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A Lei de Terras de 1850: o latifúndio como parte estruturante da dinâmica interna do capitalismo dependente brasileiro

As origens da propriedade fundiária em Goiás: o latifúndio como parte estruturante do capitalismo dependente brasileiro 1726-

1.2 A Lei de Terras de 1850: o latifúndio como parte estruturante da dinâmica interna do capitalismo dependente brasileiro

O projeto que culminou na Lei de Terras foi resultado das transformações em curso no Brasil na primeira metade do século XIX, articuladas as mudanças na economia mundial com o desenvolvimento da grande indústria. Nesse momento, sobretudo pela pressão externa

escravos, assentada sobre a grande propriedade fundiária alodial e alienável”. GORENDER, Jacob. Regime Territorial no Brasil Escravista. In: STEDILE, João Pedro (org.). A questão agrária no Brasil: o debate na esquerda – 1960-1980. São Paulo: Expressão Popular, 2012, p. 211.

98 A preocupação com a caótica situação da propriedade da terra no Brasil já intrigava a elite proprietária de

terras afinada com o pensamento econômico europeu. Por isso, mesmo antes da Independência, no dia 17 de julho, José Bonifácio de Andrada e Silva apresentou uma medida suspensiva de doação de sesmaria, através da Resolução 76, até que fosse convocada uma Assembleia Geralpara resolver a questão. Nesse momento, Portugal passava pela Revolução Liberal do Porto (1820), que previa uma assembleia geral, com participação de representantes brasileiros para formular uma nova constituição, na qual seria discutida a questão de terras no Brasil. Mas, antes mesmo de ser elaborada uma nova constituição, o país passou por uma emancipação política e D. Pedro I não tratou do tema na Constituição de 1824. Por essa razão a posse foi a única forma de aquisição de terras no Brasil de 1822 a 1850. Segundo Smith em relação à atitude de José Bonifácio: “O que parece ficar evidente é que o ato de suspensão da concessão de terras deveria ser entendido como um primeiro capítulo de uma série de dispositivos de espectro mais amplo, que deveria seguir-se, relativa à questão da propriedade da terra, das relações de trabalho e da técnica, vinculada ao desenvolvimento da agricultura no Brasil”. SMITH, op. cit., 1990, p. 281.

99

No século XVIII, a legislação portuguesa passou a reconhecer a figura do posseiro, garantindo-lhes alguns direitos, como as benfeitorias incorporadas à terra.

exercida pela Inglaterra para acabar o tráfico de escravos, que entravava a expansão do mercado os produtos industriais, foram criadas leis em vários países para instituir a propriedade capitalista. Este panorama foi descrito por Emília Viotti da Costa:

A política de terras e a de mão-de-obra estão sempre relacionadas e ambas dependem, por sua vez, das fases do desenvolvimento econômico. No século XIX, a expansão dos mercados e o desenvolvimento do capitalismo causaram uma reavaliação das políticas de terras e do trabalho em países direta ou indiretamente atingidos por esse processo101.

O Brasil, que tinha estreitas relações econômicas com a Inglaterra102, ficou cada vez mais coagido a extinguir o tráfico de escravos e adotar uma política de absolutização da terra, pois como já alertou Martins, “se no regime sesmarial, o da terra livre, o trabalho tivera que ser cativo; num regime de trabalho livre a terra tinha que ser cativa”103. Desse modo, o quadro de reavaliação da política de terras no Brasil segundo Smith:

dar-se-á num contexto de mudança em nível das relações entre economia e política, revelada tanto no papel do Estado, quanto das relações internacionais em que se esboça a estruturação do capitalismo industrial, e os primeiros passos do imperialismo no início do século XIX (...)104.

Na Inglaterra, o processo de cercamento dos campos com o estabelecimento da propriedade capitalista já se encontrava avançado, e tal modelo de propriedade passava a ser difundido a todo o mundo105 com o desenvolvimento do capitalismo industrial, que necessitava impedir o livre acesso à terra nos países coloniais106, ou que tinham conquistado

101 COSTA, Emília Viotti da. Da Monarquia à República: momentos decisivos. São Paulo: Ed. UNESP, 1998, p.

170.

