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A estranha caravana e a corrida por títulos: grilagem, especulação e a emergência do mercado capitalista de terras no norte goiano

A emergência do mercado capitalista de terras em Goiás 1950/64: grilagem, especulação e absolutização da propriedade fundiária

3.2 A estranha caravana e a corrida por títulos: grilagem, especulação e a emergência do mercado capitalista de terras no norte goiano

No limiar de 1957, veio a público uma denúncia de um grupo de homens acusados de atividade de grilagem nas terras do norte de Goiás. O jornal O Popular, uns dos principais

periódicos goiano, publicou na íntegra uma reportagem feita por um jornal de menor veiculação, o jornal O Estado de Tocantins353, sobre a atividade de um grupo de homens que

percorreria Vila do Carmo, município de Porto Nacional, como representantes do Ministério das Coisas Velhas do país, cumprindo a missão de colher informações nos cartórios da cidade. Em dias da semana passada esteve em nossa cidade uma estranha Caravana ao que parece, chefiada pelo advogado Alfredo Melo Rosa, de Anápolis. Compunha-se ela dos srs. Melo Rosa, João Inácio, serventuário da Justiça no Fórum de Porangatú, Osvaldo Barroso, solicitador, cuja carteira foi cassada, e um homem conhecido por antonomásia de “Bôa” que diz ser engenheiro civil, mas que trabalha como encarregado de uma farmácia em Uruaçú. Esses srs. foram à Vila do Carmo, constando terem se apresentado como funcionários do “Ministério das Coisas Velhas do País” e, como tais, deram busca nos cartórios daquela vila, de preferência nos processos mais antigos, foram ao velho arquivo do paróquia, arrancando cêrca de 50 folhas que continham assinatura do antigo sacerdote, tiraram inúmeras cópias e regressaram de lá satisfeitíssimos.

Pobre Carmo! Brevemente estará pertencendo a diversos, breve aparecerão registros paroquias, cartas de sesmarias e quejandas para diversos!

Cuidado com os grileiros!

É dessa forma que eles querem se apoderar das glebas do Norte.

Estas informações foram prestadas por diversas pessoas gradas e fidedignas, inclusive o sr. Prefeito Municipal354.

Sem questionar o fictício “Ministério das Coisas Velhas”, dias depois, o prefeito de Porto Nacional, Severino Inácio de Macedo, confirmou a hilária e estranha história. Em seu relato, estranhou que a suposta comissão do ministério não tivesse contatado as autoridades de Porto Nacional, e que só tomou conhecimento da situação após ser avisado pelo subprefeito, que levou até ele a denúncia do zelador da igreja, de que os membros da Estranha Caravana haviam retirado 50 folhas do livro de registro paroquial, rubricadas e numeradas pelo antigo pároco355.

Mas, antes mesmo da matéria que apresentava os questionamentos do prefeito sobre o ocorrido em Vila do Carmo, alguns dos implicados no caso se defenderam das acusações. Em resposta às denúncias, o solicitador Osvaldo Barroso e o serventuário João Inácio enviaram uma carta de esclarecimento ao jornal O Popular, reproduzida a seguir, pois fornece importantes elementos para a reflexão:

Ninguém, sr. Diretor, inventa, cria ou faz sesmaria ou registro Paroquiais. Só existem as sesmarias que foram realmente concedidas e os registros que foram feitos, realmente, na época. Para conhecimento do povo daquela

353 Nesse momento não havia ainda a separação entre Goiás e Tocantins, que compreendia, na época, à boa parte

do território goiano. O nome do jornal claramente tem uma representação política de uma luta que era travada desde o século XIX em prol da separação do norte goiano para a criação do estado do Tocantins.

