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Nosso objetivo nesse capítulo consiste em refletir sobre o processo de construção da identidade do professor considerando a concepção que temos de formação e como ela vai acontecendo a partir dos espaços que privilegiamos. No nosso entendimento, essa identidade vai se construindo numa relação entre o sujeito e a cultura na qual ele está inserido.

Começamos por refletir sobre a concepção que temos de homem. Em seguida, iremos discutir a formação humana considerando os conceitos de educação e aprendizagem. Por compreendermos que o educar e o aprender são atividades essencialmente humanas e que a formação está diretamente a elas vinculada é que buscamos clarear esses conceitos buscando explicitar como entendemos a construção da identidade do professor.

Com base nas falas dos professores/as, apresentadas no capítulo anterior, nossa intenção é, a partir de suportes teóricos, mostrar como vão se desenvolvendo maneiras individuais e ou coletivas de pensar e agir. A reflexão e a ação podem revelar o que chamamos de identidade individual e coletiva. Buscamos identificar esses elementos buscamos nas suas biografias individuais.

Quando, em algum momento, questionamos sobre o homem, quem é e o que faz, para onde vai, vem logo em nossa mente uma das grandes questões da filosofia ainda não resolvida. A discussão sobre quem é o homem atravessa toda a história da filosofia. A

pergunta existe desde os pré-socráticos passando pela filosofia moderna até a contemporânea. Além da filosofia, a religião e a ciência também têm se preocupado em responder a questão. Em meio a esse universo de respostas percebemos a existência de várias concepções que tentam dar conta da temática.

No entanto, a filosofia da nossa época pautada nos ideais da Idade Moderna, onde o homem assume o centro do conhecimento, em contraposição a visão teocêntrica da Idade Média, vem nos colocar a noção de sujeito como foco central para a compreensão do homem contemporâneo.

Entendemos que, diferente dos outros animais, ele possui uma característica que lhe é única: o raciocínio. Aqui compreendido como a capacidade de observar, refletir e agir. O intelecto do qual é dotado lhe oferece certas habilidades de pensamento que o coloca numa posição privilegiada em relação aos demais animais. Essa capacidade de raciocinar, de articular a linguagem ao pensamento o torna um ser que, na terra, pode atuar sobre o meio transformando-o, de acordo com as suas necessidades.

Para definirmos como pensamos o homem, podemos nos referir a Paulo Freire (1927-1997) quando ele afirma: O homem e somente o homem é capaz de transcender, de discernir, de separar órbitas existenciais diferentes, de distinguir “ser” do “não ser”; de travar relações incorpóreas. (FREIRE, 1979:63). São essas características que lhe permitem diferenciar os elementos da realidade, dando-lhe a oportunidade de fazer análises e identificar opções. Essas relações incorpóreas a que Paulo Freire se refere podem ser resultado dessa capacidade de interpretação da realidade e que ocorre a partir do exercício da reflexão. Suas escolhas resultam desse ato e consistem na busca da compreensão e explicação das coisas que o rodeiam.

Para Paulo Freire (1980) Uma das características do homem é que somente ele é homem. Somente ele é capaz de tomar distância frente ao mundo. Somente o homem pode distanciar-se do objeto para admirá-lo. (idem, p. 25). E é exatamente essa capacidade de distanciamento do mundo que o torna capaz de refletir sobre a objetividade das coisas.

O mesmo autor atribui significativa importância ao fato do homem poder exercer sua capacidade de refletir, mas isso não acontece sem que o homem se perceba num determinado tempo e espaço. Essa necessária noção de temporalidade o faz situar-se num momento histórico. Esse tempo precisa ser compreendido como algo dinâmico, conflitante e, portanto construído humanamente. Sentir-se enquanto ser histórico dá ao homem a capacidade de compreender o porquê das coisas, como elas foram se organizando para que se apresentassem exatamente como são hoje.

Entender o hoje como resultado de um processo histórico implica compreender o futuro como reflexo do atual momento. Nessa compreensão, o próprio homem é percebido como sujeito da história e ao se encontrar como sujeito ele assume sua posição de ser homem. Ser sujeito é a grande e desafiadora tarefa, pois consiste em superar a simples capacidade de raciocinar. Mais que isso, significa que o homem pode extrapolar esse limite e se situar como ator da história.

Analisando a idéia de sujeito enquanto ser histórico no mundo, Paulo Freire (1980) assim afirma:

Se a vocação ontológica do homem é a de ser sujeito e não objeto, só poderá desenvolvê-la na medida em que, refletindo sobre suas condições espaço-temporais, introduz-se nelas, de maneira crítica. Quanto mais for levado a refletir sobre sua situacionalidade, sobre seu enraizamento espaço-temporal, mas “emergerá” dela conscientemente “carregado” de compromisso com sua realidade, da qual porque é sujeito,

não deve ser simples espectador, mas deve intervir cada vez mais”.(FREIRE, 1980, p. 61).

O compromisso com a realidade parte da reflexão e essa não termina em si, mas é o início de um processo que tem como passo seguinte a ação sobre essa realidade. É nesse momento que o homem se percebe como um ser coletivo. Suas ações não podem existir a partir de um pensamento solitário, mas elas se dão no conjunto das relações que ele estabelece com os outros homens.

É o agir que partindo de uma reflexão transforma-se em prática. Essa, por sua vez, passa novamente pelo processo de reflexão. Assim, produz-se um movimento circular onde cada ação desencadeia uma nova reflexão. A nova realidade, agora transformada torna-se objeto de reflexão crítica. Esse movimento ação-reflexao-ação é exatamente o que Paulo Freire chama de práxis humana, (FREIRE, 2004), ou seja, a indivisível unidade entre ação e reflexão do sujeito.

Essa práxis precisa existir constantemente na vida do indivíduo sob pena de tornar-se objeto de manipulação. Acomodado a determinada situação de opressão, o homem é impedido de usar sua capacidade de pensar para escolher e agir para transformar.

Pela práxis o homem está num constante processo de decisão, onde a cada ação surge uma nova reflexão. Esse pensamento tem sintonia com a idéia de que ele não pode estar totalmente acabado, pronto, como um produto que se fecha em torno de si mesmo. A própria dinâmica da vida social, estabelecida pelas relações humanas, vai lhe colocando momentos de escolha e decisão.

Nesse sentido, é relevante destacar que entendemos o homem como um ser inacabado, imperfeito. Sua construção, enquanto sujeito na busca da completude se dá e se constrói a partir das relações que esse estabelece com o semelhante. É com o outro, no

convívio social que o homem vai se construindo como um ser de relações. Nessa definição é impossível omitir os elementos da cultura como referência para entendermos como o homem se constrói e se assume.

Charlot (2005) é quem nos ajuda a refletir sobre esse aspecto. Para ele:

A cria do homem nasce inacabada, imperfeita (...) Na cria da espécie humana, o homem não é ainda, deve ser construído (...) O caráter humano, a humanidade, não está em cada indivíduo que nasce, ela é exterior a esse indivíduo (...) A cria da espécie humana não se torna homem senão se apropriando, com a ajuda de outros homens, dessa humanidade que não lhe é dada no nascimento, que é, no início, exterior ao indivíduo. (CHARLOT, 2005, p. 56).

Para o autor o homem não nasce pronto, ele se constrói a partir