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“As pessoas que são capazes de se renovarem constantemente dentro de um universo de luta, são sujeitos capazes de forjar a sua própria história, transformá-la e se transformar num processo em que exige, de cada um, esforço, determinação e sem sombra de dúvida muita esperança, pois sem ela não tem nenhum sentido lutar. A luta nasce da esperança e a esperança é fruto de muita luta”.

O Movimento

Quando decidimos por analisar a presença da formação do MST nos textos dos professores é porque entendemos que como pertencentes ao Movimento seria fácil identificar esse elemento nos seus textos.

Nesse sentido concordamos com Caldart (2004) quando defende a idéia de que: ...olhar para a formação dos sem-terra é enxergar o MST também como um sujeito pedagógico, ou seja, como uma coletividade em movimento, que é educativa e que atua intencionalmente no processo de formação das pessoas que a constituem (CALDART, 2004, 315). Mesmo que, na opinião da autora, as teorias pedagógicas não considerem o Movimento como uma instancia educativa, não se pode desconsiderar o papel formador que acontece no seu interior através das ações desenvolvidas junto aos militantes.

Segundo Caldart (2004) o caráter pedagógico do Movimento está bem evidente quando observamos que na formação dos sem-terra o MST atua: como uma coletividade em movimento que produz uma referência de sentido a cada ação, estrutura ou sujeito que constituem o seu cotidiano. (CALDART: 2004, p. 328). Nesse aspecto, a atuação do Movimento na formação educativa dos Sem-Terra não se limita apenas ao papel da escola, mas a uma formação humana que engloba o refletir e o agir dos membros em todos os aspectos da vida cotidiana.

A partir dessas referências passamos a analisar os textos dos professores observando a influencia do MST na formação de cada um. Pudemos perceber que todos eles demonstram, claramente, as mudanças provocadas em suas vidas a partir do momento que passaram a fazer parte do Movimento. Os relatos são bastante semelhantes. E, pelo que

pudemos observar nas suas falas, o envolvimento com o MST representou uma resposta para os problemas que cada um passava.

A professora Mara não nega a influencia que o MST trouxe para sua vida. No seu texto encontramos as palavras de uma pessoa que passou por situações extremas de dificuldades, mas que no Movimento tem encontrado forças para enfrentar novos obstáculos. Conforme ela relata:

No Movimento a vida tomou outro rumo, a cada dia construo um pouco de mim mesma e ajudo as pessoas que estão ao meu redor. Olhando para o meu passado sei que sofri muito, mas vejo isso hoje como um aprendizado para minha vida como militante, pois conheço os dois lados da vida. Sei que ainda irei enfrentar dificuldades, mas já sou forte o bastante para seguir em frente.

A idéia de formação aparece quando a professora assume a condição de estar num processo de construção ao mesmo tempo em que considera as experiências vividas como fontes de aprendizado. Entendemos que conhecer os dois lados da vida significa, para ela, ter dois grandes momentos como referência: antes e depois do Movimento. Sem dúvida, pela sua fala, percebemos que são dois momentos, dos quais ficaram lições que lhe são fontes de conhecimento.

Segundo o professor Elias as dificuldades vividas anteriormente foram superadas a partir do momento em que passa a conviver no coletivo do Movimento. Também é muito forte o sentimento de pertencimento, enquanto militante. Conforme ele escreve:

A vivencia no MST fez de mim um novo ser, nasceu no meu interior um sentimento de luta. Senti que era hora de buscar justiça por tudo o que eu havia passado na

vida (...) O MST revolucionou minha vida, rompi com os ideais de preconceito e ignorância que eu tinha (...) Para mim o Movimento é uma mãe capaz de acolher mais um entre tantos excluídos da condição de serem pessoas livres. Em todos os lugares em que vou estou difundindo as idéias de que um mundo mais justo e fraterno é possível.