102 A abertura dos portos possibilitou uma intensificação do comércio entre Inglaterra e Brasil, relações que se

mantiveram, inclusive, depois da emancipação política em 1822. As firmas inglesas chegaram, até por volta de 1840, a controlar mais da metade de exportações, além da Inglaterra ter desempenhado um importante papel para cobrir os déficits na balança comercial brasileira. SMITH, Roberto, op. cit., 1990, p. 328.

103

MARTINS, José de Souza. O cativeiro da terra. São Paulo: Editora Contexto, 2010, p. 48.

104

SMITH, Robert, op. cit., 1990, p. 144.

105 Thompson, ao analisar a dissolução dos costumes comuns que garantiam o direito à ocupação, à produção e à

exploração de recursos da terra, pelo direito absoluto da propriedade emergido com a Lei e a justiça burguesa, demonstrou como este modelo de propriedade é transplantado para todo o mundo com o desenvolvimento do capitalismo industrial: “O conceito de propriedade rural exclusiva, como uma norma a que outras práticas devem se adaptar, estava então se estendendo por todo o globo, como uma moeda que reduzia todas as coisas em valor comum. O conceito foi levado pelo Atlântico até o subcontinente indiano e penetrou no Pacífico Sul por meio dos colonizadores, administradores e advogados britânicos que, embora soubessem da força dos costumes e sistemas fundiários locais, lutavam para interpretá-los segundo sua própria medida de propriedade. (...) Agora era a lei (ou a „superestrutura‟) que se tornava o instrumento para reorganizar (ou desorganizar) os modos de produção agrários estrangeiros e, às vezes, para revolucionar a base material”. THOMPSON, E. P. Costume, lei e direito comum. In: ___________. Costumes em comum: estudos sobre a cultura popular tradicional. São Paulo: Companhia das Letras, 1998, p. 134.

106 É necessário situar historicamente o conceito de colônia para compreender suas nuances. Há o conceito de

colônia enquanto território subordinado e ligado econômica e politicamente a outra nação, onde o capital não se desenvolveu completamente, predominando relações de produção que não se centra na relação trabalho assalariado e capital. Neste modelo de colônia, todo o processo de acumulação é conduzido pelo capital mercantil agroexportador. E colônia enquanto um território a ser explorado por países onde o capital se

recentemente sua independência, para estabelecer um mercado de trabalho assalariado que estimulasse a expansão do consumo de produtos industriais.

Esta necessidade se fez mais premente após a Inglaterra enfrentar uma grave crise a partir de 1815, depois que é instalada a paz com a França. Nota-se a partir desse momento o rebaixamento da taxa de lucro decorrente da crise de excedentes de capital que, apesar de significativos investimentos tanto na agricultura como nas manufaturas, não havia um retorno proporcional. Como agravante, havia uma grande quantidade de mão-de-obra disponível que ultrapassava as necessidades do exército industrial de reserva. Essas condições provocaram uma crise estagnacionista da economia inglesa107.

Como solução para os problemas em questão, alguns economistas ingleses reunidos em torno da Colonization Society, mormente Edward Wakefield (1796-1862), formularam uma teoria que até por volta de 1840 não gozava de popularidade na Inglaterra, a colonização sistemática. Esta visava substituir a mera prática de emigração dos excedentes populacionais, para a vasão de capitais que não davam retornos lucrativos em países, que, como a Inglaterra, o mercado já se encontrava saturado. A intenção de Wakefield com o seu projeto era fundar o capitalismo a nível mundial. Entendia, então, que a base de todo o processo de transição para o capitalismo nas colônias estava assentada na mercantilização da terra como propriedade absoluta para engendrar as relações capitalistas. Segundo Smith, “o debate da questão colonial, a partir da contribuição de Wakefield, projeta o problema da transição para o capitalismo no espaço colonial e a sua relação com a Inglaterra”108

.

Como podemos ver, o fio condutor de todo o processo de transição para o capitalismo na colônia estava fundamentado na propriedade privada da terra enquanto pressuposto para o trabalho livre. Nesse sentido, na compreensão de Wakefield, era necessário que o Estado capitaneasse o processo de formação da moderna propriedade fundiária, impedindo o livre acesso à terra, incorporando-a ao domínio público para que pudesse ditar os termos de sua

desenvolveu plenamente e buscam aí um mercado para seus produtos industriais e uma fonte de abastecimento de gêneros alimentício e matérias-primas. Com efeito, quando Wakefield pensa a colônia, ele não está se referindo a países subordinados politicamente a outros, mas como um lugar onde as terras não se encontram regularizadas juridicamente, onde havia espaço para o investimento de capital e de transposição da população excedente da Inglaterra, o que o levou a considerar, por exemplo, os Estados Unidos como uma potencial colônia. SMITH, Roberto, op. cit., 1990, p. 279. Este modelo de colônia como um território dominado por um modelo de organização política e jurídica transplantada da metrópole, quando predominava o capital mercantil, se desfazia nas primeiras décadas do século XIX para o neocolonialismo, que passava por controle econômico e influência política, mas não necessariamente por um controle direto do país.

