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A discussão sobre o campo e os temas que o envolvem como Reforma Agrária, Movimentos Sociais, Educação, entre outros tem ganhado um significativo avanço não só na produção acadêmica, mas também no âmbito governamental.

Esse avanço tem se dado através das lutas encampadas pelos movimentos sociais e a pressão da sociedade civil em sensibilizar os governos no sentido de dar maior atenção aos problemas do campo. A realização de eventos como a II Conferência Nacional por uma Educação do Campo, bem como a criação de órgãos que buscam aproximarem-se das populações do campo desenvolvendo políticas publicas para o setor tem sido formas encontradas para fomentação das discussões sobre os problemas dessas comunidades.

Os novos documentos que traçam diretrizes para as políticas de Educação do Campo trazem uma nova concepção de campo que não se restringe mais a idéia de meio urbano e meio rural como tradicionalmente era colocado, mas a uma visão mais ampla de quem são e onde estão essas comunidades.

Nessa nova concepção, o campo reúne uma variedade de culturas, com produção econômica e organização social muitas vezes, diferentes uma das outras. Assim, cada uma dessas comunidades tem características bem especificas que variam de acordo com o lugar onde se localizam.

As ações desenvolvidas pelos Movimentos Sociais se caracterizam na forma de luta para que o campo adquira espaço no meio político. Muita coisa tem sido feita, mas ainda falta muito a conquistar, pois a situação em que vivem essas populações não é recuperável com medidas paliativas ou de caráter imediato, mas com planejamento político

e principalmente mudança de mentalidade no que se refere à maneira de pensar o campo e sua cultura.

Em sintonia com esse pensamento, Molina (2006) vem acrescentar que:

A base fundamental de sustentação da Educação do Campo, à qual se vincula o PRONERA, é que o território do campo deve ser compreendido para muito além de um espaço de produção agrícola. O campo é território de produção de vida, de produção de novas relações entre os homens e a natureza; entre o rural e urbano. O campo é um território de produção de história e cultura, de luta de resistência dos sujeitos que ali vivem. (MOLINA in CALDART, PALUDO, DOLL, 2006, p. 08).

Pensamos que, se há uma redefinição para o conceito e a forma de ver o campo se faz necessário também rever as políticas públicas para o setor, principalmente as que se referem à educação.

A II Conferência Nacional por uma Educação do Campo, a qual nos referimos anteriormente, ocorrida em 2004 em Luziania/GO e que reuniu vários órgãos estatais, universidades, instituições internacionais como a UNICEF e UNESCO, ONGs e Movimentos Sociais envolvidos com a causa do campo, é uma grande referência que mostra como as políticas públicas devem direcionar suas ações em benefício das populações do campo no que se refere a implantação de uma educação de qualidade. Da Conferência foi aprovada a Declaração Final “Por Uma Política Pública de Educação do Campo” que aponta ações públicas para a concretização de um modelo de educação que atenda as necessidades dessas populações.

Para desenvolver ações que venham beneficiar a população se faz necessário que os dirigentes políticos estejam atentos às diferenças culturais que marcam essas comunidades. A Declaração alerta a esse respeito quando afirma:

O campo tem sua especificidade. Não apenas somente pela histórica precarização das escolas rurais, mas pelas especificidades de uma realidade social, política, econômica, cultural e organizativa, complexa que incorpora diferentes espaços, formas e sujeitos. Além disso, os povos do campo também são diversos nos pertencimentos étnicos, raciais: povos indígenas, quilombolas...; (Declaração Final da II Conferência.)

Não se pode pensar numa educação que venha em embalagens prontas para ser posta em prática. A população do campo tem sido clara ao colocar no debate o tipo de educação que desejam. Pela heterogeneidade que representa o campo é preciso que se pense numa educação do campo e não para o campo.