Pelas suas palavras, é inegável a influência do Movimento. Isso é percebido não apenas na forma de pensar sobre determinadas coisas, como ele se posiciona no início, mas na concepção de mundo que acredita e defende.

Nesse depoimento de Elias encontramos estreita relação com uma das funções pedagógicas do MST apontada por Caldart (2004): a pedagogia da luta social. É nela que está a idéia de mudança, de transformação do mundo. É nessa batalha pela mudança que está um forte aprendizado, que é o de:

...aprender a produzir utopias, no sentido de construir um olhar para a vida e o mundo que projete futuro e um futuro balizado na convicção de que tudo pode ser diferente do que é. Se a realidade pode ser outra, então também é possível imaginar, projetar como ela virá a ser, se assim for feita. (CALDART, 2004, p. 335).

Nesse propósito muitos integrantes do Movimento acreditam, e esse é um dos elementos mais presentes nos relatos dos professores.

O professor Rafael destaca que sua dedicação ao Movimento foi um dos fatores que o torna um dirigente de grupo. O engajamento nas ações do Movimento lhe desenvolveu um sentimento de pertença muito forte. Conforme ele relata:

No primeiro ano que entrei para o MST fui logo me envolvendo na luta da escola e dos assentados, participando

de reuniões para construção de escola e para outros fins, assembléias, ocupações, mobilizações, marchas, negociações, seminários, cursos, e trabalhos coletivos do assentamento. Todo esse desenvolvimento que fui tendo no interior do Movimento e a minha participação como assentado fez com que eu me tornasse um sujeito Sem-Terra do MST e hoje não tenho nenhum constrangimento de fazer parte dessa família.

Torna-se muito evidente o caráter formador do Movimento. Isso implica no desenvolvimento do sentimento de pertença, de defesa da causa e de um ideal de luta. È como se o Movimento renovasse as forças dos sujeitos envolvidos no processo dando-lhes renovação, força e coragem para ir a luta. O sentimento de pertença faz o sujeito assumir-se como membro de um coletivo.

No depoimento da professora Katia esse aspecto é muito forte, conforme ela destaca:

O MST foi e continua sendo uma das maiores escolas para mim porque eu continuo aprendendo a viver, a cooperar, a unir, a lutar e vencer, a desafiar e acima de tudo ter compromisso e ser fiel a essa Organização que me ensinou a reinvidicar meus direitos e perder a vergonha de ser uma sem-terra, alguém da classe trabalhadora. Ser Sem-terra é ser companheira, é ser útil a vida”.

Conforme Edileuza relata abaixo, fazer parte do Movimento foi fundamental para que ela passasse por uma mudança radical na sua forma de interpretar o mundo e de agir com o outro. Assume a condição de aprendente tanto na condição de profissional como militante, além do que destaca o despertar do ideal coletivo em suas ações. Assim ela diz:

Hoje adquiri outros hábitos e tenho uma outra visão de mundo. Esse movimento social me humanizou, me educou

em todos os aspectos. A cada dia que passa adquiro novos conhecimentos com meus educandos e colegas de trabalho. Os encontros regionais e estaduais que o Movimento organiza e as reuniões do coletivo da escola me faz entender a importância da coletividade.

Na concepção do professor Jonathan merece ressaltar o processo de formação que, segundo ele, o Movimento tem fornecido para sua atuação enquanto militante. Para o mesmo, a formação ao qual está submetido pauta-se num processo onde ele aprende, mas ao mesmo tempo ensina o que nos dá a idéia de um sujeito em constante formação, mas também numa recíproca construção de saberes entre ele seu meio. No seu texto ele expressa:

Toda essa minha participação no Movimento está contribuindo com a minha formação política, social, pedagógica e cultural. É justamente essa dinâmica do Movimento que possibilita um processo de ensino- aprendizagem, levando-me a enxergar o mundo e suas contradições e fazendo-me atuar nesta realidade de forma consciente, contribuindo para a formação de uma sociedade mais justa”.

