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A república oligárquica em Goiás 1889-1930: a hegemonia agrário-conservadora

As origens da propriedade fundiária em Goiás: o latifúndio como parte estruturante do capitalismo dependente brasileiro 1726-

1.4 A república oligárquica em Goiás 1889-1930: a hegemonia agrário-conservadora

A Lei de Terras expressava os interesses dos senhores de terras que tinham o controle local para efetivar suas propriedades, o que seria confirmado com a Proclamação da República (1889) que, na constituição de 1891, transferiu as terras devolutas ao domínio dos estados e suas oligarquias, fortalecendo o latifúndio. Observando o comércio de terras entre os anos de 1850-1910 nos municípios do sul de Goiás – Goiás, Rio Verde e Morrinhos – presentes no estudo de Maria Alencar Luz174, é possível identificar o problema com maior precisão. A autora analisou as escrituras de compra e venda de propriedade que contém informações, como a descrição de “todas as suas benfeitorias”, como também “apresentam problemas quase intransponíveis”175

, dentre os quais podem-se destacar: “os preços dos imóveis, os quais eram rebaixados, com o objetivo de reduzir o montante dos impostos”176

; as

172 SMITH, op. cit.,1990, p. 330. 173 MARTINS, op. cit., 2010, p. 47. 174

LUZ, op. cit., 1982.

175 Ibid., p, 90. 176 Ibid., pp. 90-91.

precárias informações nos documentos cartoriais das especificações e limitações da área da propriedade e qualidade das terras, dificultando precisar o “preço real da terra por hectare”177. A ausência de informações em relação à área e ao valor das terras caracterizavam-se pela forma como se constituía a propriedade na fronteira na simbiose entre latifúndio e minifúndio. Os problemas nos documentos requerem mais atenção e abrem mais possibilidades de investigação do que necessariamente as informações nele contidas, já que a omissão daquelas informações, era a regra e não a exceção nos documentos de compra e venda. Essa prática, recorrentemente utilizada desde a implantação da Lei de Terras e presente depois com a promulgação da Constituição de 1891, consolidava o poder dos proprietários de terras em criar um dispositivo jurídico, que ao mesmo tempo em que impelia a institucionalização da propriedade capitalista, criava mecanismos legais para manter o apossamento da terra ou institucionalizá-la nos meandros das normas jurídicas.

Segundo Linhares e Silva178, as classes agrárias tinham receio de que o controle das terras devolutas e da legislação agrária pelo Estado, como era no caso do Império, além de reduzir o papel e o poder local dos proprietários de terras, favorecesse a aplicação de políticas que afetassem o rendimento e o monopólio sobre essas terras, tal como a cobrança do imposto territorial: “A intangibilidade da propriedade representava neste momento duas coisas: não ao imposto territorial e a qualquer cadastro que o viabilizasse e não a qualquer programa de distribuição de terras para libertos, pobres ou imigrantes”179

.

Por isso, devemos compreender a resistência dos proprietários em fornecer informações mais detalhadas de suas terras como uma forma de manter a intangibilidade de sua propriedade. Levando em consideração os registros de compra e venda analisados por Luz180, podemos observar que a prática não apenas continuou com o advento da República, mas impeliu a concentração da terra, que constituía um dos principais meios de enriquecimento.

Sobre a situação da cidade de Goiás, zona de ocupação antiga que pouco se alterou com a aproximação da economia cafeeira, já que não registrou tendência geral de crescimento de transações comerciais da terra e nem crescimento demográfico, Luz concluiu que o número de propriedades e de proprietários eram equivalentes, ou seja, a grande maioria possuía apenas uma propriedade registrada em seu nome, “havendo apenas uma pessoa com três

177 Ibid., p. 91.

178 LINHARES, Maria Yedda Leite; SILVA, Francisco Carlos Teixeira da. Terra Prometida: uma história da

questão agrária no Brasil. Rio de Janeiro: Campus, 1999.

179 LINHARES; SILVA, op. cit., 1999, p. 74. 180 LUZ, op. cit., 1982, p. 79.

propriedades e uma com seis propriedades”181. Portanto, não há evidência de concentração de propriedade nas mãos de muitos indivíduos, “embora seja clara a existência de grandes propriedades”182

.

