• Nenhum resultado encontrado

A construção de Brasília e a estruturação da terra como um negócio

A emergência do mercado capitalista de terras em Goiás 1950/64: grilagem, especulação e absolutização da propriedade fundiária

3.1 A construção de Brasília e a estruturação da terra como um negócio

A proposta da mudança da capital foi pensada para ser um ponto de referência para articular a integração entre a economia agrário-extrativa, desenvolvida no interior, com a economia urbano-industrial do Sudeste. Cumprir este objetivo implicava construir uma rede de comunicações que viabilizasse o intercâmbio comercial, sendo Brasília o seu centro irradiador. Assim, desde o início dos anos de 1950, quando começa a ganhar força os rumores da transferência da capital federal para o território goiano, verifica-se uma valorização e o crescente interesse pelas terras do estado. Interesse este que intensifica quando as incertezas que pairavam sobre a Operação Brasília337 vão se desfazendo. Primeiro porque a comissão de estudos338 para a criação da nova capital definiu, no ano de 1955, que ela seria no Planalto

337 A ideia da mudança da capital federal para o interior do território brasileiro surgiu no ano de 1891, quando foi

criada a Comissão Exploradora do Planalto Central a pedido do presidente Floriano Peixoto, para realizar os primeiros estudos para escolher a área da nova capital. A comissão foi presidida pelo engenheiro belga Luís Cruls, que desenvolveu os estudos para a realização do projeto. Contudo, ele não saiu do papel e só voltou à baila no cenário político no ano de 1946, com a promulgação de nova Constituição Federal que estabeleceu no artigo quarto das Disposições Transitórias a transferência da capital para o Planalto Central. Mas, foi a partir do início da década de 1950 que o assunto ganhou mais visibilidade, tornando-se, segundo Cleumar Moreira um dos assuntos mais discutidos no território nacional. MOREIRA, Cleumar de Oliveira. História Política de Goiás: A

Dinâmica do Desenvolvimentismo – 1945 a 1964. (Dissertação de mestrado) Universidade Federal de Goiás,

Goiânia, 2000, p. 134.

338 Esta comissão foi criada como medida complementar ao artigo constitucional que previa a mudança da capital

Central. E, segundo, esta medida foi incluída como parte do programa político do candidato à presidência da república, Juscelino Kubitschek, no dia 4 de abril do mesmo ano em comício em Jataí, interior de Goiás339. Pouco depois, o governador José Ludovico (1955-1959) garantiu a desapropriação das áreas que iriam abrigar Brasília e baixou um decreto para a criação da Comissão de Cooperação para a Mudança Capital Federal. E, no ano de 1956, o deputado da oposição, Emival Caiado (UDN) apresentou o Projeto de Lei 1773/56 no Congresso Nacional, fixando a data de mudança da capital para 21 de abril de 1960. Em 1957, o projeto da transferência da capital federal era colocado em prática.

Diante destas circunstâncias, o projeto Brasília foi colocado em prática e tinha como planejamento a construção de 12000 quilômetros de estradas de rodagem até o final do governo de Juscelino Kubitschek (1956-1961). Com o início da construção da nova capital foram criadas várias rodovias que promoveriam a unidade econômica de Goiás, entre elas pode-se destacar a BR-010, que ligaria o sul de Goiás até a região nordeste do estado; a BR- 020, que tinha como objetivo atender o “intercâmbio da Capital Federal com o Nordeste (Brasília-Fortaleza)”340; a BR-040, que conectaria a capital com o Sudeste do país; a BR-050, que tinha como objetivo “encurtar a distância entre Brasília e São Paulo”341

; e a BR-060, que ligaria Mato Grosso ao Paraguai. E, por fim, a mais importante para Goiás, a BR-153342, conhecida também como Belém-Brasília.

território goiano, no quadrilátero Cruls, com base no projeto elaborado no final do século XIX, e o projeto apresentado por Juscelino Kubitschek, que colocava Minas Gerais como território para a nova sede do Distrito Federal.