354 O Popular, Goiânia, 27 de janeiro de 1957, p. 1 355 O Popular, Goiânia, 14 de fevereiro de 1957, p. 8.

região esclarecemos que, na pequena Vila do Carmo, (...) lá para os idos de 1836 a 1859 foram feitas, prestem bem atenção, somente SESSENTA registros paroquiais e foram concedidas apenas, duas sesmarias. Fique sabendo V. Excia, e o povo daquela zona que a prova da existência de Registros Paroquiais e Sesmarias só pode ser feita mediante certidões fornecidas pelo Departamento de Terras e Colonização ou Arquivo Público do Estado. Por isso, podemos afirmar com segurança, que quem não tiver ligado a esses SESSENTA registros ou a duas sesmarias, por qualquer forma de sucessão, ou não tiver sentença declaratória de usucapião, não terá terras no Distrito do Carmo. Assim sendo, muita gente, que ocupa grandes áreas lá por aquelas paragens, como se fossem os únicos donos, pode vir a sofrer grandes decepções ou surpresas, quando vier, como virá apuração de títulos nos processos divisórios. (...) Quanto a Porto Nacional, antigo Porto Imperial, foram feitos também, naquela época, CINCOENTA registros e concedidas duas sesmarias, sendo uma nas Minas do Pontal e outra na „Carreira Cumprida‟. Esses CENTO E DEZ registros e essas DUAS sesmarias, aliás, essas QUATRO sesmarias existem e podemos dar, a qualquer um dos habitantes daquela região, os nomes dos registrantes e das sesmarias, bem como, os limites respectivos das fazendas... E o Tocantinense que „não é goiano e não dorme‟, pode ficar velando e muito em breve verificará que, muita gente que se diz dono de toda a terra, passará a ter uns poucos alqueires, e outros, encostados talvez, à sombra da própria pobreza naquele recanto do mundo passarão à posse do que lhes foi tomado356.

João Inácio e seu comparsa, Osvaldo Barroso, revelam na carta os mecanismos para a produção de títulos. Na missiva subscrita pelos membros da estranha caravana chama a atenção – apesar do equívoco cronológico de atribuir a concessão de sesmarias depois de 1822, quando tal sistema já havia sido extinto – o reconhecimento da situação das glebas do norte de Goiás, elemento fundamental para levar a cabo a fabricação de títulos.

Como grande parte das terras do norte goiano eram devolutas, a legislação fundiária do estado proibia a passagem da terra ao domínio privado através do apossamento, embora permitisse sua compra por requerimento, assunto que abordaremos mais à frente. Contudo, muitas dessas terras estavam ocupadas por posseiros que, muitas vezes, buscavam o reconhecimento do caráter devoluto e a viabilização de registros e requerimentos. Os grileiros tinham, então, para reivindicar qualquer direito particular sobre elas, provar que não se tratava de terras que pertenciam ao poder público, ou seja, que não eram terras devolutas. Buscavam, através de pesquisas em cartórios, o levantamento das informações necessárias para a fabricação dos títulos: os registros paroquiais e sesmarias concedidas na região e a partir delas produzir os títulos fundiários.

Aproveitando-se de partilhas de bens que não eram realizadas com cuidado, sobretudo em casos de mortes sem herdeiros, procuravam homens e mulheres com sobrenomes

semelhantes aos arrolados nas sesmarias e registros paroquiais para forjar um direito sucessório, dando início ao esbulho das terras públicas e das terras ocupadas por posseiros. Utilizando-se de documentos antigos, como os arrancados do livro do registro paroquial, produziam títulos sucessórios e mancomunados com donos e funcionários de cartórios, legitimavam o grilo357. Poderiam também produzir um documento que carregava um nome fictício, comprovando a cadeia hereditária que confirmava que a terra era propriedade privada.

João Inácio chama atenção dos que ocupavam terras na região, prenunciando o que ocorreria tempos depois e que marcava o conflito pelas terras entre posseiros e grileiros: de que os supostos proprietários da região poderiam perder seus domínios se não apresentassem ligações com os registros de sesmarias e direitos sucessórios, ou ainda, sentença declaratória de usucapião, que só poderia ser feita em terras particulares358.

O acusado de grilar terras demonstrou pleno conhecimento dos procedimentos para realizar a falsificação e produção de títulos, e suas atividades em Vila do Carmo, município de Porto Nacional, seriam esclarecidas posteriormente, confirmando as suspeitas levantadas na reportagem. A estranha caravana teve seu esquema revelado a partir de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), cujo requerimento partiu do deputado Márcio Moreira Alves, membro do MDB, através da resolução nº 31, de 1967. O relatório final publicado no ano de 1970, mediante o projeto de resolução nº 89, expunha a venda de terras brasileiras por pessoas físicas e jurídicas estrangeiras e revelava todo um complexo sistema de fraude e alienação de terras públicas realizado por João Inácio e seus comparsas:

“Grilagem”: por intermédio deste processo todos os tipos de fraude são aplicados, desde escrituras falsificadas, aparentando documentos antigos, até títulos definitivos de compra de terras devolutas, também falsos. (...) Nesse processo de „grilagem‟, conforme verificado por esta CPI em sua viagem a Porto Nacional, até o roubo de documentos antigos de velhas igrejas foi feito, sendo o papel em branco de livros de registros paroquiais roubado para ser utilizado na confecção de escrituras, em tudo semelhante a feitas no século passado359.

