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afirmação coincide com o que estamos defendendo nesse trabalho: o sujeito não se constrói apenas pelas suas características biológicas,

ou individualmente, mas sua constituição se dá no convívio social,

sempre considerando os elementos da cultura que o envolvem.

Diferente dos demais animais, o homem, desde seu nascimento, está exposto a um processo educativo que tem início a partir dos primeiros contatos com a Família e vai se expandindo para outros espaços, entre eles o grupo de amigos, a Igreja, o Partido Político, o

Sindicato, a Escola, o local de trabalho, os Movimentos Sociais dos quais participa, entre outros.

Ao nascer, o indivíduo já encontra todas as circunstâncias preestabelecidas, as relações sociais e os processos educativos já estão a priori colocados e nesse modelo de sociedade o indivíduo se desenvolve sendo educado, em todos os aspectos, para se adequar a esse modelo. Ao fazermos essa afirmação, não estamos assumindo uma visão positivista da história ou dizendo que o sujeito está submetido às regras sociais e delas não pode fugir (DURKHEIM, 1957). Pelo contrário, nosso pensamento consiste em acreditar na capacidade humana de refletir e agir numa perspectiva de transformação. A história é constituída de contradições e lutas e participar dessas lutas é uma das formas que o homem encontra para dela fazer parte ativamente.

Mesmo sendo a educação um processo externo ao indivíduo e permanente, ele não pode ser considerado homogêneo, pois sendo processo torna-se dinâmico, construído e, portanto vai se alterando de acordo com determinadas mudanças que vão ocorrendo seja na sociedade ou no percurso individual do sujeito.

As sociedades se diferenciam pelos aspectos culturais, costumes, valores, concepções de mundo, ações políticas, e nesse universo o sujeito recebe a influência desses aspectos. O processo educativo, dessa forma, varia de acordo com a idade do sujeito, se altera de uma comunidade para outra, é diferente nas diversas etapas de sua vida, ou seja, é nisso que está sua heterogeneidade.

Brandão (1981), de uma forma muito explícita, ajuda-nos a esclarecer o que entendemos ao caracterizar a educação como algo permanente e extremamente heterogêneo. Segundo ele:

Ninguém escapa da educação. Em casa, na rua, na igreja ou na escola, de um modo ou de muitos todos nós envolvemos pedaços da vida com ela: para aprender-e-ensinar. Para saber, para fazer, para ser ou para conviver, todos os dias misturamos a vida com a educação. (BRANDÃO, 1981, p. 07)

Desde os primeiros instantes da vida do indivíduo, quando recebe os primeiros cuidados e, em seguida, as primeiras lições da vida familiar, até o convívio com outros grupos mais complexos a educação está presente. Na opinião do autor educação e vida se misturam.

Considerada também por Libâneo (2002) como uma prática social ele a define sob o enfoque crítico-social dando a ela um sentido amplo:

...a educação compreende o conjunto dos processos formativos que ocorrem no meio social, sejam eles intencionais ou não-intencionais, sistematizados ou não. Integra, assim, o conjunto dos processos sociais, pelo que se constitui como uma das influências do meio social que compõem o processo de socialização (LIBÂNEO, 2002, p.81).

Para o autor a educação pode ser entendida como um processo social e, portanto humano, seja intencional ou não ela ocorre no contato com o outro. Concordamos com ele quando a coloca como um conjunto que engloba os processos de formação.

O caráter social da educação fica explicitado também em Charlot (2005). Ele considera a educação a partir de dois âmbitos: interno e externo. No interno porque para haver o ato de educar é necessário o nosso querer, o estar disposto, é necessário o desejo, mas principalmente é preciso que nos reconheçamos como seres inacabados sempre dispostos a aprender. Mas não é só isso, a educação ocorre numa via de mão dupla, onde o interior está em sintonia com o exterior, local onde estão as relações sociais e com elas o conhecimento, objeto do aprender, do educar-se. Para o autor:

Educar é educar-se. Mas é impossível educar-se, se não se é educado por outros homens. A educação é, ao mesmo tempo, uma dinâmica interna (de um ser inacabado), e uma ação exercida do exterior (porque a humanidade é exterior ao homem). Essa relação interna/externa é que define a educação... (CHARLOT, 2005, p 57)

O inacabamento do homem aparece como fundamental no processo de aprendizagem. O aspecto interno, enquanto sentimento de inacabamento, de querer saber mais, e o aspecto externo, onde está a característica essencialmente humana do agir coletivo, se complementam.