339

Uma parte da historiografia afirma que Juscelino Kubitschek incorporou o projeto da mudança da capital no comício de Jataí, como é o caso de CAMPOS, Francisco Itami. A Política Tradicional: 1930 a 1960. In: SOUZA, Dalva Borges (Org.). Goiás: sociedade e Estado. Goiânia: Cânone Editorial, 2009 e MOREIRA, Vânia Maria Losada. Os anos JK: industrialização e modelo oligárquico de desenvolvimento. In: FERREIRA, Jorge. & DELGADO, Lucilia de Almeida Neves. (orgs.) O Brasil Republicano: O tempo da experiência democrática – da democratização de 1945 ao golpe civil-militar de 1964. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. p. 157-194. Outros pesquisadores replicam que o ideário da mudança da capital já estava presente em JK, que na constituinte de 1947 apresentou o projeto que apresentava Minas Gerais como estado para a nova sede. Nesse sentido, a ideia já estava presente em suas propostas políticas e apenas se tornou pública no comício realizado no interior de Goiás. Segundo o cientista político Octaciano Nogueira: “Seria muita ingenuidade atribuir a decisão de transferir a capital à resposta dada no comício, como se Juscelino nunca tivesse pensando no assunto”. O jornalista Mauro Santayana tem o mesmo entendimento: “Quando JK, ainda governador de Minas Gerais, decidiu ser candidato a presidente pelo PSD, ele se reuniu com a cúpula da UDN do estado para pedir apoio e ouviu que esse apoio seria condicionado à transferência da capital. O comício de Jataí caiu do céu, porque serviu para tornar o assunto popular”. Ver http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/CIDADES/146925-PARA-ANALISTAS,- IDEIA-DE-JK-ERA-ANTERIOR-A-ELEICAO-PARA-A-PRESIDENCIA.html . Acessado em 20/06/2017.

340

NUNES, Heliane Prudente. A Era Rodoviária em Goiás: impactos na estrutura rural e urbana (1930-1961). [Dissertação de Mestrado]. Goiânia: Programa de Pós-Graduação em História, 1984, p. 106.

341 ESTEVAM, op. cit., p. 97.

342 Esta rodovia foi chamada até 1964 de BR-14. Ademais, também ficou “conhecida pelos nomes de Rodovia

Transbrasiliana, Rodovia Belém-Brasília e Rodovia Bernardo Sayão, é a quarta maior rodovia do Brasil, ligando a cidade de Marabá (PA) ao município de Aceguá (RS), totalizando 4.355 quilômetros de extensão. Ao longo de todo o seu percurso, a BR-153 passa pelos estados do Pará, Tocantins, Minas Gerais, São Paulo, Paraná, Santa

O primeiro trecho da rodovia Belém-Brasília foi construído no final dos anos de 1940, na região do médio-norte, na cidade de Uruaçu. Entretanto, não tinha, segundo Borges, “nenhuma perspectiva de alcançar o extremo norte do estado e, muito menos, Belém, cruzando a selva amazônica”.343

Foi com a transferência da capital que esta rodovia rompeu a falta de conexão de tempos remotos entre as regiões sul e norte, promovendo sua integração econômica, além de abrir para o mercado as terras da Amazônia Legal, ao chegar em Gurupi, extremo norte do estado, no ano de 1958.

Assim:

Mais do que a cidade, Brasília – as estradas que foram construídas em razão delas terminaram por dar unidade ao Estado de Goiás. As estradas rasgavam não somente o sul, cortavam o estado no seu meio, ligando o extremo norte ao sul goiano. O estado se voltava para o seu centro, quebrando as históricas ligações do norte goiano com Pará e Maranhão, do nordeste com Bahia, do sul com Minas e São Paulo. Na verdade, com Brasília e suas estradas estava completo o destino de Goiânia – dar unidade ao estado344.

Como apontou Nunes, “a construção de Brasília repercutiu imediatamente sobre as comunicações em Goiás”345

com a notável ampliação da malha rodoviária. De acordo com Harvey346, as estradas têm papel decisivo para o aferimento da renda diferencial, pois esta depende, além de sua fertilidade, de sua posição em relação ao mercado para escoar a produção, já que o transporte incide na formação dos preços de produção e no tempo de rotação do capital, que, quanto mais rápido se realiza, mais favorece a reprodução ampliada do capital. Esta posição não significa necessariamente uma distância física mais curta, mas das condições de estradas e transportes necessárias para a mercadoria chegar ao seu destino, podendo uma terra mais distante do mercado ser servida de estradas melhores e ter um custo menor com transportes.

Isto significa dizer que com a integração econômica cricou-se as condições para o auferimento da renda capitalista. A chegada da frente pioneira no norte de Goiás permitiu que as terras mais distantes e antes exploradas por camponeses e criadores de gado pagassem seus custos de produção, de transportes, além de gerar um lucro médio, abrindo as terras para a exploração do capital.

