A FORMAÇÃO DO PROFESSOR EM DIFERENTES ESPAÇOS SOCIALIZADORES:
UM OHAR SOBRE OS ALUNOS DO CURSO PEDAGOGIA DA TERRA DA UFRN
GILBERTO FERREIRA COSTA
Banca Examinadora
_________________________________________________________ Profª Dra. Marta Maria Castanho Almeida Pernambuco
PPGEd/UFRN
__________________________________________________ Profª Dra. Sonia Meire Santos Azevedo de Jesus
UFSE
___________________________________________________ Profª Dra. Ana Lúcia Aragão
PPGEd / UFRN
__________________________________________________ Profª Dra Vera Lúcia Amaral
PPGEd/UFRN Suplente
Resumo
COSTA, Gilberto. F. A formação do professor em diferentes espaços socializadores: um ohar sobre os alunos do curso Pedagogia da Terra da UFRN. Natal. 2006. 180 p. Dissertação. (Mestrado). Programa de Pós Graduação em Educação. Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
Este trabalho se constitui numa análise sobre a formação do professor considerando determinados elementos de sua cultura. Parte-se do princípio de que o professor se constitui num sujeito que atua a partir de aspectos singulares, do ponto de vista individual, mas ao mesmo tempo interage com outros sujeitos num meio fortemente marcado pela cultura. Essas duas dimensões são constituintes das características sócio-culturais e podem ser vistas na perspectiva da identidade individual e coletiva. A partir desses pressupostos elegemos como referência, quatro espaços de formação: a Família, a Escola, o Trabalho e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra/MST observando como os professores se referem a esses espaços destacando, em particular, os aspectos formativos apontados. Os sujeitos pesquisados são professores envolvidos nos Setores de Educação de comunidades assentadas e que atualmente estão no curso de formação Pedagogia da Terra da Universidade Federal do Rio Grande do Norte/UFRN. Para nossas análises, utilizamos textos narrativos, escritos pelos professores, como conclusão da disciplina História da Educação Brasileira onde os mesmos relatam suas histórias de vida. As falas nos mostram como os espaços de referências são formadores de suas concepções de mundo, atitudes e valores que se mesclam não apenas numa dimensão individual, mas também coletiva. A pesquisa leva a refletir sobre a possibilidade de se pensar a ação docente a partir dessa compreensão de formação ampla considerando os elementos presentes nos percursos de vida do professor.
Abstract
COSTA, Gilberto. F. Teacher's formation in different social spaces: a look at the Pedagogy Course students of the Region from UFRN. Natal. 2006. 180 p. Dissertation. (Master's degree). Pos-Graduation Program in Education. Rio Grande do Norte Federal University.
This work is an analysis about the teacher's formation starting from certain aspects of its culture. It is supposed that the teacher is constituted in an individual that acts starting from singular aspects, in an individual point of view, but at the same time it interacts with other individuals in an environment strongly marked by the culture. Those two dimensions are representatives of the socio-cultural characteristics and they can be seen in the perspective of the individual and collective identity. Based on those presuppositions we chose, as reference, four environment of formation: the family, the school, the work and the Movement of the Rural Workers Without-Soil/MST (MST: The without-soil-ones in Portuguese) observing as the teachers refers to those environment highlighting, mostly, the formative aspects stood out. The individuals researched are teachers involved in the education of settled communities, who are students of the Earth Pedagogy course of the Universidade Federal do Rio Grande do Norte/UFFRN. For our analyses, we used narrative texts, written by the teachers, as conclusion of the discipline History of the Brazilian Education in which they tell their life histories. The speeches show as the environments of reference influence in their world conceptions, attitudes and values that not just mix in an individual dimension, but also collective. The research make us reflect about the possibility to think on the educational action starting from that understanding of wide formation considering the present elements in the courses of teacher's life.
Lista de Siglas
CCHLA – Centro de Ciências Humanas Letras e Artes
FETARN – Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Rio Grande do Norte
GPTEC – Grupo Permanente de Trabalho de Educação do Campo
IES – Instituição de Ensino Superior
INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
MDA – Ministério do Desenvolvimento Agrário
MEC – Ministério da Educação e Cultura
MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra
ONGs – Organizações Não Governamentais
PROBÁSICA – Programa de Formação de Educadores da Educação Básica.
PRONERA – Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária
UFPA – Universidade Federal do Pará
UFC – Universidade Federal do Ceará
UNIJUI – Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul.
UERN – Universidade do Estado do Rio Grande do Norte
UFRN – Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Sumario
O ponto de partida 13
Caminhos 26
Diálogos 1 55
Diálogos 2 96
E na linha de chegada.... 123
Bibliografia 128
O Ponto de Partida
Nunca um acontecimento, um fato, um feito, um gesto de raiva ou de amor, um poema, uma tela, uma canção, um livro tem por trás de si uma única razão. Um acontecimento, um fato, um feito, uma canção, um gesto, um poema, um livro se acham sempre envolvidos em densas tramas, tocados por múltiplas razões de ser de que algumas estão mais próximas do ocorrido ou do criado, de que outras são mais visíveis enquanto razão de ser.
Paulo Freire (1921-1997)
Esse trabalho tem como propósito investigar aspectos relacionados à
formação do professor, considerando os elementos da cultura presentes nos espaços de
formação, entre eles, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra/MST, a Família, a
Escola, e o Trabalho, buscando, sobretudo, identificar a construção da sua identidade
individual e coletiva.
O autor:
Ao iniciar esse trabalho, achei que seria relevante falar um pouco de mim,
com a intenção de deixar claro, como essa pesquisa e a temática que a ela diz respeito se
inserem na minha vida enquanto docente da Universidade do Estado do Rio grande do
Norte/UERN.
Minha vida como professor teve início quando fui aprovado em concurso
público para professor da rede estadual de ensino assumindo disciplinas do Ensino
por aprovação em Concurso Público pela Prefeitura Municipal de Pau dos Ferros/RN numa
escola de Ensino Fundamental que atendia a alunos da periferia. Nesse mesmo ano,
comecei a ministrar aulas como professor de Ensino Médio na rede privada de ensino. Essa
minha passagem pela docência no Ensino Fundamental e Médio me possibilitou refletir
sobre as diferentes formas de atuação do professorem sala de aula.
Trabalhar com alunos que provém de bairros de periferia, atuar como
supervisor e, ao mesmo tempo, lecionar na rede privada foram atividades que me fizeram
pensar sobre o conhecimento produzido pelo professor. E uma questão que me surgia
naquele momento era: de onde tiramos nossos discursos em sala de aula? Por que fazemos
uso de determinadas explicações e não de outras? O que pensamos quando selecionamos os
conteúdos e a forma de desenvolvê-los na aula?
Em 2002, fui aprovado num concurso público para docência no ensino
superior no curso de Pedagogia pela Universidade do Estado do Rio Grande do
Norte/UFRN, no Departamento de Educação, na área de Fundamentos Sócio-Políticos e
Filosóficos da Educação, função que desempenho até hoje. O trabalho desenvolvido junto
às disciplinas, principalmente no campo das leituras, me possibilitou amadurecer mais
ainda as questões que eu havia suscitado anteriormente quanto à origem do conhecimento
produzido pelo professor.
Trabalhar nesse nível de ensino foi fundamental para que eu pudesse
ampliar minhas leituras no campo da filosofia e perceber as inúmeras possibilidades de
estratégia que podem ser utilizadas quando buscamos compreender como o sujeito vai se
constituindo e a partir de que organizadores ele constrói sua forma de pensar.
No Departamento de Educação, do Campus Avançado “Profª Maria Elisa
Estudos em Educação/NEEd da linha de pesquisa Educação, Sociedade e Cultura. Nas
discussões com os grupos de estudos, percebi a ausência de temas que, em minha opinião,
seriam relevantes para o curso como, por exemplo, alguma reflexão que envolvesse
aspectos sobre a formação do sujeito.
