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“Na infância, vivi momentos lúdicos maravilhosos, como também sofri sérias privações, mas tive a experiência de viver como criança e isso tem se refletido na fase adulta positivamente, através da auto-estima e segurança. Dessa tão formidável fase ainda carrego comigo três coisas que me

acompanham e, por sinal, sempre me acompanharão: o gosto e a exagerada admiração pelas flores, a tendência e felicidade de fazer amizades com o sexo masculino, pois dos dez irmãos que tive nove eram do sexo masculino, e a sensibilidade incontrolável chegando a trazer sérias conseqüências para minha saúde”.

A Família

Ao lermos o material da pesquisa, uma de nossas preocupações seria sobre o que destacar nos textos. Que falas seriam relevantes para o nosso trabalho, porque destacar determinadas falas. E nesse momento precisaríamos estar atentos aos nossos objetivos.

Entendendo que a família se constitui num espaço formador buscamos encontrar nesse espaço diferentes momentos e formas em que essa formação vai ocorrendo.

Os textos, na nossa opinião, priorizam a influência da família na constituição da identidade a partir do momento em que os professores afirmam a existência de valores que tiveram origem na convivência do grupo familiar ao mesmo tempo em que afirmam que alguns desses valores ainda prevalecem.

Acreditamos que a obediência, o respeito, a humildade, a honestidade, entre outros apontados por eles, o sujeito adquire em vários espaços que freqüenta, no entanto, há um diferencial quando esses valores são repassados pela família, em especial os pais, conforme eles relatam.

Nesse sentido, o professor demonstra que tem uma opinião formada sobre a família. Seu conceito/definição do que ela é ou foi é decorrente de suas experiências no meio familiar como também podem ser repassadas por outros espaços de formação, como a Igreja, a Escola, entre outros, que são também formadores. Dessa forma, defendemos que a sua concepção de família é parte constituinte de sua identidade.

Nas falas podemos perceber claramente essa formação, por exemplo, quando encontramos nas palavras da professora Clara a idéia de que família teve um importante

papel na sua vida. As características mais marcantes são o rigor, a disciplina e a obediência. No seu texto ela afirma: Um aspecto muito forte na minha infância era a obediência e o respeito aos meus pais e às pessoas mais velhas. Se por uma vez fosse indisciplinada era penalizada com surras e castigos.

É como se a obediência e o respeito adquirido pelos pais fossem à custa de punições. Contudo, não encontramos no seu texto como ela se posiciona, hoje, em relação a agressões físicas como surras e castigos.

Da mesma forma, o professor Marcelo destaca os princípios nos quais a família lhe educou. Diz ele: Minha formação familiar foi centrada em valores como humildade, honestidade, respeito e trabalho. No seu caso, além desses valores comuns a quase todos os professores pesquisados há um outro elemento que apresenta o papel que algumas famílias assumem junto aos filhos, como ensinar a ler e escrever antes de mandá-los para a escola. Ele diz: Meu primeiro contato com as letras foi em casa mesmo, tendo como professora minha irmã mais velha que sabia um pouco mais.

A professora Salete destaca esses mesmos valores que lhe foram repassados pela família e aponta os mesmos como pré-requisitos para as relações atuais entre os membros do grupo: Conforme relata: Minha educação foi baseada em valores fundamentais que a minha família preserva até hoje, como sendo o respeito aos outros, a honestidade, ser solidário e humilde (...) Hoje somos uma família unida e que se ajuda mutuamente e que além de tudo se respeitam. A fala em destaque demonstra, além do que a professora considera como valores fundamentais, que a união, a ajuda mútua e o respeito são elementos fortes e presentes. No entanto, não deixa transparecer as diferenças comuns que podem existir no interior dos grupos.

O ideal de boa formação familiar que perpassa em alguns textos como o da professora Joana, por exemplo, leva-nos a perceber, mais uma vez, a importância dada a determinados valores. Para ela, eles são importantes, pois os considera como fundamentais para uma vida equilibrada: Meus pais sempre lutaram muito para dar uma educação boa para seus filhos. Para eles o estudo, o respeito, a confiança, o diálogo, a humildade, o trabalho e a dignidade é o fundamental na vida do ser humano.

Nas falas selecionadas acima podemos identificar a participação que a família teve na formação desses professores. Perpassa uma idéia comum qual seja a de que o respeito, a honestidade e a humildade funcionam como pilares que dão sustentação não só a coesão do grupo, mas à existência humana.

Contudo, destacamos que as falas podem esconder os conflitos, as contradições e os interesses individuais, comuns na maioria dos grupos familiares.

Consideramos relevante destacar ainda na formação e que aparece muito forte nos textos é a referência ao aspecto econômico da família e as conclusões que os professores fazem decorrentes dessa situação.