Catarina e Rio Grande do Sul. Os nomes da Rodovia Belém-Brasília e de Rodovia Bernardo Sayão são aplicados apenas no trecho localizado entre os entroncamentos com a BR-226, em Wanderlândia (TO), e com a BR-060, em Anápolis, GO”. Disponível em: http://www.guiaturismobrasil.eco.br/mostraNoticias&id=31. Acessado em julho de 2017.

343 BORGES, op. cit., 2000, p. 60. 344 CAMPOS, op. cit., 1985, p. 38. 345

NUNES, Heliane Prudente. A Era Rodoviária em Goiás: impactos na estrutura rural e urbana (1930-1961). [Dissertação de Mestrado]. Goiânia: Programa de Pós-Graduação em História, 1984, p. 102.

A pecuária, que era então a principal atividade econômica de Goiás, se ampliou, assim como a capacidade de exportação de carne para outros estados. O gado, antes comercializado nos estados limítrofes do norte goiano pelas precárias estradas de rodagem, caminhos de boi, estava agora em contato direto com a economia do Sudeste do país. Mas, é a agricultura que passa por maiores transformações com as inovações de transporte, tornando passível a produção capitalista de alimentos, que se manifesta pela importância crescente da agricultura, na qual antes era viável apenas a prática da pecuária extensiva.

Pode-se observar como as novas condições de transportes precipitaram o desenvolvimento econômico e lograram relevantes transformações no início dos anos 1950 no médio-norte goiano. O jornalista Filomeno França347

, ao analisar o desenvolvimento econômico da região de Uruaçu nos aspectos da valorização das terras e no aumento da produção, diz que ele decorre da criação do primeiro trecho da rodovia Belém-Brasília e da expectativa que, com a transferência da capital federal, tal rodovia se estendesse até o Pará, cortando o território goiano de norte a sul.

Deve-se este surto de prosperidade em grande parte, ao espírito de trabalho dos habitantes deste município e também à passagem, por aqui, da rodovia federal que ligará Anápolis a Belém do Pará. Essa estrada de rodagem, considerada das mais importantes do estado, vem por o norte Goiano em contato com o sul, facilitando, assim, os meios para que seja intensificado o intercâmbio comercial entre essas duas regiões. A valorização das terras do munícipio de Uruaçu tem sido espantosa, contribuindo, para isso, igualmente, a quantidade enorme de agricultores, principalmente, vindos de Minas e dos estados do Norte do Brasil que, aqui se localizam, adquirindo propriedades rurais. A nossa produção agrícola cresce dia a dia. O nosso rebanho bovino tem, também aumentado a olhos vistos348.

Já no final dos anos 1950, com a ampliação das rodovias, esta condição se espalha por todo o setentrional goiano. No município de São Domingos, por exemplo, a chegada das estradas ofereceu condições peculiares de se auferir a renda capitalista pela localização privilegiada em relação ao mercado que não está à disposição de todos os proprietários de terras.

São Domingos, município situado no nordeste goiano, conta com 9.500 habitantes e possui clima excelente, ótimas terras de cultura e grande potencial hidrelétrico. Sua principal fonte de riqueza é a pecuária, mas com a mudanças da Capital Federal para o planalto a agricultura começou a tomar vulto pois a rodovia Fortaleza – Brasília, embora inacabada muito facilitou o escoamento da nossa produção para os centros consumidores. Após dezenas

347 FRANÇA, Filomeno. O Popular, 13 de janeiro 1954, p. 4. 348 FRANÇA, op. cit., 1954, p. 4.

de anos de estagnação, o povo de São Domingos foi acometido de verdadeira febre de progresso. Fortunas forma construídas quase que da noite pro dia349.

No entanto, o que mobilizou o interesse pelas terras do norte Goiano com as inovações de transportes não foi tanto o seu potencial produtivo, mas a possibilidade de explorar o potencial futuro da terra através da expectativa de sua valorização e desenvolvimento econômico da região em direção à Amazônia Legal350, cumprindo uma das metas da transferência da capital federal para o Planalto Central: integrar os “espaços vazios” ao mercado nacional.

As terras do norte goiano se apresentavam como um bom investimento, tanto para quem quisesse adquirir os títulos pela grilagem, quanto pela compra da terra do estado via requerimento351, seja para a produção ou para a especulação, mais comum nesse momento. Por ocasião da valorização das terras pela Operação Brasília, o governo de Goiás, no ano de 1955, atualizou seus valores, levando em consideração as condições econômicas de cada microrregião. Nele, fica claro as diferenças abismais do preço do hectare na região do médio- norte e, sobretudo o norte de Goiás, com regiões de ocupação mais antiga, sudoeste, sudeste e Matogrosso goiano.