Com a possibilidade de cursar mestrado na Universidade Federal do Rio
Grande do Norte/UFRN, pensei ser esse o momento em que eu poderia contribuir com o
Departamento no sentido de poder discutir questões sobre a formação do sujeito, o que
seria muito importante, considerando a pertinência do tema num curso de formação de
docentes como Pedagogia, como também em outras licenciaturas nas quais também
leciono.
Entretanto, é no mestrado que consigo associar dois aspectos: a idéia de
formação do sujeito com a discussão sobre educação do campo. Essa última temática vem
associar-se a uma discussão que passou a existir no Departamento, logo após meu
afastamento e que, no meu trabalho, adquire espaço – Educação do Campo - visto que,
tenho como sujeitos dessa pesquisa professores de áreas de assentamentos e que fazem o
curso Pedagogia da Terra na UFRN.
Essa entrada na temática Educação do Campo vem ao encontro com a
discussão e a produção já existentes no Grupo de Estudos e Práticas Educativas em
Movimento/GEPEM sobre Movimentos Sociais e somando-se a isso, o fato de que o
Grupo, na pessoa da professora Marta Pernambuco, assume, em 2002, a coordenação do
curso Pedagogia da Terra na UFRN.
Com esse breve histórico, quero contextualizar como a Universidade, as
minhas inquietações como professor e as temáticas que assumo como referências para esse
As questões:
É com base nas experiências relatadas acima que me proponho a refletir
sobre as seguintes questões:
- Como pensar a formação de professor atualmente?
- Em que espaços essa formação pode acontecer?
- Pode existir alguma relação entre essa formação e a sua identidade de professor?
Os sujeitos:
Optamos por desenvolver nossa pesquisa junto aos alunos do curso
Pedagogia da Terra da UFRN. Essa escolha se deu em virtude de uma dupla aproximação: a
do GEPEM (Grupo de pesquisa do qual eu faço parte) com o curso e do meu convívio
profissional com o grupo de estudos sobre Educação do Campo na UERN. Contudo, é
necessário ressaltar que a escolha teve também como elemento forte a enorme contribuição
que esses alunos podiam dar, enquanto professores de uma realidade específica que é a dos
assentamentos. Essa especificidade traria, para o trabalho, uma significativa troca de
saberes e experiências que muito ajudaria na produção de um novo conhecimento.
A turma que tem por nome Bernardo Marim é composta por 53 alunos em
sua grande maioria provenientes de assentamentos das regiões Norte e Nordeste
distribuídos pelos Estados da Bahia, Ceará, Maranhão, Piauí, Rio Grande do Norte, Paraíba,
Pernambuco e Sergipe.
A entrada desses alunos no Curso ocorreu no semestre 2002.1 e a
assentamentos organizados pelo MST e desenvolvem atividades ligadas ao Setor de
Educação.
Os aspectos teórico-metodológicos
Na escolha de um referencial teórico que pudesse nos conduzir na
construção desse trabalho, optamos por não fechar nossas análises em torno de uma única
teoria, pelo contrário, partimos do princípio de que, é necessário, ao pesquisador, adotar
uma postura aberta numa tentativa de dialogar com diferentes concepções teóricas. Na
nossa compreensão, essa postura interdisciplinar facilita a compreensão da realidade, ajuda
no entendimento dos conceitos e avança na compreensão de que a produção do
conhecimento não se dá de forma fragmentada e nem pode ser analisada como tal.
Concordamos com PERNAMBUCO (1994), quando ela diz que a
realidade não pode ser compreendida apenas pelo ângulo da objetividade. Há um conjunto
de situações e de tramas que se desenvolvem no interior das relações humanas e que não
pode ser desprezado. A complexidade dos fatos e a imensa variedade como eles se
apresentam nos leva a um exercício de reflexão que extrapola a análise apenas do real. É
preciso adentrar na subjetividade das relações, naquilo que dá sentido ao convívio humano.
Nesse sentido, é nosso propósito estabelecer interfaces entre vários autores, buscando um
diálogo que possa auxiliar na construção do conhecimento.
Teoricamente, a pesquisa tentará identificar aspectos da formação do
professor, categorizando, em particular, a família, a escola, o trabalho e o Movimento
enquanto espaços de formação. Entendemos que estes espaços, entre outros, podem ser
Ao escolhermos o tema formação, optamos por trabalhar com o conceito
defendido por Josso (2004) quando em sua tese de doutoramento defende que formação é
um conceito que não se constitui sozinho, ele deve e precisa estar associado a outros
conceitos como os de: processos, temporalidade, experiência, aprendizagem, conhecimento e saber-fazer, temática, tensão dialética, consciência, subjetividade, identidade. (JOSSO: 2004. p. 38). Assim, para nós, trabalhar com essa concepção de formação significa estar
discutindo, também, outros elementos que estão a ele imbricados. Disso resulta, a forma
como a compreendemos nesse trabalho. Aqui a formação tem um sentido amplo e ocorre
durante toda a vida do indivíduo. Nessa definição, a formação extrapola a noção de
currículo, legislação e qualquer outro aspecto formal que a ela possa estar vinculado.
Pensamos que ao buscar as raízes da formação do professor na sua
própria existência, ou como diz JOSSO (2004) na abordagem biográfica da formação do sujeito, estaríamos utilizando um excelente recurso, que são os seus percursos individuais. Analisar as biografias dos sujeitos é acreditar que elas podem nos possibilitar entender
melhor como ele vai se constituindo.
Defendemos que a formação se dá em vários momentos. Ela não se
restringe apenas à formação escolar, mas está na biografia do indivíduo, local onde ele
forma e de onde retira os conceitos, valores e atitudes que se apresentam nas suas práticas
sociais, entre elas, a de professor. Nessa lógica, pensamos ser possível estabelecer essa
relação entre o que pensamos sobre formação do professor e a construção de sua
identidade.
Partimos do pressuposto de que todo sujeito tem uma identidade
individual. Cada indivíduo possui especificidades na forma de pensar e agir, e elas estão
com os outros. Essa particularidade também se expressa no ato de interpretar a realidade e
de atuar sobre ela. Ao mesmo tempo, compreendemos que essas características específicas
do indivíduo não lhe são dadas simplesmente pelas funções orgânicas e biológicas. É
preciso atentar para o fato de que desde o nascimento o indivíduo vive em sociedade
convivendo com os elementos culturais que estão ao seu redor.
Alguns desses elementos da cultura estão presentes muito cedo na vida do
indivíduo principalmente aqueles que lhe são colocados pela Família e pela Escola logo nos
primeiros anos. O trabalho e outras instituições educativas como a Igreja, os Partidos
Políticos e outros passam a fazer parte de sua vida a partir do momento em que ele expande
suas relações sociais.
Pensando assim, nenhum indivíduo está fora desse processo mais amplo
que envolve a coletividade, a comunidade na qual está inserido. Pela sua convivência em
comunidade que, em parte, produz o seu agir coletivo, pela sua obediência às regras sociais,
pela idéia de pertencimento a um grupo é que se desenvolve no sujeito o que consideramos
como identidade coletiva, construída a partir desse convívio com o outro, a partir do seu
estar no mundo.
No sentido de esclarecer melhor o que entendemos por identidade,
utilizamos aqui o que a psicanálise, nas palavras de um de seus estudiosos, Erikson (1987),
teórico da psicologia do desenvolvimento, pensa sobre o que é a identidade do sujeito: Para
ele, é um:
tocar-se e reconhecer-se mutuamente e só “termina” quando se dissipa o poder de afirmação mútua do homem. (ERIKSON, 1987, p. 21).