107 SMITH, Roberto, op. cit., 1990, p. 246. 108 Ibid., p. 242.

aquisição, incluindo o seu preço de forma que evitasse a constituição do campesinato nas colônias109. Desse modo, o Estado agiria como agente do estabelecimento do capitalismo:

Dois aspectos circunscreviam a instituição do preço suficiente: o primeiro era que o Estado criava, exogenamente ao mecanismo de mercado, a propriedade mercantil da terra. O segundo é que a vedação temporária de acesso à propriedade da terra, pela fixação de um preço à mesma, tornava de certa forma o salário dependente do preço da terra na colônia.110

As ideias de Wakefield sobre a colonização sistemática ganhou popularidade na Inglaterra e em outros países a partir da década de 1840. E, se já em 1807 a Inglaterra tinha proibido o tráfico de escravos para suas colônias e pressionava outros países, a exemplo do Brasil, por suas estreitas relações econômicas, esse processo foi intensificado à medida que o capitalismo industrial se fortalecia e cresciam as necessidades inglesas de expansão do mercado para seus produtos industriais.

É patente que o processo de internacionalização do capital provocou transformações e influenciou a criação de medidas para a absolutização da propriedade, convertendo-a numa mercadoria. Com efeito, a política de terras começou a fazer parte das agendas políticas destes países como uma medida para consolidar o Estado Nacional via transição para o capitalismo. Uma evidência é que as “leis de terras foram gestadas e aprovadas em vários países da América Latina, América do Norte e Oceania, quase ao mesmo tempo, configurando um processo internacional, que não pode ser entendido apenas do lado de suas determinações internas”111

.

A referida lei buscava normatizar a confusa situação de terras herdadas do período colonial, dando segurança jurídica aos proprietários, com o propósito de substituir a terra pelo escravo como garantia de hipoteca e de crédito, além de propor resolver a crise do trabalho escravo, que já dava sinais de esgotamento, com a supressão do tráfico de escravos para o Brasil no dia 4 de setembro de 1850112. Com o fim do tráfico, a regulamentação da terra

109 Se na Inglaterra a terra assume um papel importante no processo de transição para o capitalismo ao separar os

trabalhadores dos meios de produção propiciando o advento do trabalho assalariado, no Brasil a propriedade territorial cumpriu o papel de garantir mão-de-obra através do imigrante e evitar a constituição do camponês como pequeno proprietário autônomo, ao limitar o acesso à terra por meio da compra.

110 SMITH, Robert, op. cit., 1990, p. 277. 111

Ibid., p. 325.

112 No dia 7 de novembro de 1831, o governo imperial, na pessoa de Feijó, promulgou a primeira Lei de

Proibição do Tráfico de escravos no Atlântico para atender as exigências da Inglaterra. No entanto, a lei não foi cumprida. Já a Lei Eusébio de Queiroz foi aplicada de forma austera. Segundo Silva, em diálogo com Joaquim Nabuco, “o governo imperial estava efetivamente determinado e não apenas promulgou a lei como também se armou de meios necessários para que suas determinações fossem cumpridas. Em 1853, uma nova lei foi aprovada no sentido de aumentar a competência dos auditores da Marinha para processar e julgar os traficantes de escravos e seus cúmplices, mesmo quando a perseguição fosse posterior ao desembarque e longe da costa, porque senão, segundo Nabuco de Araújo, os criminosos seriam julgados no interior, por um júri composto de pessoas favoráveis ao tráfico e coniventes com o crime”. SILVA, Lígia Osório, op. cit., 2008, p. 132-133.

tornava-se uma questão de suma importância como solução para os problemas de mão-de- obra, que emergiam de uma economia na qual o escravo desempenhava um papel central como capital de custeio.

