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Decorrente de um trabalho que já vinha sendo desenvolvido pelo Setor de Educação do MST, o Magistério da Terra, (Ensino Médio) prepara professores para desenvolver atividades ligadas a educação nos assentamentos, enquanto o curso Pedagogia da Terra é organizado para atender a demanda de escolarização das populações do campo e tem início com a luta dos Movimentos Sociais para garantir a formação de professores em Nível Superior.

Numa parceria que envolve o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária/PRONERA1, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária/INCRA, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra e a Universidade, o primeiro curso a ser implantado foi na Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do

Sul/UNIJUI em 1998. Depois, outras Instituições de Ensino Superior como a Universidade Federal do Pará/UFPA, a Universidade Federal do Ceará/UFC, entre outras, firmam parcerias e implantam o Curso com o mesmo objetivo.

Gostaríamos de nos deter um pouco sobre a implantação do curso na UFRN, visto que, é nesta IES onde estão os sujeitos com quem dialogamos neste trabalho.

Na UFRN o Curso é realizado através de uma parceria entre a Universidade, o PRONERA, o INCRA e o MST.

1 O Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária – PRONERA, teve origem no I Encontro Nacional

de Educadoras e Educadores da Reforma Agrária (ENERA), realizado em Brasília no ano de 1997, promovido pelo MST em parceria com a UnB, a Unesco, o Unicef e a CNBB. Seus objetivos buscam contemplar as seguintes especificidades: alfabetização e escolarização de jovens e adultos no ensino fundamental e escolaridade de educadores (as) em áreas de Reforma Agrária; formação continuada e escolaridade de professores (as) de áreas de Reforma Agrária (nível médio normal ou em nível superior por meio das licenciaturas); formação profissional conjugada com a escolaridade em nível médio por meio de cursos de nível técnico ou superior em diferentes áreas do conhecimento e formação de estudantes e qualificação de profissionais para a assistência técnica.

A implantação do Curso tem início quando o MST procura dialogar com a Universidade buscando pensar a organização do curso. Em virtude das discussões já presentes no Departamento de Ciências Sociais do Centro de Ciências Humanas Letras e Artes – CCHLA dentro dos Movimentos Sociais essa proposta é primeiramente discutida por ele e só depois se estende ao Departamento de Educação, considerando o objetivo do Curso que seria a formação de professores. Outros fatores contribuíram para que esse Departamento assumisse essa coordenação, entre eles: a considerável experiência em participar de programas de formação de professores em parcerias firmadas com o poder público (prefeituras e Estado) como exemplo, o PROBASICA2.

Os professores do Departamento de Educação, como principais profissionais envolvidos nesse processo de formação inicial, têm essa experiência acumulada tornando-os, assim mais envolvidos nessa discussão sobre formação de professores e o estudo das realidades local e regional.

Aceito o desafio, os passos seguintes seria a elaboração do projeto para a criação do Curso e a apreciação para aprovação pelos órgãos competentes.

A implantação do Curso se pauta em argumentos como: primeiro a necessidade de expandir a escolarização básica para as populações dos assentamentos rurais organizados pelo MST, considerando uma significativa demanda de escolarização nesse setor, principalmente nos níveis da Educação Infantil, Ensino Fundamental e Educação de Jovens e Adultos.

Contudo, para atender ao propósito da expansão necessário seria aplicar um maior investimento na formação de professores que pudessem atuar nessas comunidades.

2 O Programa de Qualificação para Professores da Educação Básica/PROBASICA da UFRN tem como

objetivo a formação de professores para a Educação Básica através dos cursos de licenciatura plena e que resulta de convênios com o estado e as Secretarias Municipais de Educação.

Segundo, pela própria necessidade de se instalar um curso de Pedagogia que viesse atender, pelo menos em parte, às necessidades urgentes de formação docente para os assentamentos do Nordeste.

Considerando a população diretamente atendida, ela é composta por uma parcela de pessoas escolarizadas que poucas chances teriam de acesso ao Ensino Superior, visto que, em sua grande maioria, residem distantes das Universidades. E, mesmo que tivessem acesso a esse nível de ensino, dificilmente os cursos de graduação, como Pedagogia, por exemplo, teriam uma discussão que levasse em conta as especificidades da Educação do Campo e principalmente que atendesse as discussões políticas do MST do qual quase todos eles fazem parte.

Nessa perspectiva, o Curso foi pensado com o propósito de:

Habilitar professores por meio do Curso Superior para o exercício da docência em Educação Infantil e nas séries iniciais do Ensino Fundamental regular e para Jovens e Adultos e para atividades de coordenação e assessoramento pedagógicos em escolas, instituições do sistema educacional e projetos educativos existentes nas áreas de assentamentos”. (Conforme Projeto Político Pedagógico do Curso).

Na sua proposta podemos perceber que sua especificidade é, sem dúvida, a formação de professores, mas há a preocupação de uma ampliação dessa formação para outros agentes educativos envolvidos no Setor de educação do Movimento. Ou seja, houve a preocupação com a formação não apenas do professor, mas com uma formação mais ampla, na tentativa de alcançar outros sujeitos que desenvolvem atividades pedagógicas nos assentamentos, como os coordenadores, assessores, organizadores de projeto, ou seja, pessoas envolvidas com o Setor de Educação do Movimento.

O que consideramos de estrema relevância no curso e que o diferencia dos demais é que na sua proposta se propõe a contribuir na implementação de propostas pedagógicas que venham valorizar o saber do homem do campo e assim criar perspectivas de melhoria na qualidade de vida dessas pessoas.