Essa nossa passagem pela psicanálise é apenas para demonstrar como
essa área do conhecimento pensa a identidade. O que o autor propõe e que nos chama a
atenção é a idéia de que a construção da identidade não está apenas centrada no indivíduo,
mas que tem raízes na cultura onde o sujeito se desenvolve isso quer dizer que ela é
socialmente construída.
Mas, é na sociologia que vamos buscar maiores referências de como a
identidade pode ser construída. Em Castells (1999) encontramos uma definição bem
próxima do que pensamos. Para ele identidade é: ... o processo de construção de significado com base em um atributo cultural. (CASTELLS, 1999, p. 22).
Os dois autores têm um ponto em comum ao definir o processo de
construção de identidades. Para ambos, a cultura assume um papel fundamental no
processo. É o que pensamos quando dizemos da importância de se entender a realidade do
sujeito para que em seguida possamos falar sobre ele, pois é nela que está a cultura com a
qual ele convive.
Cultura aqui é entendida nas palavras de Paulo Freire (2001) como todo o resultado da atividade humana, do esforço criador e recriador do homem, do seu trabalho por transformar e estabelecer relações de diálogo com outros homens. (FREIRE, 2001, p. 38). No nosso entender, a cultura é resultado da ação do homem ao utilizar a linguagem na
comunicação com outros homens, do uso das técnicas para explorar a natureza e
um modo geral, nos sentimentos humanos, enfim, a cultura são os símbolos representados
nas ações humanas, seja de forma individual ou coletiva.
Concordamos com Marilena Chauí (2003) quando definindo cultura diz
que ela se apresenta em três sentidos principais, sendo que num deles a cultura é: O conjunto de práticas, comportamentos, ações e instituições pelas quais os humanos se relacionam entre si e com a natureza e dela se distinguem, agindo sobre ela ou através dela, modificando-a... (CHAUI: 2003, p.251). Assim, a cultura é o resultado das ações do homem independente do lugar onde habite e do grupo social ao qual pertença.
Se a cultura é produto humano ela é, portanto criadora de formas de
organização, de pensamento, de espaços de socialização e de definição de valores. Nela se
dão as lutas e nela se afirmam as identidades.
O material analisado
A grande questão no início da pesquisa se deu em torno da escolha do material
que iríamos analisar. Ao chegarmos ao GEPEM encontramos um material produzido pelos
alunos e que nos parecia ser de extrema relevância. Tratava-se de vários textos produzidos
por eles e considerados, por nós, relevantes tendo em vista que os mesmos apresentavam
vários elementos de análises que podiam contribuir com nossos objetivos. Esses textos
foram orientados pela professora Maria da Conceição Fraga do Departamento de
Antropologia da UFRN quando ministrou, na 2ª etapa do Curso (março/2004), a disciplina
História da Educação Brasileira. O objetivo do trabalho consistia em possibilitar aos alunos
uma aproximação entre os conteúdos trabalhados na disciplina e a realidade vivida por eles
havia uma grande quantidade de informações e estas não estavam apenas ligadas a seus
percursos escolares, mas a vários momentos de suas vidas. As narrativas traziam
acontecimentos que iam desde suas origens, o local onde nasceu, o perfil sócio-cultural da
família, as impressões deixadas pelas atividades ligadas ao trabalho, a escola, a participação
política que em alguns começavam pela entrada nos movimentos de pastorais, terminando
com a participação no MST e o ingresso no Curso Pedagogia da Terra.
Com esses textos em mãos e observando que os aspectos apontados pelos alunos,
principalmente no que se refere a sua formação, seriam, naquele momento, suficientes para
pensarmos sobre o tema optamos por tê-los como material de base para nossas análises,
Tal opção se deu pela compreensão de que esses textos em forma de narrativas
demonstravam experiências formadoras (JOSSO, 2004) vividas pelos professores em várias etapas da vida. Formadoras porque, na nossa compreensão elas possibilitam ao
sujeito elaborar conceitos, definir comportamentos, tomar posições, enfim, podem ser de
experiências como as que encontramos relatadas que ele pode formar suas concepções de
mundo.
Começando nossa tarefa de adentrar nos textos e ver o que deles poderíamos
utilizar começamos por fazer uma leitura cuidadosa e sistemática de todos os trabalhos.
Essa leitura permitiu nos aproximar de elementos que para nós estão presentes na formação
do professor: o convívio com a família, as impressões deixadas, enquanto aluno, pela
Escola, entre outras experiências do cotidiano.
Percebendo que os textos se referiam claramente a uma formação que foi
desenvolvida a partir de determinados espaços, o passo seguinte foi selecionar quais desses
eram predominantes. A Família, a Escola, o Trabalho e o Movimento surgiram como
de textos selecionados fomos identificando falas que fossem significativas para o que
queríamos analisar, ou seja, aspectos da formação humana, presentes nesses espaços.
A estrutura do trabalho:
Na primeira parte intitulada de “Caminhos” buscamos situar o leitor em dois aspectos: em primeiro lugar, apresentamos algumas discussões que estão presentes em
autores como Antônio Nóvoa e Maurice Tardif sobre formação de professores.
Apresentamos o Curso Pedagogia da Terra no que se refere a sua proposta pedagógica, a
organização curricular e a sua implantação na UFRN através da parceria
INCRA/PRONERA/MST/UFRN. Encerramos essa primeira parte abordando algumas
questões relacionadas ao campo, enquanto espaço de convivência, dando destaque às
questões ligadas a educação.
Na segunda parte “Diálogos 1”, estabelecemos um diálogo com os professores/as a partir de suas falas registradas nos textos escritos. Dialogamos a partir do que é colocado
por eles sobre a percepção que têm da Família, da Escola, do Trabalho e do MST enquanto
espaços de socialização e formação. Nossa tentativa é de demonstrar como esses espaços
vão contribuindo para o desenvolvimento de suas formas de pensar e agir.
Na terceira e última parte “Diálogos 2”, discutimos com alguns autores a idéia de identidade partindo da noção de homem, enquanto sujeito em construção envolvido numa
cultura. Nesse processo, ele desenvolve uma identidade que lhe é singular, portanto
individual, mas ao mesmo tempo coletiva. Seus pensamentos e ações estão nessa interface,
Finalmente, encerramos com as considerações finais, cujo subtítulo denominamos
de “E na linha de Chegada...” onde apresentamos algumas idéias sobre nossas análises bem como apresentamos algumas questões que surgem como continuidade dessa pesquisa.
Em anexo disponibilizamos o Projeto Político Pedagógico do curso Pedagogia da
Caminhos
A formação do professor
A educação no Brasil tornou-se um tema que abrange um campo de discussão
extremamente amplo e se destaca em dois grandes aspectos: primeiro, porque está imersa
em problemas dos mais variados. Várias pesquisas apontam deficiências na qualidade do
ensino, essas se justificam muitas vezes por problemas internos à própria instituição escolar
como problemas na formação e qualificação dos professores, questões curriculares,
estrutura física comprometida ou mal arquitetada, e outras por questões externas como as
condições de desenvolvimento do país, o mau gerenciamento dos recursos e das políticas
públicas, as condições sociais e desajustes da família, entre outros. Estes são alguns
problemas que aparecem na literatura sobre a educação. Problemas esses, bem conhecidos
por quem vive o dia a dia de uma escola ou para aqueles que se dedicam a estudar e propor
sugestões para a educação.
A nossa abordagem privilegia um dos problemas discutidos atualmente - a
formação do professor.
Mas, quem é o professor?
Para algumas correntes de pensamento existem especificidades na definição do
diretamente no processo de ensino. É o profissional que está no dia a dia de uma sala de
aula. Sua ação é pautada na relação professor-aluno, ensino-aprendizagem. No entanto, o
que entendemos por professor não se resume apenas a essa definição. Assumir-se professor
não é limitar seu compromisso a sala de aula ou ao simples repasse de conteúdos e
informações. Mais do que isso, ser professor é assumir-se enquanto sujeito e como tal deve
estar na luta por melhores condições de vida, não somente junto ao aluno, quando
possibilita reflexões desse tipo, mas é estar, também, junto à comunidade, discutindo seus
problemas, ajudando-a a superá-los.