Já nas cidades onde se registrou o aumento da compra e venda de terras, observa-se, além da tendência da formação de grandes propriedades, que, à medida que se intensificava o desenvolvimento capitalista, aumentava também a concentração de terras em poder de uma única pessoa ou família. Em Rio Verde, apesar da situação não diferir muito em relação à concentração fundiária, se comparado com o município de Goiás, verifica-se que os proprietários de terras declaram apenas uma ou algumas de suas propriedades, pois o restante das terras eram fracionadas e vendidas em virtude do avanço do capital sobre a terra, que pressionava as classes agrárias a regularizarem a situação de seus domínios através da compra e venda de propriedade. Segundo Luz:

A grande maioria dos indivíduos (88%) possuia (sic), registrada em seu nome, apenas uma propriedade. Observe-se, no entanto, que o pioneiro José Rodrigues de Mendonça registrou apenas a Fazenda São Tomas (26), adquirida por posse. Foram encontradas, porém, referências a várias outras propriedades vendidas por ele (Fazenda Cabeceira da Cachoeirinha, Fazenda Pindaíbas, Fazenda Paraíso do Rio Preto – esta em condomínio – Fazenda Monte Alegre, Fazenda Bauzinho, Fazenda Confusão e Fazenda Aterradinho). Pode-se concluir, deste fato, que os pioneiros chegados do sudoeste goiano apossaram-se de imensos traços de terras, que foram posteriormente „legalizados‟ através da compra e venda, aceitas pelos Cartórios locais183.

A autora chama atenção para o processo de aquisição de terras em Rio Verde, da presença numerosa de capitais de fora do município, principalmente de “proprietários originários de Minas Gerais e São Paulo”. Segundo Luz, cerca de 42% foram “provenientes de fora do Município”184. Parte do dinheiro da venda de terras pelos grandes proprietários não foi reinvestido na compra de novas terras, assim como muitas propriedades se subdividiram através da herança. É interessante observar o tamanho dessas áreas pela quantidade de condomínios em que eram divididas. Segundo Luz, os descendentes dos pioneiros José Rodrigues Mendonça e Florentina Cláudia de São Bernardo alienaram grande parte das terras. Só na “Divisão Judicial da fazenda São Tomás, foram arrolados 385 condomínios, num total de 462 glebas de terras” 185

. Por outro lado, a chegada de capitais alienígenas foi responsável

181 Ibid., p. 79. 182 Ibid., p. 98. 183 Ibid., p. 80. 184 Ibid., p. 106.

pela forma de novos latifúndios e pela acumulação de várias terras em poder de um proprietário.

Já Morrinhos, que apresentava uma documentação irregular, registrou uma ligeira concentração em torno de grandes famílias, segundo Luz “em virtude de uma valorização maior das terras”186. Um exemplo disto é que de apenas sete propriedades divididas por herança “originaram 118 das 243 propriedades registradas na paróquia de Nossa do Carmo da Vila Bela. A fazenda Mimosa, sozinha, originou 42 propriedades”187

. A cidade registrou, sobretudo no período de 1881-1900, tendência de crescimento não apenas das transações, mas também de volume de dinheiro aplicado em terras188.

Esse movimento de valorização culminou em maior concentração fundiária em Morrinhos. Como se pode notar pelo patrimônio do principal proprietário de terras da cidade, o coronel Hermenegildo Lopes de Moraes, que “entre 1874 e 1901 adquiriu 28 propriedades no Município, tendo investido um total de 39:273$00”. Do total investido em terras nesse período, 20% correspondiam aos investimentos do coronel Hermenegildo189.

É evidente que o comércio de terras de maior intensidade em Rio Verde e Morrinhos se deu pelo desenvolvimento da economia comercial, que despertou uma nova relação com a terra motivada pela expectativa de, através dela, obter poder econômico. Um dos desdobramentos desse processo foi a formação de novos latifúndios em virtude da elevação da renda fundiária pela aproximação da região com o Triângulo Mineiro. Para Luz:

Já a concentração fundiária é evidente nas regiões de ocupação recente (Morrinhos e Rio Verde), onde alguns poucos proprietários possuíam grandes quantidades de terras, como se pode deduzir do número de propriedades em mãos de uma só pessoas ou grupos de família e do alto valor dessas propriedades. No Município de Goiás esta tendência foi observada, concluindo-se que as terras de ocupação antiga tendiam a se fracionar pela sucessão das gerações, quando não ocorria – como foi o caso – um fato econômico que as valorizasse190

.