Merece destaque a forma como esse aspecto é considerado.. Quase todos fazem referencia à idéia de que a limitada condição econômica não estava associada ao ideal de felicidade repassada pela família.

Um dos exemplos que citamos é o da professora Mara que destaca vários elementos que para ela foram importantes. Da ênfase ao diálogo entre os membros colocando-o como elemento sempre presente na família e enfatiza que a condição econômica nunca foi empecilho para o bom andamento da família:

Não éramos uma família rica em posses, mas éramos ricos em união, amor e pais admiráveis. Hoje somos uma família que se ajuda mutuamente e que se respeita (...) na minha casa sempre houve espaço para a alegria, o diálogo e nunca para a desavença, a começar por meus pais que se amavam muito.

É evidente que as famílias camponesas, e não só essas, mas as famílias mais simples, economicamente falando, passam por inúmeras dificuldades financeiras. Muitos problemas surgem decorrentes dessas questões: são discussões, separações entre irmãos e/ou o pai que sai para lugares distantes a procura de trabalho. Em muitos casos a pobreza acaba gerando problemas de saúde, em parte, devido à má alimentação ou a falta de saneamento básico.

No entanto, apesar de ser uma característica comum a grande maioria das famílias, essa observação não fica explícita nas falas. Parece-nos que a memória que predomina é a de uma família modelo no aspecto afetivo e isso é capaz de superar qualquer obstáculo.

O mesmo pensamento encontra-se no texto do professor Lucas. Tendo uma origem extremamente humilde, conforme podemos observar no seu relato, ele destaca que a difícil condição econômica da família era amenizada pelos laços afetivos:

Fui uma criança muito feliz, alegre, amiga. Faço parte de uma família de sete irmãos onde não foi preciso ter brinquedos caros, mas o que tínhamos era tudo que precisávamos, ou seja, ter um pai e uma mãe maravilhosa.

Para o professor, a felicidade e a alegria foram a forma encontrada, pelo menos é assim que ele escreve, para superar as dificuldades econômicas. A idéia de pais maravilhosos torna-se, na sua análise, elemento fundamental, acima de qualquer um outro.

Realmente, os laços de afeto, presentes na família, são essenciais para que o grupo se constitua enquanto família, mas a idéia que fica é que, quando se trata de relembrar a infância, a imagem dos pais é, na maioria dos casos, imune a qualquer comentário que possa produzir uma imagem indesejável.

Mais uma vez percebemos, como a noção de família, enquanto grupo, aparece concisa, sempre pensada em torno da unidade.

O texto da professora Márcia é idêntico nesse sentido. Ao falar da família ela afirma:

Tive uma infância difícil, pois venho de uma família simples e que juntos enfrentamos muitas dificuldades (...) Lembro- me que minha mãe fazia bonecas de pano para brincarmos porque não podia nos dar brinquedos bonitos, mas nunca nos faltou o carinho e a atenção de nossos pais.

Se atentarmos para os relatos da professora, percebemos que as condições econômicas da sua família são mais difíceis do que as de outras citadas anteriormente. No entanto, sua fala é idêntica às demais no que se refere ao carinho e a atenção dos pais.

Outro ponto que destacamos nessa abordagem da família como formadora é que ela não se encontra isolada da influencia de outras instituições educativas, como a Igreja, os partidos políticos, entre outras.

Podemos perceber que cada membro do grupo familiar tem por sua vez uma formação que foi ou é ainda respaldada por outras instituições que freqüenta. Assim, encontramos em textos como o da professora Claudia, essa relação entre família, igreja e partidos políticos, por exemplo:

Minha mãe procurou nos educar nos princípios religiosos de tal forma que ao me tornar adolescente entrei no grupo de

jovens e logo comecei a cantar nas festas religiosas. Com isso minha mãe ficava muito satisfeita.

Da mesma forma que a formação familiar pode ter ligação com a religiosa, em outros casos, ela pode estar vinculada a questões políticas principalmente quando algum dos membros teve ou tem envolvimento com partidos políticos. Essa idéia aparece no relato da professora Irene.

Minha mãe era analfabeta e meu pai sindicalista. Era um velho muito atiço na militância. Na época ele era filiado ao Movimento Democrático Brasileiro (MDB). Lembro-me como hoje, ele era muito ligado às informações, pois não perdia um programa da Voz do Brasil.

O que nos chama a atenção para as falas acima é que essa formação não deve ser entendida a partir de espaços fragmentados, isolados entre si. A família está num contexto social e nisso ela não só absorve elementos desses diferentes discursos, mas repassa aos demais membros que, por sua vez, podem rejeitá-los ou aceitá-los, o que acontece na maioria das vezes.