É nessa definição, de professor engajado, profissional comprometido com o
coletivo e não só com o processo de ensino que estamos pensando quando a esse termo
fazemos referência.
O professor nem sempre é visto com esse caráter político. Alguns o concebem
como um técnico e muitas vezes ele esconde-se por trás da técnica do ensinar, da
metodologia e do material didático, na postura hierárquica em sala de aula, assumindo
assim, um discurso baseado no simples repasse de informações para o aluno. Essa ação,
mesmo baseada num fazer pelo fazer, não deixa de ser política, pois ela se dá a partir de uma escolha.
No entanto, para assumir essa postura, necessário se faz que o professor
possibilite a reflexão sobre a realidade e crie momentos, na aula, de abertura para o diálogo,
onde novas idéias são fomentadas e novas interpretações sobre a realidade possam surgir,
provocando assim, perspectivas de análises da realidade e conseqüentemente possibilidades
de mudanças. É preciso que não só a realidade seja compreendida e modificada, mas que a
escola seja entendida como instrumento de extrema importância nesse contexto, pois a ela é
de debate para os problemas da comunidade, se transformando assim numa escola de
qualidade, com significado e, portanto com resultados na melhoria da qualidade de vida do
homem do Campo. É esse professor a quem nos referimos nesse trabalho: militante,
histórico, atuante, político, o professor da práxis, ou seja, da reflexão e da ação. É esse profissional que o Curso busca formar. Essa intenção aparece muito claramente nos
objetivos específicos do Projeto Político Pedagógico. Nele fica bastante explícito que
profissional o Curso pretende formar quando pretende possibilitar ao formando
compreender a realidade brasileira, em todos os aspectos, priorizando a realidade do
campo, ou seja, há que se pensar nessa realidade buscando valorizar o saber que se produz
buscando melhorar e garantir a qualidade de vida do homem do campo. Nesse aspecto a
escola é entendida na sua organização e função inserida num contexto histórico-social e
O professor e sua formação:
A partir dessas definições entendemos ser de extrema relevância abordar essa
temática, pois consideramos que o professor desempenha importante papelno processo de
ensino. Talvez por isso, o tema formação encontra-se tão presente nesse contexto de
discussões onde o professor assume o centro dos debates.
Entendemos que não podemos discutir a formação do professor de forma isolada,
a essa temática estão associadas outras questões como quem é, o que faz e qual é o papel e
função do professor na sociedade.
Num modelo de sociedade cujas mudanças na economia, na política, na ciência e
na produção tecnológica são constantes e, por vezes, audaciosas, tornam-se o mote que
direciona o pensamento, os valores, os costumes e as condutas humanas e, mais ainda,
numa sociedade marcada pela diversidade cultural, religiosa, étnica e social, é relevante e
necessária a importância dada ao conhecimento que o professor desenvolve em sala de aula,
mas tão importante quanto essa questão é estar perguntando sobre a fonte desse
conhecimento.
As mudanças sociais a que nos referimos não passam despercebidas, uma vez que
influenciam diretamente as relações sociais, alteram os conceitos, remodelam identidades.
A velocidade com que elas ocorrem propõe ao professor a opção de estar atento e
acompanhá-las no sentido de interpretá-las para tomar posições. Pensamos que é
exatamente nesse universo vivido, real, onde o professor está inserido que está a fonte de
seu conhecimento.
A escola e os cursos de formação de docentes são também influenciados por essas
Os vários setores da atividade humana passam por significativas mudanças que se concretizam em novas configurações da ordem econômica e política relacionada ao conhecimento, às vinculações pessoais, às comunicações, entre outras, que trazem conseqüências muito diretas para a educação escolar. Tais mudanças afetam de maneira particular a formação de professores... (GUIMARÃES, 2004, p. 27).
Tais questões são consideradas ainda mais pertinentes quando observamos qual
posição o professor assume quando busca, em sua sala de aula, possibilitar a produção do
conhecimento. Mesmo acreditando e defendendo uma relação dialógica entre professor e
aluno, acreditamos que ele dispõe de um lugar privilegiado. Esse lugar não deve ser
entendido no aspecto hierárquico, onde as relações entre professor e aluno se dão de cima
para baixo, mas na capacidade que ele (o professor) pode dispor para desenvolver no aluno
formas de pensamento e opiniões, ou seja, conhecimento.
É nessa posição de produtor de conhecimentos, de mediador e facilitador da
aprendizagem que o professor pode dispor de várias estratégias. Nele está a oportunidade
de escolhas, o planejamento de um conteúdo, da metodologia e dos recursos para
desenvolvê-lo. É ele, o professor, quem coordena e encaminha as discussões, a partir de um
contexto mais amplo que vai do recurso didático utilizado às suas opiniões sobre a
realidade. Esse percurso deve passar, necessariamente, pelo tipo de aluno com o qual o
professor dialoga.
Apesar de todo um aparato tecnológico e de mídia que a sociedade dispõe como
fontes de informações, não podemos negar o relevante papel que tem o professor no
momento de sistematização e organização dos conhecimentos que os alunos trazem. Esses
comunicação da forma como foi repassada sem que o aluno tenha questionado ou feito uma
releitura do que ouviu. Em contato com esse conhecimento trazido pelo aluno, é o
professor, nesse momento, quem pode dispor dos mecanismos de interpretação na releitura
dessas informações.
Isso possibilita ao aluno ter acesso a uma forma de compreensão, a uma visão de
mundo, a uma concepção que se apresenta na voz do professor.
Se entendermos que através desses mecanismos o professor está produzindo um
novo conhecimento e se aceitamos a idéia de que um conhecimento seja ele qual for não
existe desligado da época e do local onde ocorre essa produção, conclui-se daí que, o
trabalho do professor não pode ser pensado sem que sejam observados os condicionantes
históricos, sociais, econômicos e culturais da sociedade em que vive.
Se o seu conhecimento não se isola da cultura, assim também não se pode pensar
numa formação docente dissociada dos processos sociais e culturais. O notável é que,
quando se discute a temática ela não aparece distante de outras discussões mais amplas
como escola, currículo, ensino, bem como a concepção que se tem do professor.
Para alguns estudiosos, o professor é um técnico; para outros um transmissor de
conhecimentos; para outros um mediador da aprendizagem. Assim, a perspectiva que se dá
à formação docente é atribuída conforme o que se pensa em determinado momento sobre o
papel do professor na sala de aula. É nesse sentido que Gómez (1992) esclarece:
a função do docente como profissional na escola e na aula. (GOMEZ in NÓVOA, 1992, p. 95).
Existe não só no Brasil, mas, principalmente, em países europeus e nos Estados
Unidos, uma corrente de pensadores que defendem a concepção de que é necessário
entender os saberes docentes a partir, não apenas de sua formação inicial, ou como se eles
fossem exclusivamente adquiridos na prática docente. Segundo esses, existe toda uma
relação entre o saber docente e o mundo no qual o professor está inserido. É Tardif (2002)
quem explica como pensam esses estudiosos. Para essa corrente de pesquisadores:
...o professor é considerado o sujeito ativo de sua própria pratica. Ele aborda sua prática e a organiza a partir de sua vivência, de sua história de vida, de sua afetividade e de seus valores. Seus saberes estão enraizados em sua historia de vida e em sua experiência do oficio do professor. (TARDIF, 2002 p. 232)
Nesse sentido, torna-se evidente considerar o trabalho do professor não apenas
como técnica, mas como uma atividade política (FREIRE, 2000). Se entendida como
atividade política ela assume, portanto, um caráter ideológico. A atividade docente,
entendida como a ação do professor em sala de aula, assumida a partir de uma postura
crítica e reflexiva torna-se, necessariamente, política. Como essa atividade está centrada na
pessoa do professor este se torna também um ser político.