Na concepção do professor Neto estar no Movimento deu-lhe a sensação de liberdade, de se expressar, de ser o que sempre pensou. No seu relato pode-se perceber, muito fortemente, o sentimento de pertença, o desenvolvimento do ideal de coletividade e a certeza de estar contribuindo para um projeto de construção de uma nova sociedade. Segundo ele:

O MST fez com que eu tivesse coragem de denunciar e gritar contra as injustiças cometidas. Devo o que sou hoje as vivencias partilhadas no Movimento (...) No Movimento senti minha caminhada se alongar, vi que outros passos a historia me cobrava. Engrossei a fileira da marcha de

milhares de companheiros/as que seguem lutando contra o poder opressor (...) O MST para mim é tudo o que eu antes queria pensar, queria dizer, compreender, fazer e não conseguia. Hoje me vejo construindo meus anseios coletivos no meio de muitos. O Movimento é a consolidação da minha utopia. Dizer que sou do MST é um orgulho, digo em qualquer lugar aonde vou que estou ajudando na construção de um projeto de liberdade, vida e produção.

Quando vemos a posição colocada pela maioria dos educadores ao se referir ao Movimento percebemos um sentimento de pertença muito forte. Entendemos que esse sentimento pode ser atribuído ao caráter pedagógico do próprio Movimento. Os valores e as posturas que os educadores assumem neste momento de suas vidas têm uma relação direta com os ideais colocados pelo MST. Há uma identificação de natureza ideológica principalmente quando eles assumem-se enquanto Sem-Terra ao mesmo tempo em que criam uma identidade coletiva em torno não apenas da comunidade a que pertencem mas também em relação ao Movimento enquanto instituição. Caldart (2004) traduz esse pensamento quando afirma:

Existe uma intencionalidade pedagógica especifica do MST em relação ao processo através do qual uma ação pode ser transformada em saber, em comportamento, em postura, em valor, em símbolo, em objeto. È assim que o Movimento foi historicamente construindo a figura do sem-terra, primeiro como afirmação de uma condição social: sem-terra, aos poucos não mais como uma circunstancia de vida a ser superada, mas como uma identidade de cultivo: Sem terra,

sim senhor! (CALDART: 2004 p. 365).

Quando analisamos as impressões deixadas pelo MST nas falas dos educadores percebemos que essas impressões estão muito presentes, pois ao falar o sujeito não se desvincula do contexto cultural. As dimensões pedagógicas presentes no Movimento atuam

no sentido de criar entre os membros um sentimento de pertença, portanto de construção de uma identidade que respalda todas as ações desenvolvidas pelos educadores. É Caldart (2004) quem define bem o poder das dimensões pedagógicas do Movimento. Para ela:

...É possível encontrar as pegadas educativas do Movimento na produção cultural dos sem-terra que vem traduzindo, ou pelo menos projetando, sua luta e sua própria dinâmica do MST especialmente em valores, em convicções ou princípios, em ideias e saberes, em posturas, ou mesmo em uma cultura

material que se enxerga, se apalpa ou se vive nos tempos e

lugares ocupados (efetiva e afetivamente) pelo Movimento, seja nos acampamentos, nos assentamentos, nas marchas, nos cursos de formação, nas escolas, através das relações sociais, do jeito de produzir e de reproduzir a vida, da mística, dos símboilos, dos gestos, da religiosidade, da arte... (CALDART: 2004, p. 362)

É com essas observações que encerramos essa segunda parte quando mostramos como os educadores vão construindo determinadas formas de pensamento e de ação tanto individuais como coletivas considerando os elementos de formação cultural que estão ao seu redor.

Na próxima parte estaremos refletindo a partir das falas aqui apresentadas como alguns autores percebem esse processo de construção que resulta na existência de uma identidade individual e coletiva no sujeito.

Diálogos 2