Natural de Campinas, João Inácio mudou-se para Porangatu em 1948, onde exerceu a profissão de tabelião no cartório de Primeiro Ofício, tendo, tempos depois, sido designado como tabelião no Cartório de Segundo Ofício, cargo que ocupou até 1963. Foi também

357

Este era apenas um método, entre outros tantos, de grilagem.

358 Os únicos dispositivos jurídicos que permitiram a usucapião das terras devolutas foram à súmula 340 do

Supremo Tribunal Federal – STF, de 19 de agosto de 1943, que permitia o recurso da usucapião antes da vigência do Código Civil de 1916; e a lei 6.969, de 1981, que admitia a usucapião de glebas até 25 hectares.

359 DIÁRIO DO CONGRESSO NACIONAL. Seção I. Suplemento ao n. 47. Brasília: Câmara dos Deputados, 12

membro UDN em Porangatu360. Além de ser investigado pela Câmara dos Deputados, João Inácio foi alvo de inquérito pelo Ministério da Justiça, onde descobriu-se que ele e seus advogados e cúmplices nos esquemas de terra, Alfredo de Melo e Rosa e Osvaldo Barroso, começaram a dedicar à indústria da grilagem e do comércio de terras no início dos anos 1950, portanto, anos antes da referida reportagem, conforme depoimento prestado no ano de 14 de novembro de 1969, quando diz que:

(...) permaneceu em Porangatu de julho de 1948 até 1962 ou 1963; que durante todo esse tempo, serviu nos cartórios de 1º e do 2º ofício, dedicou-se também, ao comércio de venda de terras, no período de 1950- a 1957; que, em 1958 comprou uma fazenda em Piracanjuba e, também, uma chácara perto de Goiânia, no atual município de Hidrolândia (...)361.

Segundo apurou a investigação, o grupo de João Inácio e Alfredo Melo Rosa iniciou suas atividades em Trombas e Formoso no início dos anos 1950, cujos métodos idênticos aos mencionados na reportagem de Porto Nacional foram usados para grilar terras nessa região. A participação de João Inácio no grilo de Trombas foi divulgada em reportagem do jornal O

Popular, mencionada em matéria publicada pela Folha de São Paulo, pouco tempo depois que

o escândalo de grilagem de terras de João Inácio e sua venda para estrangeiros, foi descoberta no país:

(...) embora conhecido há pouco tempo, a fama do grileiro João Inácio vem de longe. Em 1960, era acusado por camponeses da região de Formoso, de se apossar de suas propriedades, através de documentos falsos, conforme notícia do “O Popular”, de Goiânia, de 8 de dezembro daquele ano. A política abriu inquérito para apurar os fatos, mas a atuação eficiente de seu advogado Mello Rosa, o livrou de qualquer punição e tudo ficou como estava. Este advogado, famoso em Goiás pelas causas da grilagem de terras que defende, inclusive de norte-americanos, é até hoje o defensor de João Inácio e está também envolvido nos negócios da quadrilha362.

A grilagem em Trombas e Formoso teve início em 1952 e teve origem numa sesmaria datada de 1795 para Caetano Cardoso de Morais, que resultou em dois processos diferentes de falsificação de títulos, um para reivindicar a usucapião sobre as terras e o outro para afirmar o direito sucessório. O primeiro grupo, responsável por grilar a fazenda Onça, era constituído de influentes políticos e antigos pecuaristas da região de Porangatu, entre eles estavam: Euzébio Martins, prefeito de Porangatu, José Martins, pecuarista, Antonio Navarro, juiz distrital, e José Navarro, também criador de gado363. Ao invés de levarem a produção de títulos naquela

360 As informações sobre a história de vida de João Inácio foram tiradas do trabalho de SAMPAIO, op. cit., 2003. 361 Termo do depoimento de João Inácio no Ministério da Justiça, Processo nº 3010, fls 27/28, extraídos de

SAMPAIO, op. cit., 2003, p. 64.