Essa postura crítica e reflexiva aparece em Nóvoa (1992) quando ele afirma que:
Partindo do princípio de que os professores não são apenas técnicos, defendemos
a idéia de que os mesmos não vão à escola apenas trabalhar tecnicamente um conteúdo,
mas que ao fazer, eles adicionam a este conteúdo seus conhecimentos, expectativas e
concepções adquiridas ao longo de suas experiências de vida.
Concordamos que há um universo de conhecimentos acumulados pelo professor
que são decorrentes da sua prática docente, mas eles não estão sozinhos. Os saberes
advindos do cotidiano, das alegrias, das frustrações, do dia a dia do educador, ou seja, das
suas subjetiviades estão também presentes no seu trabalho.
Nóvoa (2000) chama de processo identitário a essa forma específica do professor se posicionar em sala de aula e esse processo é representado por um conjunto de fatores,
entre eles, a própria maneira de ser do professor, que é levada em conta no momento em
que o mesmo adota um estilo profissional. Conforme o autor existe uma:
...Forma como cada um de nós constrói a sua identidade profissional define modos distintos de ser professor, marcado pela definição de ideais educativos próprios, pela adoção de métodos e práticas que colam melhor com a nossa maneira de ser, pela escolha de estilos pessoais de reflexão sobre a acção” (NOVOA, 2000, p. 28).
Cada professor é único no aspecto profissional. Essa identidade profissional se
define a partir das vivências de cada profissional, da forma como cada um percebe o
processo de ensino, de como se percebe enquanto professor. O autor observa que para
entendermos as razões que o professor tem para dotar uma maneira específica e individual
“...evocar a mistura de vontade, de gestos, de experiências, de acasos até, que foram consolidando gestos, rotinas, comportamentos com os quais nos identificamos como professores. Cada um tem a sua maneira própria de organizar as aulas, de se movimentar na sala, de se dirigir aos alunos, de utilizar os meios pedagógicos, uma maneira que constitui quase uma segunda pele profissional”. (id. Ibid.).
Não há como negar que o conhecimento produzido pelo professor em sala de aula
tem fundamentos em sua experiência como profissional, pois sua profissão lhe possibilita
um conjunto de saberes cumulativos, mas ao mesmo tempo essa produção de saberes não se
limita apenas a experiência profissional, ela tem raízes também nas experiências
acumuladas durante sua vida, visto que é nesse percurso pessoal em que o professor, na sua
posição de ser humano, estabelece relações de troca de saberes e de experiências com
outros homens.
Nesse sentido, o próprio Tardif (2002) considera que:
“... o professor (...) aborda sua prática e a organiza a partir de sua vivência, de suas histórias de vida, de sua afetividade e de seus valores. Seus saberes estão enraizados em sua história de vida e em sua experiência do ofício do professor”. (TARDIF, 2002 p. 232)
Segundo Garcia (1992), a ação docente se caracteriza pela conjugação de vários
conhecimentos. Entre eles, destaca-se o que ele denomina de Conteúdo Pedagógico, o qual consiste na união entre o conhecimento que o professor tem do conteúdo que está
ensinando, adquirido nas suas experiências de vida, e o modo como ele vai trabalhar o
conteúdo em sala de aula. É nesse momento em que o professor utiliza variados recursos,
seja na forma de material didático, ou através de suas palavras, gestos para se fazer
esse conteúdo pode ser representado pelas ...formas mais úteis de representação das idéias, as analogias mais importantes, ilustrações, exemplos, explicações e demonstrações, numa palavra, a forma de representar e formular a matéria para a tornar compreensível. (SHULMAN apud NÓVOA 1986, p. 09).
Chama a atenção o que Garcia (1992) coloca sobre a importância desse
conhecimento. Para ele:
A importância dada a esse tipo de conhecimento deve-se ao facto de não ser um conhecimento que possa ser adquirido de forma mecânica ou linear; nem sequer pode ser ensinado nas instituições de formação de professores, uma vez que representa uma elaboração pessoal do professor ao confrontar-se com o processo de transformar em ensino o conteúdo apreendido durante o seu percurso formativo”. (GARCIA in NÓVOA, 1992, p. 57).
Nessa perspectiva, os saberes que o professor utiliza na sala de aula não são
apenas cumulativos da sua experiência profissional, mas outros saberes vão somando-se a
estes, falamos dos saberes que tem origem nas suas experiências de vida.
Se o conhecimento não pode ser adquirido apenas nos espaços de formação
acadêmica e se ele é também adquirido através das experiências e elaborações pessoais,
entendemos que os mecanismos utilizados pelo professor para trabalhar um conteúdo com
seus alunos, que vão desde a escolha do material didático até a linguagem utilizada na
discussão, tem a ver com seu percurso formativo, aqui entendido como o seu histórico de
vida, o que pode demonstrar a existência de uma estreita ligação com suas concepções de
mundo, com seus ideais políticos,
permanentemente e sua constituição se dá com base num conjunto de
informações/conteúdos que tem origens diversas. Para ele: A identidade não é um dado adquirido, não é uma propriedade, não é um produto. A identidade é um lugar de lutas e de conflitos, é um espaço de construção de maneiras de ser e de estar na profissão. (NOVOA, 2000, p. 16).Essa construção do ser professor não escapa do conteúdo fornecido
pelo cotidiano, pelo vivido fora da sala de aula, por aquilo que é externo aos cursos de
formação.
A identidade do professor não se constitui apenas no âmbito profissional, ela é
construída a partir da ligação entre o pessoal e o profissional. (Diamond apud NOVOA,
2000). É construída porque é um processo que não se forma ao nascer ou em determinado
período da vida, mas que se constitui a partir de cada época e de cada fase da história
pessoal e profissional de cada um. Nas palavras de Nóvoa (2000): É um processo que necessita de tempo. Um tempo para refazer identidades, para acomodar inovações, para assimilar mudanças. (NÓVOA: 2000,. p.16).
Se a identidade não pode estar totalmente construída então não existe aquela que
perdure por toda a vida do sujeito. Se os condicionantes sociais são determinantes dessa
identidade e se esses não são estáticos, pelo contrário, estão em constante modificação,
então a própria identidade não pode ser linear, ela vai se alterando no sujeito, à medida que
a própria sociedade vai possibilitando essas mudanças.
Nessa perspectiva, o professor tem seu trabalho atrelado ao momento histórico no
qual está inserido e não se isola do seu contexto sócio-cultural quando assume a condição
sua profissão. Ao indagar seus alunos sobre determinada questão, ao responder as
indagações destes, ele o faz a partir dos elementos fornecidos pela cultura. Para Nóvoa
somos como pessoa quando exercemos o ensino. (idem, 2000, p. 17). E fazendo uso do pensamento de Laborit ele traz para discussão a seguinte questão: será que a educação do educador não se deve fazer mais pelo conhecimento de si próprio do que pelo conhecimento da disciplina que ensina? (LABORIT apud NÓVOA, 2000, p.55). Nesse sentido, entendemos que a ação docente está totalmente comprometida com a existência humana do professor. O conhecimento que o professor constrói com os alunos não está
distante do que ele considera como verdadeiro. A pessoa e o professor não se
individualizam, não se separam. Na ação enquanto professor está a sua existência enquanto
pessoa. Nesse sentido Nóvoa (2000) declara:
Eis-nos de novo face à pessoa e ao profissional, ao ser e ao
ensinar. Aqui estamos. Nós e a profissão. E as opções que cada um de nós tem de fazer como professor, as quais cruzam a nossa maneira de ser com a nossa maneira de ensinar e desvendam na nossa maneira de ensinar a nossa maneira de ser. É impossível separar o eu profissional do eu
pessoal”. (NOVOA, 2000, p. 17)
Entender a ação docente implica analisar o professor a partir do que ele é na vida pessoal, do lugar de onde ele retira seus sentimentos, suas emoções e paixões. Não se pode conceber o professor sem essas origens. É nesse pensamento que encontramos nas palavras de Raquel Barbosa (2003) a afirmação de que:
Na concepção que o professor tem do mundo está o que ele pensa sobre sua
profissão, sua escola, mas não só isso, nela estão todos os demais elementos que servem de
referência para sua ação na aula.