O Código Tributário do Estado, em vigor desde 47, prevê a revisão de dois em dois anos dos valores de terras, para efeito de pagamento de imposto territorial rural. Assim, por proposta do sr. Peixoto da Silveira,

349

O Popular, 20 de junho de 1961, p. 4.

350 O conceito de Amazônia Legal foi criado pelo governo brasileiro com o objetivo de explorar regiões pouco

povoadas e desenvolvidas e que apresentavam desafios econômicos, sociais e políticos semelhantes. Sua delimitação não se relaciona com o ecossistema, ou seja, não apresenta as mesmas características geográficas, mas por um viés sociopolítico que, além de incluir o bioma da Amazônia, que compreende cerca de 49% do território brasileiro – além de fazer parte do território de oito países – abriga parte do cerrado e do Pantanal mato-grossense. O conceito de Amazônia Legal foi desenvolvido pelo governo brasileiro através da Lei. 1.806, de 06/01/1953 que criou a Superintendência do Plano de Valorização Econômica da Amazônia (SPVEA), que “anexou à Amazônia Brasileira os estados do Maranhão, Goiás e Mato Grosso”. A inclusão desses estados e a formação da Amazônia Legal tinha como objetivo combater o subdesenvolvimento. Este órgão seria substituído em 1966 pela Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM). É importante ressaltar que “Os limites da Amazônia Legal foram estendidos várias vezes em consequência de mudanças na divisão política do país. A sua forma atual foi definida pela Constituição de 1988, que inclui Tocantins, Roraima e Amapá. Atualmente, a região é responsabilidade por uma nova versão da SUDAM, autarquia federal criada pela Lei Complementar nº 124, de 3 de janeiro de 2007 e vinculada ao Ministério da Integração Nacional”. Essas referências foram extraídas do seguinte sítio: O que é a Amazônia Legal. Dicionário Ambiental. ((o))eco,, Rio de Janeiro, nov. 2014. Disponível em: http://www.oeco.org.br/dicionario-ambiental/28783-o-que-e-a-amazonia- legal/ Acesso em: 09 de janeiro de 2018. Sua definição, em termos mais precisos para o contexto analisado, segundo o Superintende da SUDAM, no ano de 1969, é a seguinte: “Representa cinquenta e nove vírgula dois por cento do território nacional. Abrange o norte do mato Grosso – paralelo dezesseis – o norte de Goiás – paralelo treze – o Maranhão, no meridiano quarte e quatro, todo o Pará, todo o Amazonas, todo o Acre e os territórios de Rondônia, Roraima e Amapá”. DIÁRIO DO CONGRESSO NACIONAL, Seção I. Suplemento ao n. 47. Brasília: Câmara dos Deputados, 12 de junho de 1970, p. 29.

351

As diferentes legislações agrárias do estado permitiam a aquisição de terras devolutas por requerimento individual de compra. Um debate sobre as leis de terras devolutas e das políticas agrária vai ser discutido no próximo capítulo.

secretário da Fazenda, o Governador acaba de assinar decreto, estabelecendo novos preços para os imóveis rurais atendendo também sua vertiginosa valorização nos últimos anos.

É a seguinte a nova tabela, que já está sendo expedida às Coletorias de todo o Estado:

Município de Goiânia: Goiânia – 1ª. Classe Cr$ 20.000,00: 2ª. Classe Cr$ 18.000,00: 3ª. Classe Cr$ 15.000,00: 4ª. Classe 12.000,00 e de 5ª. Classe Cr$ 10.000,00.

Município de Anápolis Anicuns, Buriti Alegre, Guapó, Hidrolândia, Inhumas, Itauçu , Itumbiara, Jaraguá, Nazário, Nerópolis, Panamá, Petrolina de Goiás, Trindade 1ª Classe Cr$ 18.000,00; de 2ª Cr$ 15.000,00; de 3ª. 10.000,00; de 4ª. 5.000,00 e de 5ª. 2.000,00.

Municípios de Anhanguera Aurilândia, Bela Vista de Goiás, Corumbaíba, Caldas Novas, Cumari, Ceres, Cristianopólis, Campo Alegre de Goiás, Carmo do Rio Verde, Cormínia, Firminópolis, Goiatuba, Goiandira, Goianésia, Itaberaí, Itapuranga, Ipameri, Marzagão, Morrinhos (...): 1ª Classe Cr$ 10.000,00; 2ª Claasse Cr$ 8.000,00; 3ª Classe Cr$ 6.000,00; 4ª Classe Cr$ 4.000,00; 5ª Classe Cr$ 2.000,00.