362 Folha de São Paulo 28/01/1968. 363 MAIA, op. cit., 2008, p. 120.

cidade, lugar onde concentravam sua influência, tiveram que realizá-la “na cidade de Uruaçu, comarca à qual estava submetido o município de Amaro Leite, onde se localizava a fazenda

Onça e que era, também, a sede administrativa do distrito Formoso e da vila de Trombas”364. Outro grupo era composto pelo comerciante Antônio Camapum Filho, o advogado Sebastião de Castro, irmão do deputado Clodoveu de Castro. Esses homens, como não se dedicavam à pecuária não tinham condições de recorrer à usucapião, por isso forjaram direitos sucessórios também através da sesmaria concedida a Caetano de Morais. Os interessados em grilar a terra procuraram nos cartórios nomes de famílias que se aproximassem daquele registro para reivindicar o direito hereditário das terras. Eles acharam uma família de lavradores de Pirenópolis, cujo sobrenome coincidia com o da requerente da sesmaria, e levaram os falsos herdeiros ao munícipio de Amaro Leite para passar aos grileiros, em troca de algum dinheiro, a cessão de direitos hereditários.

Não se sabe até que ponto João Inácio se envolveu com os diferentes grupos que conduziram a produção dos títulos em Trombas e Formoso, mas é certo que esteve, juntamente com Antônio Mello e Rosa e Osvaldo Barroso, envolvido na grilagem dessas terras. Segundo Sampaio365, ele esteve envolvido em todos os processos de grilagem na região de Trombas e Formoso e Porangatu. É importante mencionar, também, que a família de fazendeiros de gado, os Martins da Cunha, e políticos tradicionais que participaram da grilagem em Trombas estenderam suas atividades para Porangatu, cidade em que João Inácio exerceu a atividade de serventuário e realizou negócios espúrios com venda de terras.

Jacinta Sampaio366, que pesquisou a luta dos posseiros em Porangatu, observou que João Inácio esteve envolvido com o grilo de várias fazendas nesta cidade, juntamente com prefeito Moacir Ribeiro de Freitas e o juiz Dr. Silio Rodrigues367, alguns pecuaristas e importantes personagens políticos e da burocracia estatal368, com quem adquiriu várias fazendas, as quais duas vão ser palco de violentos conflitos: a fazenda Funil e a fazenda Santo Antônio, conhecida como Serrinha369.

Através de seu método tradicional, forjou um vínculo hereditário, com registro paroquial, de um residente na fazenda Água Quente, município de Amaro Leite, chamado Basílio Bernardo Fagundes, com o português Joaquim Bernardo da Silva, dono de uma

364

Ibid. p. 115.

365 SAMPAIO, op. cit., p. 62. 366 Ibid., p. 62.

367

Ibid., p. 62

368 Ibid., p. 66 369 Ibid, p. 63.

sesmaria registrada no ano de 1857370, que morreu sem deixar herdeiros371. O método comumente praticado por João Inácio, qual seja, reivindicar concessões de sesmarias num período posterior à extinção desse sistema, demonstra que se não havia participação de membros do judiciário nos negócios de terras, havia notável desconhecimento da legislação fundiária. A partir desse mecanismo, João Inácio se apropriou de um montante de 60 mil hectares, que foram palco de violentos conflitos, que discutirei nos Capítulos 4 e 5. Depois de produzir o vínculo entre a sesmaria e o herdeiro fictício, “lavrou em cartório as certidões de compra dessas fazendas em nome dele e do Juiz Adelino Américo de Azevedo”372.

O jornal comunista Terra Livre denunciou o envolvimento das atividades de João Inácio com importantes políticos da região e com o juiz de Porangatu, Silio Rodrigues:

O município de Porangatu, em Goiás, transformou-se num dos maiores centros de grilagem de terras com a participação direta do próprio Juiz de Direito, Dr. Silio Rodrigues, que está à frente de um bando formado por autoridades, como Moacir Ribeiro de Freitas, Prefeito; Adelino Américo de Azevedo, presidente do PSD, local e juiz Municipal; João Inácio, titular do 2º ofício daquela cidade, além de outros, todos chefes de jagunços e capangas, que fazem imperar ali a lei da carabina373.

A participação do referido juiz foi motivo de protestos pelos posseiros de Porangatu que, por meio de sua associação, emitiram um comunicado no Diário do Oeste denunciando sua participação na grilagem de terras: “Nossas posses, requeridas, concedidas e demarcadas pelo Estado, despertam, agora, a cobiça dos grileiros, que tendo à frente o Juiz de Direito Silo Rodrigues, baseados em documentos falos ou só na violência, querem nos expulsar de nossas glebas”374

.