Mostramos, nesse item, sobre qual lógica discutimos formação de professores.
Buscamos repassar a idéia de que o professor não encerra sua função apenas na aplicação
dos instrumentos pedagógicos, pois assim ele seria um técnico. Muito menos se limita a
transmitir um conteúdo sem vida, tal qual está no seu material de pesquisa (livro didático
etc), ou ainda que sua prática é concebida a partir dos conhecimentos adquiridos em sua
formação escolar.
Nossa proposta é conceber que a pessoa do professor, carregada de emoções,
sentimentos e experiências de vida chega até a sala de aula e ao assumir a ação docente ele
não isola nem omite a pessoa que ele é. Não há separação. Não existe a pessoa, de um lado,
fora da sala de aula, e o educador do outro.
Ambos formam uma unidade, pois os saberes da experiência adquiridos ao longo
O Curso Pedagogia da Terra
Decorrente de um trabalho que já vinha sendo desenvolvido pelo Setor de
Educação do MST, o Magistério da Terra, (Ensino Médio) prepara professores para
desenvolver atividades ligadas a educação nos assentamentos, enquanto o curso
Pedagogia da Terra é organizado para atender a demanda de escolarização das
populações do campo e tem início com a luta dos Movimentos Sociais para garantir a
formação de professores em Nível Superior.
Numa parceria que envolve o Programa Nacional de Educação na Reforma
Agrária/PRONERA1, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária/INCRA,
o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra e a Universidade, o primeiro curso a
ser implantado foi na Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do
Sul/UNIJUI em 1998. Depois, outras Instituições de Ensino Superior como a
Universidade Federal do Pará/UFPA, a Universidade Federal do Ceará/UFC, entre
outras, firmam parcerias e implantam o Curso com o mesmo objetivo.
Gostaríamos de nos deter um pouco sobre a implantação do curso na UFRN, visto
que, é nesta IES onde estão os sujeitos com quem dialogamos neste trabalho.
Na UFRN o Curso é realizado através de uma parceria entre a Universidade, o
PRONERA, o INCRA e o MST.
A implantação do Curso tem início quando o MST procura dialogar com a
Universidade buscando pensar a organização do curso. Em virtude das discussões já
presentes no Departamento de Ciências Sociais do Centro de Ciências Humanas Letras
e Artes – CCHLA dentro dos Movimentos Sociais essa proposta é primeiramente
discutida por ele e só depois se estende ao Departamento de Educação, considerando o
objetivo do Curso que seria a formação de professores. Outros fatores contribuíram para
que esse Departamento assumisse essa coordenação, entre eles: a considerável
experiência em participar de programas de formação de professores em parcerias
firmadas com o poder público (prefeituras e Estado) como exemplo, o PROBASICA2.
Os professores do Departamento de Educação, como principais profissionais envolvidos
nesse processo de formação inicial, têm essa experiência acumulada tornando-os, assim
mais envolvidos nessa discussão sobre formação de professores e o estudo das
realidades local e regional.
Aceito o desafio, os passos seguintes seria a elaboração do projeto para a criação
do Curso e a apreciação para aprovação pelos órgãos competentes.
A implantação do Curso se pauta em argumentos como: primeiro a necessidade de
expandir a escolarização básica para as populações dos assentamentos rurais
organizados pelo MST, considerando uma significativa demanda de escolarização nesse
setor, principalmente nos níveis da Educação Infantil, Ensino Fundamental e Educação
de Jovens e Adultos.
Contudo, para atender ao propósito da expansão necessário seria aplicar um maior
investimento na formação de professores que pudessem atuar nessas comunidades.
Segundo, pela própria necessidade de se instalar um curso de Pedagogia que
viesse atender, pelo menos em parte, às necessidades urgentes de formação docente
para os assentamentos do Nordeste.
Considerando a população diretamente atendida, ela é composta por uma parcela
de pessoas escolarizadas que poucas chances teriam de acesso ao Ensino Superior, visto
que, em sua grande maioria, residem distantes das Universidades. E, mesmo que
tivessem acesso a esse nível de ensino, dificilmente os cursos de graduação, como
Pedagogia, por exemplo, teriam uma discussão que levasse em conta as especificidades
da Educação do Campo e principalmente que atendesse as discussões políticas do MST
do qual quase todos eles fazem parte.
Nessa perspectiva, o Curso foi pensado com o propósito de:
Habilitar professores por meio do Curso Superior para o exercício da docência em Educação Infantil e nas séries iniciais do Ensino Fundamental regular e para Jovens e Adultos e para atividades de coordenação e assessoramento pedagógicos em escolas, instituições do sistema educacional e projetos educativos existentes nas áreas de assentamentos”. (Conforme Projeto Político Pedagógico do Curso).
Na sua proposta podemos perceber que sua especificidade é, sem dúvida, a
formação de professores, mas há a preocupação de uma ampliação dessa formação para
outros agentes educativos envolvidos no Setor de educação do Movimento. Ou seja, houve
a preocupação com a formação não apenas do professor, mas com uma formação mais
ampla, na tentativa de alcançar outros sujeitos que desenvolvem atividades pedagógicas nos
assentamentos, como os coordenadores, assessores, organizadores de projeto, ou seja,
O que consideramos de estrema relevância no curso e que o diferencia dos demais
é que na sua proposta se propõe a contribuir na implementação de propostas pedagógicas
que venham valorizar o saber do homem do campo e assim criar perspectivas de melhoria
na qualidade de vida dessas pessoas.
Para atingir os objetivos do Curso, a Comissão de implantação organizou uma
proposta curricular que priorizasse as discussões sobre os interesses dos professores e a
realidade dos assentamentos. Esse seria o ponto de partida do qual seriam organizados as
disciplinas e os conteúdos desenvolvidos durante o Curso.
Baseado numa visão humanista, o Curso tem como princípios orientadores da
estrutura curricular uma concepção de educação como prática humana. Nesse sentido ela é
social, portanto histórica e mutável. Enquanto prática social ela deve servir de instrumento
para que os educandos possam ter acesso ao conhecimento e a compreensão da realidade.
Com isso, é possível muni-los de instrumentos que o façam refletirem sobre suas realidades
buscando transformá-las.
Pensando assim, a educação deve ter como fim a emancipação individual e
coletiva do sujeito, a inserção de relações mais justas e igualitárias, além de contribuir para
a democratização e acesso ao conhecimento. O Curso defende ainda na sua proposta
metodológica que o acesso ao conhecimento deve ser pautado num processo dialógico,
crítico e criativo onde os professores e alunos possam ser sujeitos na construção do
conhecimento.
No que se refere à prática pedagógica, a questão agrária deve ser o ponto de
partida e chegada, elemento de referência entre as várias abordagens, priorizando a relação
teoria-prática como fundamental na produção do conhecimento. Nessa dinâmica é
de reorientar a produção de um novo saber (de acordo com o Projeto Político Pedagógico
do Curso).
No aspecto estrutural, o curso é organizado considerando uma duração de quatro
anos que se divide em 10 etapas nas quais se distribui a grade curricular. As disciplinas são
pensadas a partir das Diretrizes Curriculares para o Curso de Pedagogia (MEC/2001)
considerando a articulação teoria e prática além de atentar para a formação diferenciada.