Caldart (2004) explica que é direito de qualquer povo ser educado no lugar onde vive, o que precede uma concepção de educação pautada na realidade do sujeito, considerando como ponto de partida suas necessidades e interesses. A autora sai em defesa desses interesses afirmando:

Nossa proposta é pensar a educação do campo como processo de construção de um projeto de educação dos trabalhadores e das trabalhadoras do campo gestado desde o ponto de vista dos camponeses e da trajetória de luta de suas organizações. (CALDART, 2004, p. 17)

No entanto, para que esse projeto se desenvolva é necessário o envolvimento direto do Estado. A Lei Nº 9.394/96 de 2004, Lei de Diretrizes e Bases da Educação nacional – LDB – já especifica no seu art. 28 a forma como a educação no campo pode ser pensada. Segundo esse artigo é necessário que se considere as especificidades de cada lugar e que haja as devidas adaptações aos conteúdos curriculares, a metodologia, ao calendário escolar, além do respeito à natureza do trabalho na zona rural.

Não podemos negar que houve um avanço, pois a lei sinaliza para o respeito às diferenças de cultura regional e local. Uma análise mais aprofundada do artigo, em comunhão com o artigo 26, que trata da questão curricular, nos permite pensar numa proposta de educação preocupada com a inclusão, com o acesso e permanência do aluno na escola e, principalmente, com seu sentimento de identidade o processo de aprendizagem.

Sem dúvida, existe uma outra preocupação que deve estar na pauta das discussões. É que não adianta um discurso bonito ou uma lei que na prática apresente limitações. É necessário principalmente, que se garanta a população do campo o direito a essa educação. Para Arroyo (2000): “é no terreno dos direitos onde as políticas públicas encontram sua função” (idem., p. 103). Pelo que sabemos os direitos não são conquistados sem a luta dos povos. O Brasil, através dos Movimentos Sociais que representam boa parte das populações do campo, como os indígenas, os quilombolas, os sem-terra, os povos da floresta, entre outros, tem demonstrado que é possível lutar sim. O acesso, que até então tem sido-lhes negado, àquilo que lhes é de direito, como educação, terra, trabalho, pode ser conquistado no enfrentamento das idéias, no embate teórico e na defesa de interesses que são coletivos.

Os novos sujeitos sociais que tem se envolvido nessa luta mostram um outro Brasil que, apesar das mazelas sociais que ainda temos, tem sinalizado para um jeito novo de pensar políticas públicas menos discriminatórias e menos desiguais. Ressaltamos que a luta que os Movimentos têm travado na busca das conquistas passa primeiro pela conquista do direito assegurado. Medidas paliativas não resolvem o problema do homem e da educação do campo. Arroyo (idem) vem colocar sobre a necessidade dessa nova consciência política dos direitos afirmando que:

Somente neste terreno político dos direitos terá sentido um outro diálogo entre a diversidade dos povos do campo e as diversas agências públicas e os diversos entes federativos. O pensamento educacional, a reorientação curricular, a produção de material didático e a formação de professores (as) ou o cumprimento das políticas educacionais encontrarão seu sentido público na sociedade que não ignorar o avanço da consciência e da luta pelos direitos. (id. Ibid.).

O autor toca num ponto fundamental que não pode ser descartado quando o tema é Educação do Campo, qual seja o de incluir na pauta das exigências imediatas a preocupação com a formação dos professores.

No entanto, ao falarmos de formação, não nos referirmos apenas a formação escolar, inicial ou continuada. Mas a todo um conjunto de relações que se estabelecem no cotidiano dos sujeitos, na convivência entre os membros da comunidade e nas relações desta comunidade com outras.

Pensando assim, a idéia de formação ultrapassa os limites de qualificação do professor no sentido restrito da profissionalização docente. Ela se constitui enquanto processo sócio-cultural e como tal ocorre onde estão as condições sociais, materiais, culturais e afetivas. É formativa porque possui a capacidade de desenvolver atitudes, valores e comportamentos que se constroem individual e coletivamente.

Partindo dessa nova concepção de campo e percebendo a formação docente a partir de um contexto que extrapola uma grade curricular é que podemos visualizar a escola do campo de acordo com o que pensa Risso (2006). Para ela, a função da escola é formar o sujeito que pense e atue crítico e reflexivamente na sua realidade. Segundo ela:

A construção da uma Educação do Campo que valorize o ser humano como principal sujeito de sua educação, considerando, valorizando e problematizando sua vivência e realidade, é uma tarefa que requer o envolvimento coletivo e direito de todos os sujeitos que dela fazem parte, incluindo

os movimentos sociais que lutam para construir relações sociais mais justas e uma educação que forme seres humanos mais ativos, críticos e que saibam o que querem, o que fazem e por que fazem (RISSO, et all in CALDART, PALUDO, DOLL, 2006, p. 138)

Na verdade, é o desejo de todos que a educação seja de qualidade e que possa não apenas ensinar a ler e escrever, mas que busque desenvolver em cada sujeito a noção de criticidade e de participação nas lutas pelos direitos negados. No campo, esse aspecto é fundamental, pois o envolvimento com os problemas da coletividade é elemento essencial na luta pelos direitos, principalmente por uma educação de melhor qualidade.

