ao fato dessas atividades atrapalharem o andamento escolar, comprometendo assim sua freqüência ou desempenho.

Da mesma forma que Rafael não reclama de ter trabalhado logo cedo, a professora Aretusa também vê nisso um aspecto positivo. Interessante observar que o trabalho da roça que comumente é dedicado aos meninos, nos relatos ele também faz parte das atividades das meninas. A professora sente que o trabalho foi o que o levou

a deixar os estudos, para dizer em seguida que não se arrepende de ter trabalhado tão cedo, sem, no entanto fazer alguma análise desse aspecto positivo.

Eu e o meu irmão mais velho tivemos que abandonar por um período a sala de aula para trabalhar no campo. Comecei a trabalhar aos sete anos de idade na lavoura com meu pai e meu irmão mais velho e apesar de ter atrasado os estudos não me arrependo de ter “pegado no batente tão cedo”.

Um pouco mais adiante, entendemos o porquê de sua afirmativa. Para ela, o trabalho ao qual teve que se dedicar tão cedo teve, na opinião do pai, um argumento muito forte, qual seja o de estar associado a valores como respeito e dignidade.

Em síntese, o que podemos perceber, no comentário dos dois professores é que, a idéia de trabalhar na idade escolar aparece como uma necessidade da qual eles não reclamam. Isso pode se dar devido haver uma estreita ligação entre esse trabalho e a família. Novamente, aparece a imagem de uma família perfeita onde nem mesmo o fato de ter que abandonar os estudos seria problema, desde que fosse para atender a uma necessidade familiar.

Além disso, o que nos chama atenção é a relação entre o trabalho e determinados valores que, na opinião dos professores, foram desenvolvidos a partir desse convívio.

A mesma professora afirma:

Para meu pai “o trabalho é uma forma justa de buscar a sobrevivência” com ele assimilei os valores que vem junto a prática do trabalho como: vida, respeito ao outro, dignidade entre outros e tenho-os como princípio de vida e esses formaram os pilares de minha personalidade.

A professora Ana Lúcia também relembra da época em que teve que parar de estudar para se dedicar ao trabalho. Apesar de não querer deixar de estudar as condições financeiras o levaram a abandonar os estudos: Ela relata:

Quando me ausentei do processo escolar foi por necessidade, pois estávamos passando por momentos difíceis nas condições financeiras (...) Fui trabalhar como doméstica (...) Esse foi o dia mais triste da minha vida, meu coração estava partido e eu não sabia o que fazer, além de parar de estudar não queria ficar longe da minha família”.

Nesse depoimento percebemos que a professora mostra-se desconfortável em relação ao trabalho por duas razões: a primeira seria deixar de estudar e depois o fato de ausentar-se da família. Entendemos que, diferente dos anteriores, não há qualquer relação entre trabalho e valores e também nos chama a atenção as diferentes formas deles se posicionarem.

Nos depoimentos anteriores o trabalho era visto como positivo mesmo que custasse o abandono aos estudos, mas se tratava de trabalhar com a família na roça, ou seja, no convívio familiar, daí a relação com os valores a que eles se referiam. Nesse último, o distanciamento da família e o abandono aos estudos deram-se em função de um trabalho que não era junto com os membros da família. Ser doméstica numa casa de outras pessoas, não é o mesmo que ajudar os pais na roça.

Isso nos ajuda a pensar sobre o trabalho como espaço mesmo de formação: o que pensamos sobre ele e as concepções de mundo que dele apreendemos podem estar associados às relações que nesse espaço são estabelecidas.