Para atender a esse aspecto o currículo procura envolver conteúdos e abordagens
sobre Educação Especial, Educação Infantil, Educação Ambiental, Educação e Movimentos
Sociais, Pluralidade Cultural, Saúde e Educação Sexual, além de temas mais específicos
como: alternativas educacionais para o campo, questão agrária, cooperativismo e
semi-árido.
É percebível como o curso de Pedagogia da Terra pode tornar-se um excelente
espaço de discussão, pois vários aspectos se interconectam para isso: a começar pelo local
de onde esses alunos vêm e de onde falam. São na sua grande maioria moradores de
assentamentos, locais onde a realidade do campo aparece de forma mais real. O próprio
discurso que trazem do Movimento é outro elemento enriquecedor visto que utilizando de
um discurso eles o trazem para a sala de aula favorecendo a troca e a sistematização de
saberes.
Um outro aspecto de extrema importância que não podemos deixar de destacar é a
presença dos sujeitos do MST no convívio da Universidade. Essa oportunidade os faz ter
acesso à produção da Ciência, dando-lhes a chance de associar os conhecimentos
científicos com os saberes que trazem de suas experiências de vida, com a luta e com sua
prática docente acrescentando-lhes um sentido mais teórico, mais sistematizado, portanto
necessidade, principalmente porque é nesse contexto que, em contato com pensamentos
mais sistematizados, suas práticas podem ser interpretadas e reorganizadas o que contribui
para a produção de novos conhecimentos.Molina (2006)destaca a importância que assume
essa relação entre movimentos sociais e cursos formadores promovidos pelas
universidades. Para ela:
Garantir a presença dos movimentos sociais do campo nos cursos superiores e, com eles, construir projetos de pesquisa que pensem saídas para os problemas do povo brasileiro que vive no e do campo, significa resistir aos interesses do sistema do capital à privatização do processo de produção do conhecimento que vem ocorrendo nas instituições públicas, ao mesmo tempo que se propõe uma outra lógica para esta produção, muito mais democrática e coletiva. (MOLINA in CALDART, PALUDO, DOLL, 2006, p. 08).
Concordamos com a autora no sentido de que os cursos de formação podem e
devem contribuir com o incentivo à realização de projetos que visem atender as demandas
das comunidades assistidas. Na verdade, não basta apenas interpretar a realidade, mas é
fundamental saber agir sobre ela e isso se torna mais fácil com a democratização e
universalização do conhecimento, tarefa essa não apenas reservada à Universidade, mas
como instrumento mediador ela tem significativa parcela nessa função de contribuir para as
transformações sociais.
Consideramos que essas conquistas dos Movimentos Sociais é resultado de uma
luta que tem registrado avanços e que nessa luta ganham também as Universidades, pois
passam a lidar com um segmento da sociedade que muito contribui para o crescimento
Somando-se a esses resultados, recentemente assistimos à implantação do curso
Pedagogia da Terra na Universidade do Estado do Rio Grande do Norte – UERN. Com essa
participação, a UERN passa a ser, no Rio Grande do Norte, mais uma universidade que, em
parceria com o Ministério do Desenvolvimento Agrário – MDA e alguns Movimentos
Sociais como o MST e a Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Rio Grande do
Norte/FETARN coloca no seu interior a presença do homem do campo e com isso abre
espaço para a discussão da Educação do Campo e a participação dos Movimentos Sociais
na instituição.
Consideramos esse aspecto de extrema relevância dada à expansão da UERN nos
últimos anos conseguindo chegar a vários municípios atingindo uma significativa parcela
da população da região onde está localizada. Expandir essa discussão no contexto da UERN
é dar um grande passo na política de democratização do conhecimento, bandeira defendida
O Campo e a Educação
A discussão sobre o campo e os temas que o envolvem como Reforma Agrária,
Movimentos Sociais, Educação, entre outros tem ganhado um significativo avanço não só
na produção acadêmica, mas também no âmbito governamental.
Esse avanço tem se dado através das lutas encampadas pelos movimentos sociais
e a pressão da sociedade civil em sensibilizar os governos no sentido de dar maior atenção
aos problemas do campo. A realização de eventos como a II Conferência Nacional por uma
Educação do Campo, bem como a criação de órgãos que buscam aproximarem-se das
populações do campo desenvolvendo políticas publicas para o setor tem sido formas
encontradas para fomentação das discussões sobre os problemas dessas comunidades.
Os novos documentos que traçam diretrizes para as políticas de Educação do
Campo trazem uma nova concepção de campo que não se restringe mais a idéia de meio
urbano e meio rural como tradicionalmente era colocado, mas a uma visão mais ampla de
quem são e onde estão essas comunidades.
Nessa nova concepção, o campo reúne uma variedade de culturas, com produção
econômica e organização social muitas vezes, diferentes uma das outras. Assim, cada uma
dessas comunidades tem características bem especificas que variam de acordo com o lugar
onde se localizam.
As ações desenvolvidas pelos Movimentos Sociais se caracterizam na forma de
luta para que o campo adquira espaço no meio político. Muita coisa tem sido feita, mas
ainda falta muito a conquistar, pois a situação em que vivem essas populações não é
e principalmente mudança de mentalidade no que se refere à maneira de pensar o campo e
sua cultura.
Em sintonia com esse pensamento, Molina (2006) vem acrescentar que:
A base fundamental de sustentação da Educação do Campo, à qual se vincula o PRONERA, é que o território do campo deve ser compreendido para muito além de um espaço de produção agrícola. O campo é território de produção de vida, de produção de novas relações entre os homens e a natureza; entre o rural e urbano. O campo é um território de produção de história e cultura, de luta de resistência dos sujeitos que ali vivem. (MOLINA in CALDART, PALUDO, DOLL, 2006, p. 08).
Pensamos que, se há uma redefinição para o conceito e a forma de ver o campo se
faz necessário também rever as políticas públicas para o setor, principalmente as que se
referem à educação.
A II Conferência Nacional por uma Educação do Campo, a qual nos referimos
anteriormente, ocorrida em 2004 em Luziania/GO e que reuniu vários órgãos estatais,
universidades, instituições internacionais como a UNICEF e UNESCO, ONGs e
Movimentos Sociais envolvidos com a causa do campo, é uma grande referência que
mostra como as políticas públicas devem direcionar suas ações em benefício das
populações do campo no que se refere a implantação de uma educação de qualidade. Da
Conferência foi aprovada a Declaração Final “Por Uma Política Pública de Educação do
Campo” que aponta ações públicas para a concretização de um modelo de educação que
atenda as necessidades dessas populações.
Para desenvolver ações que venham beneficiar a população se faz necessário que
os dirigentes políticos estejam atentos às diferenças culturais que marcam essas
O campo tem sua especificidade. Não apenas somente pela histórica precarização das escolas rurais, mas pelas especificidades de uma realidade social, política, econômica, cultural e organizativa, complexa que incorpora diferentes espaços, formas e sujeitos. Além disso, os povos do campo também são diversos nos pertencimentos étnicos, raciais: povos indígenas, quilombolas...; (Declaração Final da II Conferência.)
Não se pode pensar numa educação que venha em embalagens prontas para ser
posta em prática. A população do campo tem sido clara ao colocar no debate o tipo de
educação que desejam. Pela heterogeneidade que representa o campo é preciso que se pense
numa educação do campo e não para o campo.