Municípios de Amaro Leite, Aragarças, Baliza, Bom Jardim de Goiás, Piranhas, Porangatu: 1ª. Classe 4.000,00; 2ª. 3.000,00, 3ª. 2.000,00; 4ª. 1.000,00 e 5ª Classe Cr$ 500,00.

Municípios de Cavalcanti, Campos Belos, Corumbá de Goiás, Cristalina, Formosa, Luziânia, Monte Alegre de Goiás, Niquelândia (...) 1ª. Classe 1.000,00; 2ª. 800,00; 3ª. 600,00; 4ª. 400,00 5ª. 300,00.

Municípios de Arraias, Araguacema, Araguatins, Cristalândia, Dianópolis Filadelfia, Itacajá, Itaguatins (...) Miracema do Norte, Natividade, Paranã, Pedro Afonso, Peixe, Piacá, Porto Nacional, São Domingos, Taguatinga (...) e Tupirama: 1ª. Classe Cr$ 800,00 de 2ª. 650,00; 3ª 500,00: 4ª 300,00 e 5ª 150,00352.

Através dos preços das terras temos a dimensão do grau de desenvolvimento capitalista no campo: as terras do norte goiano têm aproximadamente a metade do valor do centro-sul, região que apresenta melhores condições de transporte e de localização por estar mais perto da economia do Sudeste do país, tendo se desenvolvido no embalo da expansão cafeeira e do processo de industrialização. No médio-norte goiano, que desde o final dos anos 1940 já tinha ligação com o mercado através da Belém-Brasília, as terras de primeira classe tinham preço fixado de Cr$ 8.000,00, um pouco mais acima caía para Cr$ 4.000,00 (Amaro Leite) até chegar no extremo norte, onde as terras de primeira classe custavam a bagatela de Cr$ 800,00 por hectare.

Com base nos dados expostos, conclui-se que o baixo preço das terras na região Norte, sobretudo em seu extremo, apresenta grande potencial de valorização pelas expectativas de que expansão capitalista com esta política de interiorização territorial pela qual Goiás e os estados do Centro-Oeste foram alvos diretos, se estabelecesse o mercado fundiário. Por uma pequena quantia de capital podia-se adquirir terras para especulação, o que não seria possível

no sul do estado, onde buscava-se apropriar da renda não pela especulação fundiária, mas pela produção capitalista.

Além do preço, as terras do norte apresentavam outras vantagens: as inovações de transporte as quais grande parte das terras eram devolutas e já abertas à produção, e cujos ocupantes poderiam ser questionados sob seus domínios por não possuírem os títulos deles, era o terreno perfeito para os que desejam explorar a terra como um negócio, pois, ao se apropriarem de terras em condições de produção sem nenhum gasto adicional pelas melhorias realizadas nela, poderia ser obtido um lucro extraordinário através do mercado de terras. A apropriação do trabalho morto e das benfeitorias realizadas na terra, pelo “grileiro” ou proprietário, constituía, então, uma forma de acumulação primitiva.

Diante dessas configurações, abria-se uma nova oportunidade de exploração da terra como investimento financeiro, cujo gasto para a fabricação ou regularização dos títulos fundiários correspondia ao direito de receber um fluxo futuro de renda pela valorização patrimonial da terra. A apropriação da renda estaria, assim, dissociada de qualquer atividade produtiva: era a apropriação da renda capitalizada através do mercado de terras que levou a aquisição das terras no norte goiano.

A criação de um eixo rodoviário para abrigar a nova capital do país engendrou as condições para o aferimento da renda capitalista e do estabelecimento do mercado fundiário. Isto provocou uma rápida transformação impelida pela expansão capitalista no campo, arrastando a terra ao monopólio absoluto da racionalidade capitalista, em que o lucro está em sobreposição às necessidades humanas e de prerrogativas fundamentadas na exploração e uso da terra. Assim, num prazo de poucos anos, uma região onde predominava terras devolutas ocupadas por posseiros, passaria ao domínio privado pela grilagem e pela alienação de terras públicas realizaada pelo estado.

Por estas questões, a criação de Brasília atuou como um detonador do mercado de terras, e o território goiano, por ter sido o estado destinado a abrigá-la, é um campo privilegiado de análise para compreender as contradições dessas políticas de expansão territorial e da conformação da propriedade fundiária nela presente.

3.2 A estranha caravana e a corrida por títulos: grilagem, especulação e a emergência do

Outline

Documentos relacionados