Pelo que foi observado na documentação referente à compra e venda das terras e de sua situação legal analisados por Luz191, esses problemas permaneceram após a implantação da República, pois as legislações criadas tanto no estado quanto pelo governo federal abriam brechas nas leis para que o apossamento dos grandes fazendeiros fosse passível de legitimação ou regularização. 186 Ibid., p. 80. 187 Ibid., p. 85. 188 Ibid., p. 116. 189 Ibid., p. 115. 190 Ibid., p. 122. 191 Ibid.

Em Goiás, a primeira Lei de Terras foi a de nº 28, de 19 de julho de 1893, no governo do presidente do Estado, o Dr. José Ignácio Xavier de Brito. Esta lei não durou muito: em 1897 fora substituída pela Lei nº 134. Sobre a legitimação das posses, a lei de 1893 determinou que eram passíveis de legitimação “as posses mansas e pacíficas adquiridas por ocupação primária e registradas segundo o regulamento n.1318, de 30 de janeiro de 1854, ou havidas do primeiro ocupante, que se acharem cultivadas e com morada habitual dos respectivo posseiro”.192

Na lei nº 134, de 1897, o direito do apossamento foi ampliado ao incluir como passíveis de legitimação as posses adquiridas depois do Regulamento de 1854. No art. 28 da referida lei, fica estabelecido que estão sujeitas à legitimação: “As posses mansas e pacíficas com cultura efetiva e morada habitual, havidas por ocupação primaria, depois da publicação do decreto n.1318, de 30 de janeiro de 1854, que se acharem em poder do primeiro ou segundo ocupante ou de seus herdeiros”193

.

Esta medida garantia os interesses dos senhores de terras que se apossaram das terras ao arrepio do que estabelecia o Regulamento de 1854, que proibia a aquisição de terras devolutas por outro meio que não a compra, o que dificultava a legitimação das posses dos camponeses, pois a Lei nº 28 de 1893 estabelecia como prioridades para a compra da terra, primeiro, o maior lance, depois, o pagamento à vista. Só depois daquelas prerrogativas é que ficava resguardado o direito de quem “tiver cultura no terreno exposto à venda”194.

Além da transferência de terras devolutas para os estados ter favorecido os latifundiários, os setores agrários ainda tinham influência junto ao governo federal na formulação de leis e políticas que regulamentavam o monopólio da terra através do apossamento, subordinando a pequena propriedade ao latifúndio e favorecendo, sempre que necessário, a incorporação da pequena propriedade. A política fundiária adotada pelos estados federados legitimava o apossamento das grandes extensões e, com isto, segundo Linhares e Silva, “acentuava-se o caráter plantacionista e latifundiário da República recém-instalada”195.

Assim, apesar das tentativas de reformas liberais idealizadas pelo então ministro da Fazenda Ruy Barbosa, cujo objetivo consistia na tributação da propriedade e a tentativa de implantar um novo padrão via farmer de desenvolvimento agrário, não tiveram sucesso, pois sofreram dura oposição dos setores dominantes que, “contra o projeto modernizante da

192 Lei nº 28 de 1893,Capítulo II, Art. 15. 193

LUZ, op. cit., 1982, p. 55

194 Ibid., p. 51.

estrutura agrária brasileira”196

, apresentou como medidas políticas “o crédito fácil, redução dos impostos de exportação, estabilidade financeira e cambial ao lado de obras de infraestrutura (viabilizadas pelo capital financeiro multinacional), principalmente em portos e ferrovias”197.

Com efeito, mesmo com a implantação da República, as reformas liberais não atacaram o latifúndio, ao contrário, o fortaleceram, dado que se deu:

(...) uma perfeita conjunção do ideário liberal com as condições preconizadas pelo conservadorismo tradicional brasileiro na consolidação de uma ordem agrário-conservadora. Os pressupostos clássicos do liberalismo – constitucionalismo, representação, divisão de poderes, alternância política e inclusive o federalismo – são formalmente adotados. Entretanto, reforça-se a dominação sobre os grupos sociais subordinados e consolidam-se os instrumentos de exploração da grande massa de trabalhadores, dominantemente agrários, do país. A federação e a representação local são relidas pela elite política brasileira em sentido regressista, capaz de sustentar por quase quarenta anos, até 1930, um eficiente pacto de governação oligárquico, estritamente conservador, expresso na política dos governadores e no coronelismo local198.