Caldart (2004) explica que é direito de qualquer povo ser educado no lugar onde
vive, o que precede uma concepção de educação pautada na realidade do sujeito,
considerando como ponto de partida suas necessidades e interesses. A autora sai em defesa
desses interesses afirmando:
Nossa proposta é pensar a educação do campo como processo de construção de um projeto de educação dos trabalhadores e das trabalhadoras do campo gestado desde o ponto de vista dos camponeses e da trajetória de luta de suas organizações. (CALDART, 2004, p. 17)
No entanto, para que esse projeto se desenvolva é necessário o envolvimento
direto do Estado. A Lei Nº 9.394/96 de 2004, Lei de Diretrizes e Bases da Educação
nacional – LDB – já especifica no seu art. 28 a forma como a educação no campo pode ser
pensada. Segundo esse artigo é necessário que se considere as especificidades de cada
lugar e que haja as devidas adaptações aos conteúdos curriculares, a metodologia, ao
Não podemos negar que houve um avanço, pois a lei sinaliza para o respeito às
diferenças de cultura regional e local. Uma análise mais aprofundada do artigo, em
comunhão com o artigo 26, que trata da questão curricular, nos permite pensar numa
proposta de educação preocupada com a inclusão, com o acesso e permanência do aluno na
escola e, principalmente, com seu sentimento de identidade o processo de aprendizagem.
Sem dúvida, existe uma outra preocupação que deve estar na pauta das discussões.
É que não adianta um discurso bonito ou uma lei que na prática apresente limitações. É
necessário principalmente, que se garanta a população do campo o direito a essa educação.
Para Arroyo (2000): “é no terreno dos direitos onde as políticas públicas encontram sua
função” (idem., p. 103). Pelo que sabemos os direitos não são conquistados sem a luta dos
povos. O Brasil, através dos Movimentos Sociais que representam boa parte das populações
do campo, como os indígenas, os quilombolas, os sem-terra, os povos da floresta, entre
outros, tem demonstrado que é possível lutar sim. O acesso, que até então tem sido-lhes
negado, àquilo que lhes é de direito, como educação, terra, trabalho, pode ser conquistado
no enfrentamento das idéias, no embate teórico e na defesa de interesses que são coletivos.
Os novos sujeitos sociais que tem se envolvido nessa luta mostram um outro
Brasil que, apesar das mazelas sociais que ainda temos, tem sinalizado para um jeito novo
de pensar políticas públicas menos discriminatórias e menos desiguais. Ressaltamos que a
luta que os Movimentos têm travado na busca das conquistas passa primeiro pela conquista
do direito assegurado. Medidas paliativas não resolvem o problema do homem e da
educação do campo. Arroyo (idem) vem colocar sobre a necessidade dessa nova
Somente neste terreno político dos direitos terá sentido um outro diálogo entre a diversidade dos povos do campo e as diversas agências públicas e os diversos entes federativos. O pensamento educacional, a reorientação curricular, a produção de material didático e a formação de professores (as) ou o cumprimento das políticas educacionais encontrarão seu sentido público na sociedade que não ignorar o avanço da consciência e da luta pelos direitos. (id. Ibid.).
O autor toca num ponto fundamental que não pode ser descartado quando o tema
é Educação do Campo, qual seja o de incluir na pauta das exigências imediatas a
preocupação com a formação dos professores.
No entanto, ao falarmos de formação, não nos referirmos apenas a formação
escolar, inicial ou continuada. Mas a todo um conjunto de relações que se estabelecem no
cotidiano dos sujeitos, na convivência entre os membros da comunidade e nas relações
desta comunidade com outras.
Pensando assim, a idéia de formação ultrapassa os limites de qualificação do
professor no sentido restrito da profissionalização docente. Ela se constitui enquanto
processo sócio-cultural e como tal ocorre onde estão as condições sociais, materiais,
culturais e afetivas. É formativa porque possui a capacidade de desenvolver atitudes,
valores e comportamentos que se constroem individual e coletivamente.
Partindo dessa nova concepção de campo e percebendo a formação docente a
partir de um contexto que extrapola uma grade curricular é que podemos visualizar a escola
do campo de acordo com o que pensa Risso (2006). Para ela, a função da escola é formar o
sujeito que pense e atue crítico e reflexivamente na sua realidade. Segundo ela:
os movimentos sociais que lutam para construir relações sociais mais justas e uma educação que forme seres humanos mais ativos, críticos e que saibam o que querem, o que fazem e por que fazem (RISSO, et all in CALDART, PALUDO, DOLL, 2006, p. 138)
Na verdade, é o desejo de todos que a educação seja de qualidade e que possa
não apenas ensinar a ler e escrever, mas que busque desenvolver em cada sujeito a noção de
criticidade e de participação nas lutas pelos direitos negados. No campo, esse aspecto é
fundamental, pois o envolvimento com os problemas da coletividade é elemento essencial
na luta pelos direitos, principalmente por uma educação de melhor qualidade.
Num olhar sobre as escolas dos assentamentos que atendem a uma parcela da
população do campo, Caldart (2004) nos diz que elas são diferentes porque além de estarem
situadas no meio rural, onde a cultura, de um modo geral, não é a mesma dos centros
urbanos, atendem a uma parcela da população brasileira que é diferenciada. Essa tem
necessidades específicas as quais precisam ser respeitadas e atendidas. Em virtude dessas
especificidades é necessário estar atento à participação da escola na vida da comunidade.
Como ela intervém na busca de soluções dos problemas coletivos e como ela promove o
desenvolvimento cultural da comunidade, são questões que devem estar no rol das
reflexões sobre o tipo de escola que é necessário criar para as comunidades campesinas.
Nessa compreensão a autora afirma que:
Para esse modelo de escola necessário se faz pensar um professor comprometido
com uma concepção de mundo e de homem que venha ao encontro desse tipo de escola.
Talvez um princípio básico para tornar-se professor, e mais especificamente, das
populações do campo seja o de contestação das condições que são postas para as
comunidades rurais. Aderir à luta do homem do campo na conquista por seus direitos
torna-se estorna-sencial na medida em que a escola e nela o professor tornam-torna-se portador de ideais em
que acredite ser verdadeiro.
Desenvolver uma ação pedagógica crítica que leve os sujeitos a refletirem sobre
suas práticas, contribuindo para uma melhor compreensão da realidade é uma tarefa da qual
o professor não pode se omitir. No entanto para que esse fazer pedagógico possa acontecer
é necessário o investimento na sua formação. É Gomez (2000) quem nos ajuda a pensar
sobre isso. Para ele: A escola e a educação do professor/a são elementos cruciais no processo de realização de uma sociedade mais justa. Para isso, a escola deve se propor como objetivo prioritário o cultivo, em estudantes e docentes, da capacidade de pensar criticamente sobre a ordem social.(GOMEZ in SACRISTAN: 2000, p. 374).
Nesse contexto de escola e formação o professor tem um importante papel: qual
seja o de possibilitar ao aluno o despertar da consciência crítica, o que significa buscar
envolvê-lo e sensibilizá-lo sobre as questões que dizem respeito aos problemas da
coletividade.
Para isso, é necessário que não só professor tenha esse compromisso do
envolvimento com as questões coletivas, mas que a sua formação, de um modo geral, esteja
O professor/a é considerado como um intelectual transformador, com o claro compromisso político de provocar a formação da consciência dos cidadãos na analise crítica da ordem social da comunidade em que vivem. O professor/a é ao mesmo tempo um educador e um ativista político, no sentido de intervir abertamente na análise e no debate dos assuntos políticos, assim como por sua pretensão de provocar nos alunos/as o interesse e compromisso crítico com os problemas coletivos. (id. Ibid.)
Ser um intelectual transformador significa poder ter essa capacidade de pensar
que a realidade pode ser modificada. É provável que o professor que participe das lutas
sociais, que se envolva nos problemas da comunidade, que se sinta também responsável
pelo bem estar coletivo possa assumir essa condição de ativista político. Nisso, ele pode
possibilitar ao seu aluno refletir criticamente sobre a sua realidade ajudando-o a