Pelo que expomos fica evidente o papel da educação no processo de construção do ser homem. No entanto, ao discutir sobre essa função da educação três aspectos merecem ser abordados, pois o processo de construção do sujeito, que passa necessariamente por um processo educativo tem outros elementos que estão a estes imbricados. Falamos da hominização, da socialização e da singularização. Para Charlot: A educação é essa apropriação do humano pelo indivíduo. A educação é hominização. (...) A educação é indissociavelmente hominização e socialização: o ser humano é sempre produzido sob uma forma sociocultural determinada. (CHARLOT, 2005, p. 57).

Ao mesmo tempo em que a educação hominiza e socializa, ela desperta em cada indivíduo um aspecto singular. Entendemos que isso ocorre porque cada sujeito absorve e utiliza diferentemente os conhecimentos que são produzidos nos diversos ambientes educativos. O universo cultural do sujeito é rico em conhecimentos que se materializam nas diferentes ações, valores, comportamentos e atitudes.

Assim, a educação que humaniza o homem ao mesmo tempo em que o socializa é também formadora de um homem singular. Como assegura Charlot (2005):

...o ser humano assim produzido é sempre um ser humano singular, absolutamente original: a educação é singularização. A educação é, portanto, um tríplice processo: é indissociavelmente humanização, socialização e singularização. O ser humano não se produz e não é produzido, a não ser em uma forma singular e socializada. Ele não é um terceiro homem, um terceiro social e um terceiro singular, ele é totalmente humano, totalmente social, totalmente singular (100% + 100% + 100% = 100%) (CHARLOT, 2005, p. 57)

Essas três dimensões do ato educativo não se separam, não há, entre elas, fronteiras que as isolem. Pelo contrário, estão interligadas. O homem que se forma processo assume inconscientemente essas dimensões. Disso resulta que o homem enquanto ser que vive em sociedade tem também suas especificidades, suas diferenças, sua individualidade, que entendemos ser sua forma de pensar e agir, baseando-se em suas escolhas, em suas preferências. Apesar do aspecto socializador da educação e mesmo que esta tenha a capacidade de hominizar o indivíduo, este não perde sua singularidade, entendida aqui como forma pessoal de absorver e interpretar os conhecimentos que estão a sua volta e atuar a partir dessa singularidade.

Ressaltamos que o sujeito hominizado e socializado, produto de um processo educativo que lhe é exterior e, sendo a ele submetido tem sua identidade individual e coletiva também construída socialmente.

Mas antes de adentrarmos nesse aspecto da identidade individual e coletiva, gostaríamos de tocar num outro ponto que consideramos essencial para entendermos como o homem vai formando e construindo essa identidade.

Partindo do princípio de que o homem nasce inacabado e vai se construindo no cotidiano, é conseqüente a concepção de que ele é um sujeito que está em permanente aprendizagem. Aprender, nessa perspectiva é estar em contato com a cultura produzida não

só pelo espaço de convivência diária, mas com a cultura mundial, é assimilar informações, é selecionar, filtrar aquilo considerado útil para a vida prática ou, do contrário, dispensável. Para Charlot (2005): Nascer é para o homem, estar na obrigação de aprender (e ter a chance de poder fazê-lo). (CHARLOT, 2005, p. 57). Assim, o próprio ato de nascer, de estar no mundo, implica necessariamente o ato de aprender.

Sendo constituído por escolhas constantes que não cessam, aprender é estar sempre diante do querer mais, de continuar na busca do novo, pois cada aprendizagem desperta um novo desejo. Estar no mundo é estar aprendendo sempre. A completude do aprender é inatingível. É possível observarmos essa disponibilidade no relato da professora Marcela ao definir: O MST foi e continua sendo uma das maiores escolas [...] porque eu continuo aprendendo a viver, a cooperar, a unir, a lutar, a vencer, a desafiar... Nesse sentido, estar no mundo é estar aprendendo sempre. A completude do aprender é inatingível.

Para Charlot (2005) todo aprender precede o desejo. É preciso estar disposto. Segundo ele:

Esse desejo não pode jamais ser completamente satisfeito porque, por sua condição, o sujeito humano é incompleto, insatisfeito. Ser completo seria tornar-se um objeto. Nesse sentido, a educação é interminável – jamais será concluída”. (CHARLOT, 2005, p. 57).