O poder dos proprietários fica mais evidente se levarmos em consideração sua importância nos núcleos dirigentes dos partidos políticos e na composição dos cargos executivos e legislativos em suas diferentes esferas. Em Goiás, no que se refere aos núcleos dirigentes dos partidos políticos, o cientista político Francisco Itamy Campos199 fez o levantamento da comissão executiva dos partidos e constatou que no início da República, entre o período de 1890 a 1904, os fazendeiros tinham uma representação de 15,0%, e no período de 1912 a 1930, sua representatividade totalizava 38,4%, ao passo que os advogados, no mesmo período, tinham uma representação de 40%, declinado no final da República para 19,9%200. Essa influência é ainda mais expressiva se levarmos em consideração que médicos e advogados, que tinham participação política significativa, tinham estreitas ligações com os proprietários de terras, quando não eram também proprietários ou filhos de proprietários de terras.

No entanto, o maior exemplo do poder das classes agrárias é a importância da arrecadação da pecuária para o orçamento do estado em contraste com os insignificantes recursos oriundos do imposto territorial, como se vê na tabela abaixo:

196 Ibid., p. 74. 197 Ibid., p 74. 198

Ibid., p. 79.

199 CAMPOS, Francisco Itami. Coronelismo em Goiás. 2ª Ed. Goiânia: Vieira, 2003. 200 CAMPOS, op. cit., 2003, p. 70.

Goiás: orçamento estadual – principais itens (1889-1930)

Receita Média do

período (1894 a 1930)

Despesa Média do período

(1894-1930)

Pecuária 31,9% Força Pública 26,8%

Transmissão de Propriedade 11,9%

11,9% Justiça 13,4%

Agricultura 6,0% Fisco (arrecadação) 14,7%

Imposto de Consumo 4,5% Educação 10,6%

Indústria e Profissão 3,3% Obras Públicas 6,6%

Imposto Rural 3,1% Outros Itens 26,4%

Outros Itens 39,3%

Total 100,0% Total 100,0%

Fontes: Semanário Official e Correito Official extraído do trabalho de CAMPOS, Francisco Itamy. Op. cit. p. 77.

A porcentagem do imposto territorial rural no orçamento é proporcionalmente muito mais reduzida que a importância dos recursos arrecadados pela pecuária e pela agricultura, que juntas totalizavam 40% do orçamento, o que confirma o pressuposto lançado por Linhares e Silva201, o qual já nos referirmos anteriormente: a resistência dos proprietários ao cadastramento de terras para que pudesse fundamentar a cobrança do imposto territorial, mantendo a intangibilidade da propriedade. O fato que chama ainda mais atenção, como mostrou Campos é que “o Imposto Rural era o sexto na ordem de arrecadação, menor que o Imposto de Indústria e Profissão, isto num Estado marcantemente rural e com uma diminuta faixa de empregos em outras atividades que não a agropecuária”202

.

Por estas questões, a República Oligárquica é um dos picos da formação dos latifúndios. Entre os vários motivos podemos citar: 1) a constituição de 1891 que transferiu aos Estados o poder de legislar sobre as terras devolutas, favorecendo o açambarcamento de terras pelas oligarquias locais/regionais e 2) a criação de leis federais em consonância com as legislações de terras devolutas estaduais, entre as quais pode-se mencionar a lei que orça a Receita Geral da República de 1891. Essa lei tinha vários dispositivos – que estariam presentes nas leis posteriores – que permitiam a regularização dos arrendatários, composto de

201 LINHARES; SILVA, op. cit., 1999. 202 CAMPOS, op. cit., 2003, p. 74.

grandes fazendeiros e proprietários. Além dela, Linhares e Silva mencionam o ato do governo federal do ano de 1912, que revisou a Lei de Terras de 1850 e seu regulamento, o decreto 1.318 de 1854. Depois disso foi criado, no ano de 1913, o Decreto nº 10.105, que reconhecia o fracasso da Lei de Terras e legitimava o apossamento das terras devolutas ocupadas pelos grandes proprietários:

A República, já consolidada e segura de si mesma, assegurava o domínio latifundiário. O Regulamento de 1913 surgia, assim, como expressão típica da hegemonia agrária, legitimando e consolidando uma estrutura fundiária que continuamente aumentava seu grau de concentração. Mais ainda: a República expandia os instrumentos de concentração de terras para as áreas novas de fronteira, como a Amazônia e o Meio-Norte, onde dominava o extrativismo, e para o Centro-Oeste da pecuária”203.