Pouco tempo depois, o jornal Diário do Oeste informou que João Inácio, juntamente com Melo e Rosa e Osvaldo Barroso, grilou terras em Pirenópolis. Os posseiros João Celino da Rocha e Oliveiro Alves de Carvalho denunciaram a atividades do grupo: “Foi invadida – e os invasores ainda se encontram lá – a Fazenda Santa Bárbara, situada no município Pirenópolis. (...) “Em Palácio, relatou – e a reportagem do DIÁRIO DO OESTE anotou – que os grileiros são os senhores Alfredo de Melo Rosa, João Inácio, Osvaldo Barroso e José Garibaldi”375

.

370

Para se ter ideia da negligência das autoridades com a grilagem, o período em que foi registrada a sesmaria ocorreu décadas após o fim desse sistema – 1822.

371 Ibid., p. 66. 372 Ibid., p. 66. 373

Terra Livre, setembro de 1961.

374 Diário do Oeste, 14 e 15 de maio de 1961, p. 1 375 Diário do Oeste, 10 de março de 1961, p. 3

As atividades de João Inácio e de seu grupo tiveram origem em Trombas no início dos anos 1950, quando ganhou força o projeto de mudança da capital federal e se espalhou para todo o estado no final desta mesma década, depois que o projeto foi aprovado, em 1957, acompanhando a ampliação da malha ferroviária e o deslocamento da fronteira, momento que se verifica as denúncias de suas atividades em Porto Nacional.

Descobre-se, então, que a grilagem conduzida por João Inácio, além de irradiar por todo o norte goiano, alcançou outros estados que integravam a Amazônia Legal, conforme a CPI de venda de terras para estrangeiros. Dessa forma, ele se tornou, se não o maior grileiro do país, um dos mais destacados. Ainda que a CPI tenha sido criada para investigar a escandalosa aquisição de terras por estrangeiros depois de 1966, o início da aquisição de terras na Amazônia Legal por João Inácio e seu comércio com estrangeiros deram-se já entre o final dos anos 1950 e início 1960:

(...) podemos concluir que, possivelmente desde a década de 50, vastas áreas do território nacional têm sido vendidas a pessoas ou grupos estrangeiros, sem a menor fiscalização. Ou a partir dessa época o fato foi divulgado pela imprensa e foram algumas sindicâncias feitas, sem, porém, ter sido tomada nenhuma providência concreta pelos podêres competentes376.

Com base nessas informações e na teia de relações de João Inácio para realizar a grilagem, articulando-se com deputados, prefeitos, agentes públicos, advogados, empresários e o capital externo, pode-se inferir que a grilagem não era apenas um ato ilícito de um indivíduo movido pelo desejo de enriquecimento fácil, mas um atraente negócio. Negócio este que não era conduzido apenas por criadores de gado e grupos locais que buscavam apropriar- se da terra antes que os posseiros conseguissem sua regularização, como afirmou Paulo Cunha377 sobre a grilagem de terras em Trombas: “Em Formoso e Trombas, essa prática foi se intensificando a partir do momento em que os fazendeiros souberam das tentativas dos posseiros de obter o registro legal de suas terras em suas idas a Goiânia”378

.

O estudo de Cunha379, que contribuiu para o debate na historiografia sobre Trombas ao apresentar a visão do PCB sobre seu protagonismo no conflito, não observou as mudanças na configuração da propriedade, por isso atribui a grilagem como uma reação, e não como uma mudança de postura dos criadores de gado e grupos dominantes locais diante da oportunidade

376

DIÁRIO DO CONGRESSO NACIONAL. Seção I. Suplemento ao n. 47. Brasília: Câmara dos Deputados, 12 jun. 1970, p. 8.

377 CUNHA, Paulo Ribeiro da. Aconteceu longe demais: a luta pela terra dos posseiros em Formoso e Trombas e

a revolução brasileira (1950-1964). São Paulo: Editora UNESP, 2007.

378 CUNHA, op. cit., 2007, p. 166. 379 Ibid.

de aproveitar o mercado de terras. Então, na iminência de perder as terras para os posseiros que buscavam regularizar a situação de suas posses com o governo do estado, iniciam o

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