O que também merece destaque é a importância dada a esses contatos. As duas professoras percebem essa importância como sendo motivos de felicidade para a mãe, no primeiro caso; e como um elogio ao pai, no segundo, sem, contudo haver uma crítica mais profunda sobre a influência da Igreja no pensamento e nas decisões da família, como também, no ideal de sociedade defendida pelo partido ao qual o pai era filiado. As duas instituições (Igreja e Partido Político) entram no texto sem nenhuma reflexão crítica por parte das professoras.

Os depoimentos acima deixam evidente como os professores pensam a família. O que seria relevante para nossa análise é verificar como essas concepções que aparecem são significativas quando eles consideram esse espaço como formador. Parece-nos que, nosso objetivo é atendido quando percebemos como determinadas referências vão sendo colocadas. Se por um lado, os professores omitem as inúmeras contradições que podem ocorrer no convívio, muitas vezes, não harmônico da família, por outro, revelam que, a identidade do sujeito formada a partir dos elementos que o rodeiam, pode ter, na família um dos primeiros grupos que o possibilite pensar a noção de obediência, rigor, disciplina, união, honestidade, solidariedade, respeito, reciprocidade, diálogo, dignidade e superação como fundamentos apreendidos na infância e que são necessários, segundo eles, por toda a vida. O que ressaltamos é que as falas são claras no sentido de não omitirem o papel formador da família.

A Escola

“Chegando o dia de freqüentar a tão sonhada escola percebi, ao chegar, que já conhecia alguns coleginhas. Me vi num mundo novo sem saber como andar e falar. De repente percebo, no brincar, na linguagem das crianças, que alguns colegas são diferentes de mim. Notei que não usavam o caderno e o lápis em sacos plásticos, antes utilizados para conduzir alimentação (arroz, no caso); suas roupas não se repetiam no passar dos dias da semana; suas

sandálias não eram da marca tiu-tiu (na época uma das mais baratas chinelas de dedo) e que não tinham a tira costurada pelas suas mães. Por falar nisso,ninguém sabia que, aquela era a única sandália que eu tinha para ir a escola e era também a única que mamãe usava para fazer o trabalho doméstico pela manhã (...) Nisso e em outros inúmeros acontecimentos fui tentando buscar respostas (...) E assim eu crescia, vendo e vivenciando fatos que me deixavam pensativo”. Aluno do curso Pedagogia da Terra/UFRN.

A Escola e seus significados

Na maioria dos professores pesquisados, os primeiros anos da escolarização foram marcados por empecilhos dos mais variados. Quase todos eles enfrentaram problemas relacionados à distancia entre a casa onde moravam e o local da escola; além disso, muitos relatam a necessidade de trabalhar em idade escolar. Destacam também o relacionamento com os professores que não era dos mais cordiais, entre outros aspectos.

Mesmo nesses casos e em outros, alguns destacam a importância que a escola assumiu na construção de alguns valores, sendo que, alguns desses, coincidem com aqueles construídos pela família.

Aqui, preferimos dividir os conceitos que os mesmos têm da escola a partir das diferentes opiniões. Num primeiro grupo destacamos as opiniões daqueles que consideram a escola como um instrumento para melhorar as condições de vida. Para esses, a escola seria o meio pelo qual poderiam ter uma vida digna. Havia no imaginário a noção de uma escola como porta de entrada que os colocaria diante de um mundo diferente. No segundo grupo enfatizamos os que viram a escola como uma fonte inspiradora para a profissão docente. Alguns desses tiveram como exemplo professores considerados por eles, como bons profissionais. Em outros, o despertar da vontade de ser professor advém de outras situações vividas no interior da escola. Nesses, a escolha deu-se por querer mostrar que como professor poderia fazer diferente. No terceiro grupo abordamos a opinião daqueles que encontraram na escola atitudes preconceituosas, seja por parte dos professores ou dos colegas. O preconceito, nesse caso, seria decorrente da discriminação por pertencerem a famílias economicamente carentes e por morar em lugares humildes. Um outro grupo diz

respeito a como os professores falam sobre a disciplina escolar a que foram submetidos quando alunos. Nesse grupo apresentamos duas subdivisões: na primeira estão aqueles que vêem o caráter disciplinador da escola como um problema a mais para a aprendizagem e para o processo de socialização, e na segunda focalizamos um grupo que, apesar de criticar a rigidez a que a escola os submeteu, afirmam ter sido essa característica que os levou a aprender mais.

O que se percebe é que tais situações foram formadoras de opiniões e deixaram impressões sobre a escola. Os fatos relembrados deixam transparecer a formação de conceitos, valores ou comportamentos que se expressam no momento em que se referem a época citada.