Num olhar sobre as escolas dos assentamentos que atendem a uma parcela da população do campo, Caldart (2004) nos diz que elas são diferentes porque além de estarem situadas no meio rural, onde a cultura, de um modo geral, não é a mesma dos centros urbanos, atendem a uma parcela da população brasileira que é diferenciada. Essa tem necessidades específicas as quais precisam ser respeitadas e atendidas. Em virtude dessas especificidades é necessário estar atento à participação da escola na vida da comunidade. Como ela intervém na busca de soluções dos problemas coletivos e como ela promove o desenvolvimento cultural da comunidade, são questões que devem estar no rol das reflexões sobre o tipo de escola que é necessário criar para as comunidades campesinas.

Nessa compreensão a autora afirma que:

Olhar para a escola buscando ver nela ou com ela o movimento social que garante a sua própria existência em determinados territórios, como os acampamentos e assentamentos de reforma Agrária, e atendendo a sujeito bem particulares, como os sem-terra, significa colocar algumas questões específicas para a sua reflexão pedagógica, ao mesmo tempo que são universais em sua base de origem. (CALDART, 2004, p 378)

Para esse modelo de escola necessário se faz pensar um professor comprometido com uma concepção de mundo e de homem que venha ao encontro desse tipo de escola.

Talvez um princípio básico para tornar-se professor, e mais especificamente, das populações do campo seja o de contestação das condições que são postas para as comunidades rurais. Aderir à luta do homem do campo na conquista por seus direitos torna- se essencial na medida em que a escola e nela o professor tornam-se portador de ideais em que acredite ser verdadeiro.

Desenvolver uma ação pedagógica crítica que leve os sujeitos a refletirem sobre suas práticas, contribuindo para uma melhor compreensão da realidade é uma tarefa da qual o professor não pode se omitir. No entanto para que esse fazer pedagógico possa acontecer é necessário o investimento na sua formação. É Gomez (2000) quem nos ajuda a pensar sobre isso. Para ele: A escola e a educação do professor/a são elementos cruciais no processo de realização de uma sociedade mais justa. Para isso, a escola deve se propor como objetivo prioritário o cultivo, em estudantes e docentes, da capacidade de pensar criticamente sobre a ordem social.(GOMEZ in SACRISTAN: 2000, p. 374).

Nesse contexto de escola e formação o professor tem um importante papel: qual seja o de possibilitar ao aluno o despertar da consciência crítica, o que significa buscar envolvê-lo e sensibilizá-lo sobre as questões que dizem respeito aos problemas da coletividade.

Para isso, é necessário que não só professor tenha esse compromisso do envolvimento com as questões coletivas, mas que a sua formação, de um modo geral, esteja baseada nesse princípio. Na opinião do autor:

O professor/a é considerado como um intelectual transformador, com o claro compromisso político de provocar a formação da consciência dos cidadãos na analise crítica da ordem social da comunidade em que vivem. O professor/a é ao mesmo tempo um educador e um ativista político, no sentido de intervir abertamente na análise e no debate dos assuntos políticos, assim como por sua pretensão de provocar nos alunos/as o interesse e compromisso crítico com os problemas coletivos. (id. Ibid.)

Ser um intelectual transformador significa poder ter essa capacidade de pensar que a realidade pode ser modificada. É provável que o professor que participe das lutas sociais, que se envolva nos problemas da comunidade, que se sinta também responsável pelo bem estar coletivo possa assumir essa condição de ativista político. Nisso, ele pode possibilitar ao seu aluno refletir criticamente sobre a sua realidade ajudando-o a compreendê-la e modificá-la.

Diálogos 1