Assim, era preciso garantir os meios para substituir a importância econômica do escravo para a terra num futuro próximo, o que implicava impedir o apossamento e colocar ordem na caótica situação da propriedade fundiária. É neste cenário que a Lei de Terras foi aprovada duas semanas depois do fim do tráfico de escravos, no dia 18 de setembro, quando os senhores de terras decidem aprovar o projeto que no decorrer da década de 1840 tinha tramitado no Congresso e sido engavetado no Senado113.

O desenvolvimento do capitalismo industrial engendrou mudanças nas sociedades dependentes – que se formaram com a expansão do capitalismo mercantil como uma economia complementar ao mercado europeu – para se adaptarem ao seu novo papel no mercado mundial numa nova etapa da expansão capitalista da qual nasce a Lei de Terras no Brasil. Segundo Bambirra:

Essas transformações, conhecidas como a segunda Revolução Industrial (...) e que determinam um novo ciclo de expansão capitalista, afetariam decisivamente as sociedades dependentes aqui analisadas, provocando profundas modificações em seus componentes estruturais básicos.

Tais modificações se fazem necessárias, com a finalidade de que as sociedades dependentes se readaptem, no sentido de se capacitarem para satisfazer as demandas da nova etapa de expansão do capitalismo mundial.114

Nesse sentido, concordamos com Marini que é a partir da Revolução Industrial que as relações do Brasil e da América Latina com os centros do capitalismo europeu se inserem numa estrutura definitiva: “a divisão internacional do trabalho, que determinará o curso do desenvolvimento posterior da região”115

. Segundo Santos116, é com a expansão do capitalismo industrial no século XIX que emerge uma economia mundial plenamente integrada117.

113 O anteprojeto da lei de terras foi realizado pelo Conselho de Estado e depois enviado à Câmara para

apreciação no início dos anos de 1840. Depois de acaloradas discussões, o projeto de número 94 – intitulado Divisão de Terras e Colonização –, foi aprovado na Câmara em outubro de 1843. Após a aprovação na Câmara com algumas indicações de mudanças, o projeto foi encaminhado ao Senado, onde ficou até 1850, quando com algumas alterações foi promulgado com a denominação de Lei de Terras, no dia 18 de setembro.

114

BAMBIRRA, Vania. O capitalismo dependente latino-americano. 3ª ed. Florianópolis: Insular, 2015, p. 64.

115 MARINI, Ruy Mauro. Subdesenvolvimento e Revolução. 4ª ed. Florianópolis: Insular, 2013, p. 109..

116 SANTOS, Theotonio dos. Imperialismo Y Dependencia. Caracas: Fundación Biblioteca Ayacucho, 2011, p.

368. Disponível em: www.bibliotecayacuho.gob.ve. Acessado em agosto de 2016.

117

Um exemplo de como se constitui esse processo é o aumento significativo de exportação do Brasil e dos países latino-americanos, após a segunda metade do século XIX. E, como a entrada dos produtos agrícolas e matérias-primas produzidas sob formas não capitalistas de produção por com um custo de produção mais baixo que potências capitalistas, vai culminar na crise agrária, levando os agricultores destes lugares a aumentar a produtividade com a introdução de máquinas e insumos para fazer frente os baixos preços dos produtos daqueles lugares. Sobre a crise agrária Cf: KAUTKSY, Karl. A Questão Agrária. Brasília: Linha Gráfica Editora, 1998.

A consolidação da economia mundial com a Revolução Industrial marca um novo caráter de dependência do Brasil, não mais dominado pelo capital mercantil-financeiro metropolitano, que apropriava-se das riquezas produzidas aqui por meio do monopólio do comércio, mas uma dependência-financeiro e industrial, que irá se consolidar no final do século XIX e é “caracterizada por el dominio del gran capital en los centros hegemónicos y su expasión hasta el exterior invertir en la produción de materias primas y productos agrícolas consumidos en los grandes centros hegemónicos”118

.