Em Goiás, a tendência à concentração fundiária aqui analisada através do diálogo com os dados e conclusões levantadas por Maria Amélia Alencar Luz até 1910 foi intensificada com a chegada da estrada de ferro, que de Araguari se estendeu até o sul de Goiás no ano de 1913. Sua criação, segundo Borges, foi resultado “de uma fração „modernizante‟ de classe dirigente que tinha interesse no desenvolvimento dos meios de transporte e comunicação no Estado”204

.

No entendimento de Borges, a chegada da Ferrovia em Goiás, mesmo que inicialmente tenha sido encarada com desconfiança pelos oligarquias agrárias dominantes no estado, depois que foi implantada alimentou a sanha dos proprietários em ampliar seus domínios, bem como atraiu a chegada de novos capitais que passaram a adquirir terras na região com a expectativa de apropriação da renda fundiária. A partir da observação do mapa que segue, sobre o trecho da estrada de ferro criada na Primeira República, temos a dimensão de como se constitui a ocupação do meridional goiano.

203

LINHARES; SILVA, op. cit., 1999, p. 91.

204 BORGES, Barsanufo Gomides. Goiás nos quadros da economia nacional, 1930-1960. Goiânia: Editora UFG,

Fontes: CASTILHO, Denis. Estado e Rede de Transportes em Goiás-Brasil (1889-1950). In: Scripta Nova. Revista Electrónica de Geografía y Ciencias Sociales. Universidad de Barcelona. ISSN: 11389788. Vol. XVI, núm. 418 (67), 1 de noviembre de 2012. Disponível em: http://www.ub.edu/geocrit/sn/sn-418/sn-418-67.htm. Acessado em janeiro de 2018.

A ampliação da estrada de ferro para sul do estado intensificou o intercâmbio com a economia do sudeste, sobretudo o Triângulo Mineiro e São Paulo, que já se verificava desde o último quarto do século XIX, contribuindo para a valorização das terras. Contudo, a valorização e o interesse pelas terras não se restringiram às cidades beneficiadas com a chegada dos trilhos de ferro, mas em toda a região sul, além de impulsionar a ocupação do centro-sul do estado. De acordo com Estevam:

A ferrovia promove valorização das terras em municípios servidos pelos trilhos ou localizados próximos a eles. Em Anápolis – cidade situada, no início do século, bem além do término dos trilhos – o preço do alqueire de campo elevou-se de 2$500 para 15$000 e o preço da terra de mato sofreu incremento de 10$000 para 30$000 o alqueire. Em Ipameri, mais próxima dos trilhos na época, a valorização foi ainda mais forte: em 1915 vendeu-se o

alqueire de mata a 50$000. Com a passagem dos trilhos elevou-se em 1921 a 300$000205.

Já no norte goiano, o processo de privatização e valorização das terras ficou à margem desse desenvolvimento, pois a chegada dos trilhos estava longe de alcançar a região, mantendo, assim, pouco contato com a parte sul do estado.

Com base na análise sobre a condição das terras em Goiás na Primeira República, observa-se que esse período foi marcado pelo domínio inconteste do latifúndio, que era a base da economia agroexportadora. Segundo Ruy Moreira, neste modelo de acumulação a grande propriedade voltada para a exportação é o “meio de produção por excelência” e é a base que desenvolve uma classe dominante de natureza agrária, mas também mercantil. Assim, o padrão agromercantil de acumulação está intimamente relacionado com a pequena propriedade, pois é a partir do binômio latifúndio-minifúndio que ocorre a acumulação de capital. “As formas minifundistas competem a tarefa de garantir as condições de reprodução geral da força de trabalho a baixíssimos custos, liberando nisso o latifúndio para que ele possa dedicar-se à lavoura nobre”206.

Por estas características, o capitalismo brasileiro evoluiu até 1930 de maneira semelhante ao processo de subsunção formal clássica em que o padrão de acumulação cuja “esfera de circulação se apoia numa esfera da produção de natureza agrária, e essa esfera agrária de produção não se baseia na relação capital-trabalho”207.

205 ESTEVAM, Luís Antônio, op. cit., p. 68. 206

MOREIRA, Ruy. O Plano Nacional de Reforma Agrária em Questão. In: Revista Terra Livre. Nº 01, Ano 1. São Paulo: Associação dos Geógrafos Brasileiros, 1986, p. 9.

Capítulo 2

A marcha para o oeste e ocupação do setentrional goiano 1930/50: o

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