Uma solução para os problemas econômicos

Liliane é uma das professoras que não tinha nenhuma perspectiva de freqüentar a escola. Sua condição de vida lhe fazia pensar que apenas o trabalho braçal lhe era suficiente, somente depois que mudou de lugar é que percebeu a necessidade da formação escolar. Mesmo assim, ela faz uma avaliação da escola e de sua atuação e nisso toca num problema bastante conhecido que é a qualidade do ensino. Segundo ela:

O tempo ia passando e eu pouco ia para a escola, não me tocava que estudando poderia ter um futuro melhor, afinal não tinha perspectivas de sair daquela comunidade e o mais importante para mim era plantar e colher (...) Somente abri os olhos quando para uma outra realidade quando morei um ano em Macau. Muito devagar terminei o 2º grau em 1999 e hoje digo que, mesmo sem os colégios oferecer um ensino de qualidade faltou uma dedicação maior de minha parte aos estudos.

O relato da professora está bem próximo de uma realidade com a qual convivemos, qual seja, a situação de muitas crianças que, por terem que ajudar na renda familiar, não freqüentam a escola ou a abandonam. Colocada em plano secundário, ela não surge como necessidade. A condição econômica pode, entre outros fatores, ser responsável por isso. Contudo, há que se pensar também no contexto local, ou seja, na ausência de uma comunidade letrada, que funcione como incentivo e estímulo para que outros percebam as possibilidades de crescimento que a escola pode oferecer. Conforme relata a professora, foi a mudança do campo para uma cidade que o fez perceber a necessidade de dedicação aos estudos.

Para a professora Raquel, a escola foi um espaço que contribuiu na formação do seu caráter ajudando inclusive nas suas relações familiares.

Em sua opinião ficou evidente a concepção que as professoras lhe repassavam sobre a função da escola: ajudar o aluno a ascender socialmente. Ela é mais uma das que acreditavam que somente freqüentando a escola poderia ter uma vida melhor.

Todavia apesar das dificuldades a escola contribuiu muito na formação do meu caráter, no amor que tenho aos meus pais e a ser o que sou, pois um dos aspectos que as professoras que tive não deixavam de falar era de que eu não deveria parar de estudar “para vencer na vida”

Da mesma forma, a professora Ana Lúcia faz uma análise sobre como a escola poderia contribuir para uma vida melhor para ela e seus familiares. A esperança de um futuro digno está, em sua opinião, diretamente relacionada aos seus esforços.

A agricultura parecia ser uma atividade econômica insuficiente para atender suas necessidades e a escola poderia lhe fornecer outras formas de sobrevivência.

Estava me esforçando muito nos estudos para ter um futuro melhor e ajudar meus pais, pois não queria aquele exemplo de vida da minha família, trabalhar somente na agricultura. Eu queria um futuro melhor e diferente para poder dar uma condição de vida adequada para minha família.

No relato dos dois, vencer na vida seria uma resposta esperada por quem estudasse. Conseguir emprego e ter acesso aos bens materiais significava sair da vida difícil em que viviam.

Para alguns professores como o Seu Antônio a escola surge como uma grande aliada na sua formação e, além disso, ela torna-se fundamental, em sua opinião, para a construção de uma nova sociedade. Diz ele:

Só o conhecimento liberta. Essa é uma das frases que me fez mais dedicado ao estudo e também à escola. Na verdade tudo que sou é graças ao estudo e a escola. Hoje, tudo que fazemos tem que ter o estudo, sem a leitura e a escrita não iremos muito longe... Sem eles não construiremos uma sociedade mais justa e igualitária.

Nesse caso, a escola torna-se o único instrumento capaz de transformar a realidade. Na fala do professor, a solução está no aprender a ler e a escrever. Não há nenhuma reflexão sobre as limitações da escola nessa tarefa de transformação social que ele aponta.

Também relevante é o relato do professor Rafael sobre as dificuldades enfrentadas no período escolar. Alem de percorrer uma distancia de 08 km entre sua casa e o prédio escolar percebe-se que as relações com a professora eram baseadas numa relação

autoritária. Faz criticas em relação ao aspecto metodológico utilizado pela professora e mostra como se estabeleciam as relações entre os colegas. No entanto, considera a escola como fundamental para sua formação, inclusive como suporte para vencer na vida.

A escola que freqüentei funcionava na casa de um fazendeiro vizinho a 08 km de distancia de onde morávamos. A turma era multisseriada e uma mesa dividia uns alunos dos outros. A habilidade intelectual era a memorização (...). A professora ensinava e se não decorasse ficava de castigo ou apanhava de palmatória. A metodologia utilizada nas aulas era a cópia de livros didáticos ou ditados no quadro de giz. A relação com a professora era autoritária, só ela falava e só ela tinha razão, nós obedecíamos. A relação com os colegas era limitada, se resumia aos horários de recreio e no caminho de casa (...) Apesar de tantos aspectos negativos a escola me ajudou muito na formação do meu caráter no amor que tenho a meus pais e a ser o que hoje sou, pois um dos aspectos que a professora que tive não deixava de falar era que eu deveria