Tendo como pressuposto que o aprender é um processo amplo e que ele é parte do processo de constituição do sujeito, consideramos ser de fundamental importância ampliar

o conceito de educação e de formação, ambas compreendidas como processos de construção individual e coletiva.

Isso nos faz pensar na pesquisa desenvolvida por Luria (1902-1977) na área da psicologia quando investigava sobre o desenvolvimento cognitivo nas comunidades rurais da extinta União Soviética no momento em que há a brusca mudança no sistema produtivo daquele país. Suas conclusões nos chamam a atenção quando ele vem dizer que: as características básicas da atividade mental humana podem ser entendidas como produtos da história social – elas estão sujeitas a mudanças quando as formas de prática social se alteram; são, portanto sociais em sua essência. (LURIA, 1990, p.218).

Isso quer dizer que o desenvolvimento da aprendizagem humana ocorre considerando as atividades sociais, a construção e reconstrução da cultura, o decorrer da história. É assim que o sujeito vai assimilando os diferentes modos de existência aos quais está exposto.

Se o sujeito vive num processo de aprendizagem constante que não se restringe apenas à educação formal nem se pauta numa transmissão de conhecimentos fechados em torno de uma grade curricular, de algum nível de ensino ou curso de qualificação entendemos que o aprender faz parte de um processo que antecipa a educação escolar, caminha no mesmo sentido, extrapola e se estende por toda a vida do sujeito. Conforme nos esclarece Charlot (2005):

Aprender não é apenas adquirir saberes, no sentido escolar e intelectual do termo (...) é também apropriar-se de práticas e de formas relacionais e confrontar-se com a questão do sentido da vida, do mundo de si mesmo (...) toda relação com o aprender é uma relação com o mundo, com os outros e consigo mesmo. (CHARLOT, 2005; p. 57).

No pensamento do autor a aprendizagem não se limita a uma ação isolada do sujeito, mas no contato com os outros, nas diferentes formas de relações sociais, na troca do conhecimento e das informações que circulam no universo de relações em que convive. Delizoicov, Angotti, Pernambuco (2002) reforçam essa idéia ao afirmar que se a aprendizagem é resultado das ações de um sujeito, não é resultado de qualquer ação: ela se constrói em uma interação entre esse sujeito e o meio circundante, natural e social (DELIZOICOV, ANGOTTI, PERNAMBUCO: 2002, p. 122). Também para esses autores é na vida cotidiana, naquilo que é fruto do desejo, da necessidade, da vontade, mas ao mesmo tempo do enfrentamento e da coerção que se dá a aprendizagem.

Ser um sujeito em constante aprendizagem é estar disposto a aceitar o diferente, é querer saber mais, é estar em diálogo aberto com o outro. Ver no outro a possibilidade de que por ele pode saber mais, entender que o conhecimento pode ser complementado é assumir a possibilidade de construir-se continuamente.

Esse pensamento nos remete a Charlot (2005) quando falou da incompletude, do inacabamento e da singularidade humana.

A busca, o desejo de aprender e a convicção de que está sempre aprendendo passam pela noção da consciência. (FREIRE, 2004) Se entendermos que é no mundo que está o ser do homem então entendemos que o homem só deseja ser a partir do momento em que ele, em contato com o mundo, desperta para a possibilidade de ser. Este despertar para o ser implica no agir a partir de uma reflexão. Essa ação parte do sujeito consciente.

Definindo o que entendemos por sujeito consciente partilhamos com Marleau- Ponty (1999) a idéia de que existe um mundo no qual o sujeito está inserido e é desse mundo, que ele retira todas as sínteses nas quais fundamenta suas explicações. Assim a forma como percebe as coisas e interpreta surgem dessa relação entre ele e o mundo. Nas

palavras do autor o homem está no mundo, é no mundo que ele se conhece. (MARLEAU- PONTY, 1999 p. 08). Assim é nessa relação com o mundo, descobrindo-se como sujeito que a consciência do homem passa a existir.

No pensamento de Freire, para que a consciência se desenvolva é necessário que haja a interação do sujeito com o mundo (FREIRE: 2004). É em ações conjuntas com os demais, na troca de experiências, no diálogo constante entre homens e grupos que a consciência pode, através do pensamento, desenvolver uma postura crítica das coisas, dos acontecimentos. Essa postura consiste numa ação refletida que resulta de uma consciência. Nesse aspecto, entendemos que não é suficiente para o homem, enquanto ser social, ter apenas a capacidade de raciocinar, aqui entendida como capacidade de articular pensamento e linguagem à ação; mais do que isso implica em sentir-se envolvido numa determinada realidade, sendo parte dela e, portanto construtor de idéias que visem mudança, transformação.