Para atingir os objetivos do Curso, a Comissão de implantação organizou uma proposta curricular que priorizasse as discussões sobre os interesses dos professores e a realidade dos assentamentos. Esse seria o ponto de partida do qual seriam organizados as disciplinas e os conteúdos desenvolvidos durante o Curso.

Baseado numa visão humanista, o Curso tem como princípios orientadores da estrutura curricular uma concepção de educação como prática humana. Nesse sentido ela é social, portanto histórica e mutável. Enquanto prática social ela deve servir de instrumento para que os educandos possam ter acesso ao conhecimento e a compreensão da realidade. Com isso, é possível muni-los de instrumentos que o façam refletirem sobre suas realidades buscando transformá-las.

Pensando assim, a educação deve ter como fim a emancipação individual e coletiva do sujeito, a inserção de relações mais justas e igualitárias, além de contribuir para a democratização e acesso ao conhecimento. O Curso defende ainda na sua proposta metodológica que o acesso ao conhecimento deve ser pautado num processo dialógico, crítico e criativo onde os professores e alunos possam ser sujeitos na construção do conhecimento.

No que se refere à prática pedagógica, a questão agrária deve ser o ponto de partida e chegada, elemento de referência entre as várias abordagens, priorizando a relação teoria-prática como fundamental na produção do conhecimento. Nessa dinâmica é indispensável que a prática seja vista sob o enfoque da teoria, pois é esta que se torna capaz

de reorientar a produção de um novo saber (de acordo com o Projeto Político Pedagógico do Curso).

No aspecto estrutural, o curso é organizado considerando uma duração de quatro anos que se divide em 10 etapas nas quais se distribui a grade curricular. As disciplinas são pensadas a partir das Diretrizes Curriculares para o Curso de Pedagogia (MEC/2001) considerando a articulação teoria e prática além de atentar para a formação diferenciada.

Para atender a esse aspecto o currículo procura envolver conteúdos e abordagens sobre Educação Especial, Educação Infantil, Educação Ambiental, Educação e Movimentos Sociais, Pluralidade Cultural, Saúde e Educação Sexual, além de temas mais específicos como: alternativas educacionais para o campo, questão agrária, cooperativismo e semi- árido.

É percebível como o curso de Pedagogia da Terra pode tornar-se um excelente espaço de discussão, pois vários aspectos se interconectam para isso: a começar pelo local de onde esses alunos vêm e de onde falam. São na sua grande maioria moradores de assentamentos, locais onde a realidade do campo aparece de forma mais real. O próprio discurso que trazem do Movimento é outro elemento enriquecedor visto que utilizando de um discurso eles o trazem para a sala de aula favorecendo a troca e a sistematização de saberes.

Um outro aspecto de extrema importância que não podemos deixar de destacar é a presença dos sujeitos do MST no convívio da Universidade. Essa oportunidade os faz ter acesso à produção da Ciência, dando-lhes a chance de associar os conhecimentos científicos com os saberes que trazem de suas experiências de vida, com a luta e com sua prática docente acrescentando-lhes um sentido mais teórico, mais sistematizado, portanto mais organizado. Essa presença do Sem-Terra na Universidade é de extrema grandeza e

necessidade, principalmente porque é nesse contexto que, em contato com pensamentos mais sistematizados, suas práticas podem ser interpretadas e reorganizadas o que contribui para a produção de novos conhecimentos.Molina (2006)destaca a importância que assume essa relação entre movimentos sociais e cursos formadores promovidos pelas universidades. Para ela:

Garantir a presença dos movimentos sociais do campo nos cursos superiores e, com eles, construir projetos de pesquisa que pensem saídas para os problemas do povo brasileiro que vive no e do campo, significa resistir aos interesses do sistema do capital à privatização do processo de produção do conhecimento que vem ocorrendo nas instituições públicas, ao mesmo tempo que se propõe uma outra lógica para esta produção, muito mais democrática e coletiva. (MOLINA in CALDART, PALUDO, DOLL, 2006, p. 08).

Concordamos com a autora no sentido de que os cursos de formação podem e devem contribuir com o incentivo à realização de projetos que visem atender as demandas das comunidades assistidas. Na verdade, não basta apenas interpretar a realidade, mas é fundamental saber agir sobre ela e isso se torna mais fácil com a democratização e universalização do conhecimento, tarefa essa não apenas reservada à Universidade, mas como instrumento mediador ela tem significativa parcela nessa função de contribuir para as transformações sociais.

Consideramos que essas conquistas dos Movimentos Sociais é resultado de uma luta que tem registrado avanços e que nessa luta ganham também as Universidades, pois passam a lidar com um segmento da sociedade que muito contribui para o crescimento intelectual e social da instituição.

Somando-se a esses resultados, recentemente assistimos à implantação do curso Pedagogia da Terra na Universidade do Estado do Rio Grande do Norte – UERN. Com essa participação, a UERN passa a ser, no Rio Grande do Norte, mais uma universidade que, em parceria com o Ministério do Desenvolvimento Agrário – MDA e alguns Movimentos Sociais como o MST e a Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Rio Grande do Norte/FETARN coloca no seu interior a presença do homem do campo e com isso abre espaço para a discussão da Educação do Campo e a participação dos Movimentos Sociais na instituição.

Consideramos esse aspecto de extrema relevância dada à expansão da UERN nos últimos anos conseguindo chegar a vários municípios atingindo uma significativa parcela da população da região onde está localizada. Expandir essa discussão no contexto da UERN é dar um grande passo na política de democratização do conhecimento, bandeira defendida pela instituição.