Ao Brasil cabia atender duas exigências do capitalismo mundial: 1) fornecer matérias- primas e produtos agrícolas “para satisfazer as demandas crescentes da nova fase de industrialização nos países capitalista avançados”119

; 2) desenvolver “(...) a expansão dos mercados internos desses países, a fim de que sejam capazes de absorver maior quantidade de produtos manufaturados dos países capitalistas centrais”.120

No Brasil não foi o capital que conduziu a transição para o capitalismo, foi a pressão criada pela consolidação do mercado mundial. Esta condição particular de desenvolvimento capitalista revela como a política de terras foi diametralmente oposta à realidade nos Estados Unidos com o Homestead Act121. Como destacou Martins:

A lei americana de colonização permitia que mesmo os ex-escravos pudessem se tornar proprietários de terra, sem ônus. O oposto do modelo de ocupação territorial e de capitalismo pelo qual o Brasil optara. Lá, a mudança fora presidida pelo capital; aqui, fora presidida pela economia de exportação e o latifúndio, no qual ela se baseava. Lá o capital se arvorou politicamente contra a propriedade da terra, seguindo a ordem lógica que impusera o fim do antigo regime na Europa. Aqui, a propriedade da terra se institucionalizou como propriedade territorial capitalista, presidiu o processo de instauração, difusão e consolidação do capitalismo entre nós, acasalou

118 SANTOS, op. cit., 2011, p. 368. 119

BAMBIRRA, op. cit., 2015, p. 66

120

Ibid., p. 66.

121 Os Estados Unidos adotaram uma forma de apropriação baseada na pequena e média propriedade, o que

também está longe de representar a visão construída de que a conquista do Oeste representou as aspirações dos mais pobres. No entendimento de Eric Hobsbawm, a expansão norte-americana amparou-se no destino manifesto de seu povo e de que os Estados Unidos eram uma terra de igualdade, democracia e de inúmeras oportunidades de sucesso. Entretanto, a construção da utopia de uma sociedade agrária de fazendeiros livres, sobretudo depois da aprovação do Homestead Act, de 1862, que distribuiu terra ao oeste dos Estados Unidos, não contemplou as massas de trabalhadores sem-terra, pois “entre 1862 e 1890, menos de 400 mil famílias se beneficiaram do Homestead Act, enquanto a população como um todo cresceu em 32 milhões. (...) Os verdadeiros beneficiários da terra livre eram os especuladores, financistas e intermediários capitalistas. Nas últimas décadas do século pouco se ouvia do bucólico sonho de liberdade da terra”. HOBSBAWM, Eric. A Era do Capital: 1848-1875. Trad. Luciano Costa Neto. Rio de Janeiro, Paz e Terra 3ª Ed. 1982, p. 156. Contudo, mesmo favorecendo os especuladores e capitalistas, foi a partir da pequena propriedade que se conformou a estrutura fundiária dos Estados Unidos. Costa (op. cit., 1998) corrobora do entendimento de que o Homestead Act não abrigou nem um terço das famílias sem terras nos Estados Unidos. Sobre a história da propriedade fundiária dos EUA Cf: GUEDES. Sebastião Neto Ribeiro; REZENDE, Gervásio Castro de Rezende. Formação histórica dos direitos de

propriedade da terra no Brasil e nos Estados Unidos e sua relação com as políticas agrícolas atualmente adotada nesses dois países. Disponível em: www.iea.sp.gov.>out>pal1 Acessado 08/05/2016.

terra e capital, concentrou a repartição da mais-valia e avolumou a reprodução ampliada do capital122.

A crise do capital mercantil colonial, portanto, decorria das transformações que se processavam nacionalmente na esteira da expansão capitalista com a integração do comércio mundial, que vai determinar a dinâmica interna dessa economia e a mudança no seu caráter de dependência na economia mundial. No Brasil, ela iria se consolidar com a hegemonia do café, que passa a ser o principal produto da nossa economia. Contudo, este setor exportador, como mostrou Theotônio dos Santos123, era formado por economias complementares que produziam gado, gêneros agrícolas de subsistência e que, deste modo, dependiam em alguma medida “del sector exportador al cual le vendían”124

. É com esta função de economia complementar que Goiás se integra à economia nacional e que se configura a propriedade da terra de uma estrutura herdada das sesmarias.

Podemos afirmar que, inicialmente, o projeto que culminou na Lei de Terras foi de iniciativa do Estado, encampado por uma elite política simpatizante das ideias modernizadoras, que ventilavam na Europa a respeito da mercantilização da terra como pressuposto para o surgimento do trabalho livre e para o advento da acumulação capitalista no Brasil com o fim previsível, mas ainda longo, da escravidão. No entanto, representava também os interesses das oligarquias locais que sabiam manipular a Lei de Terras, para,

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