Na fala do professor Raul, observamos esse envolvimento aliado ao ideal de transformação quando relata: Minha participação no Movimento está contribuindo para minha formação política, social, pedagógica e cultural (...) é essa dinâmica que possibilita- me enxergar o mundo e suas contradições fazendo-me atuar nesta realidade de forma consciente, contribuindo para a formação de uma sociedade mais justa.

O desenvolvimento da consciência consiste exatamente no fato do sujeito tomar partido, assumir posições, fazer escolhas, assumir-se frente às demandas do cotidiano. Isso consiste em apreender a realidade e interpretá-la. Assim para Freire (2001) ser consciente é ultrapassar a esfera espontânea de apreensão da realidade, para chegarmos a uma esfera crítica na qual a realidade se dá como objeto cognoscível e na qual o homem assume uma posição epistemológica. (FREIRE, 2001 p. 26)

Essa apreensão se dá quando o homem é capaz de observar sua realidade a partir da reflexão. A realidade assume seu caráter cognoscível a partir do momento em que o sujeito a entende como passível de observação, de análise, de crítica, de transformação. Somente refletindo sobre o mundo que o cerca ele se sente capaz de agir sobre ele, assumindo de fato o papel de sujeitos que fazem e refazem o mundo. A conscientização exige que os homens criem sua existência com um material que a vida lhes oferece (...) é tomar posse da realidade. (FREIRE, 2001, p. 26). Nessa compreensão a realidade passa a ser para o homem instrumento de reflexão e, assumindo a condição de estar consciente, afasta-se daquilo que materialmente se apresenta passando a interpretá-la.

Com isso, entendemos que estar consciente é um dos passos fundamentais para que o homem esteja disposto, desejoso de aprender sempre mais e, portanto, convicto de que seu pensar e seu ser homem, entendido como sujeito da ação, partem de uma compreensão de uma realidade que lhe fornece os elementos de reflexão para a transformação.

Essas considerações nos permitem entender as falas dos professores/as como uma demonstração clara de que a vivência nos espaços de formação que analisamos foi geradora de situações de aprendizagem. Os castigos a que eram submetidos pelos pais, a disciplina rígida que a família os impunha, a observância as regras e o respeito são exemplos dessa educação a que nos referimos.

As relações sociais produzidas no espaço escolar deixaram marcas que são evidentes em suas falas. A idéia de preconceito, de exclusão, a forma como se referem aos professores, a inspiração que a Escola despertou para o magistério, são alguns dos exemplos de que esse convívio for formador de valores, de opiniões e condutas que ate hoje estão presentes servindo como referência.

Da mesma forma, ao se referirem ao trabalho, eles o associam imediatamente a determinados valores. Esse convívio, que no início era partilhado pelos membros da família, teve aspectos positivos na sua formação, não aparecendo, portanto, críticas mais contundentes a certos problemas que esse fato poderia trazer como não freqüentar a escola ou deixar de brincar com os colegas.

Não percebemos críticas mais severas feitas pelos professores/as ao se referirem a esses espaços. Todos aparecem como significativos em seus percursos e principalmente, formadores. Apesar dos inúmeros conflitos e contradições que podem existir não há referência a esses aspectos. Contudo, o que é importante ressaltar é a evidência de uma formação que se dá ao longo da trajetória do sujeito.

A idéia de reflexão crítica pode ser entendida quando, nos relatos, os professores/as se reconhecem como sujeitos de uma luta, de um Movimento Social. O assumir-se como sujeito num grupo, significa não apenas envolver-se nas atividades propostas por esse grupo no qual ele está inserido, mais que isso, o sujeito engajado absorve os ideais defendidos pelo coletivo e busca desenvolver ações que possibilitem as transformações almejadas. Percebemos que a atuação deles, enquanto militantes do MST assumindo-se como Sem Terra é um fator muito forte que lhes possibilita desenvolver uma reflexão crítica sobre a realidade, pois a partir de uma série de elementos, mas principalmente através da formação política dada pelo Movimento é que eles podem melhor refletir sobre suas realidades.