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A construção do caminho heurístico e as opções epistemológicas

QUESTÕES DE INVESTIGAÇÃO E METODOLOGIA GERAL

1. Q UESTÕES TEÓRICAS E EPISTEMOLÓGICAS

1.1. A construção do caminho heurístico e as opções epistemológicas

A primeira questão tem a ver com a construção do caminho heurístico da investigação, que não pode ser dissociado do percurso pessoal e profissional do investigador.

O caminho heurístico é feito de encontros e desencontros entre três percursos distintos que se cruzam e, por vezes, se sobrepõem.

O percurso pessoal, a que não são alheias as raízes insulares e uma opção pela carreira docente

O percurso profissional, marcado pela formação científica e por uma longa experiência nos quadros da Administração do Sistema.

Um percurso de natureza académica, iterativo e decorrente dos dois primeiros, que é vivido no processo de investigação e se traduziu na procura de respostas para as preocupações e interrogações sobre que atitudes ou procedimentos metodológicos adoptar, quando, por vezes, esses percursos se cruzam e o investigador se encontra na situação particular de sujeito epistémico e sujeito empírico.

A esta questão vêm juntar-se outras questões de ordem epistemológica a primeira das quais é a seguinte: Como tratar numa tese de Ciências da Educação, uma problemática tão

complexa, quando se dispõe de uma pluralidade teórica concorrencial?

Interessava-nos conhecer e compreender o desenvolvimento dos processos de autonomia e desconcentração/descentralização, a tipologia dos comportamentos institucionais dos actores políticos, apreender as tendências emergentes ou continuadas do modelo de regulação.

A História permite compreender e enquadrar os contextos sociais, políticos e porventura culturais; a História da Educação e da Administração Escolar dá a perspectiva e o sentido de evolução da organização administrativa, na sua relação com a evolução do conceito de Educação; diferentes campos sociológicos: sociologia das organizações; sociologia política; sociologia do trabalho fornecem quadros teóricos de compreensão das estruturas e da acção, do poder político e das questões do estado.

E não podíamos dissociar os aspectos das Ciências de Gestão e das Ciências Administrativas que habilitam a uma leitura empírica das mudanças estruturais e organizacionais, ou ainda numa perspectiva teórica mais ampla, não podíamos dispensar o contributo da Filosofia Política e do pensamento de autores clássicos e contemporâneos que aprofundam as questões do contrato social ou da participação e democracia política. (Hobbes, Loke, Rousseau, John Rawls, 1971; Mancur Olson, 1992; Chantal Mouffe, 1996 entre outros).

Embora a questão central da nossa investigação se circunscreva ao campo da Educação, ela não deixa de ser uma questão abrangente, na medida em que é comum à Administração Pública.

Por isso, poderia ainda ser enquadrada e situada no centro da controvérsia sobre a definição de um modelo organizacional da Administração na transição paradigmática da modernidade para a pós-modernidade, ou abordada na perspectiva das teorias da Administração, ou ainda na perspectiva das políticas públicas (Ver Yetzel Dror,1983; Lindblom,1959; Howlett, 1995 entre outros).

O dilema que a abordagem das questões de partida colocam, em termos teóricos, residiu, então, em equacionar a opção do campo disciplinar do seguinte modo: optar por uma abordagem perspectivada num quadro teórico mono-disciplinar, que, na opinião de Khoa (2000), mais tarde ou mais cedo conduz a uma reprodução de conhecimentos académicos; ou, partir de um pluralismo teórico que permitisse, pela intervenção de um conjunto de conceitos, desocultar o modelo explicativo, o sentido histórico, o modo e a designação dos factos e dos acontecimentos que constituem o nosso objecto de estudo.

Optámos por uma abordagem em que a procura do conhecimento não se constitui num só campo disciplinar, mas em redor de um tema que é tratado em várias disciplinas.

Partimos da asserção de Sousa Santos (1990:47) em “Um discurso sobre as Ciências” de que na fragmentação temática nas ciências pós modernas os temas são galerias por onde

os conhecimentos progridem ao encontro uns dos outros.

Mas esta primeira questão arrasta uma outra, que é a de definir, em primeiro lugar, que perspectivas teóricas escolher e, em segundo lugar, decidir qual o papel das teorias ou quadros teóricos escolhidos na investigação, para enquadrar teoricamente a nossa leitura.

Ora, tratando-se de matéria de mudança social, numa primeira fase, tomámos como ponto de partida uma perspectiva geral das macro-teorias de mudança social, optando por abordar as perspectivas socio-política e socio-económicas de gestão, procurando por esta via aquela que melhor respondesse à problemática da investigação.

A comparação entre os princípios gerais das duas perspectivas permitiu-nos concluir que ambas sustentam a emergência de um novo paradigma de regulação social (Giddens, 1994; Beck, 1998; Forrester, 1997, Drucker, 1995; Handy, 1994), sugerindo na “sociedade do conhecimento” a constituição de redes, em substituição do princípio da hierarquia.

Abandonámos a perspectiva de abordagem das Ciências de Gestão, porque, do ponto de vista teórico, a abordagem sociológica parece-nos mais fecunda para a compreensão do tema em estudo e aprofundámos o conceito geral de regulação social em autores da sociologia (Crozier, 1977; Friedberg, 1995; Reynaud, 1995), não deixando de clarificar este conceito pelo confronto com as abordagens que dele são feitas, nas teorias económicas (Boyer e Saillard,1995).

A esta fase de definição do enquadramento teórico do nosso estudo seguiu-se a fase de construção do modelo teórico de análise. Partindo dos pressupostos que fundamentam o conceito de regulação social, tal como é teorizado por Reynaud (1994) e articulando-o com as questões formuladas na problemática, assumimos como axioma que a participação social é a condição sine

qua non da regulação social e fizemos deste conceito um conceito nuclear na investigação.

Na presunção de um novo conceito de governabilidade, anteriormente definido, e na postura científica, assumida por vários autores (Beck, 1998; Giddens, 1994; Bauman, 1991), no que se refere ao conceito de ambivalência, utilizámos alguns conceitos operatórios entre os quais o de autonomia e de regulação e os axiomas da regulação social (Reynaud, 1994): a

autonomia dos actores e a racionalidade das regras, para considerar que a existência ou a

ausência das diferentes dimensões destes conceitos seriam indicadores da evidência de regulação social.

A certa altura do processo verificámos que se tornava necessário recorrer ao modelo de regulação weberiano, não só para validar, por oposição, os fenómenos emergentes de

mudança, mas também para confirmar a persistência de uma tendência pesada de pendor centralista que a análise evidenciava e que determinou a formulação das hipóteses de partida.

Colocámos como questões de partida as seguintes:

1ª Questão – Até que ponto os processos de autonomia e de descentralização determinam um modelo gerador de participação social? Como se caracteriza esse modelo?

2ª Questão – Em que medida os processos de descentralização e autonomia operam a

mudança de racionalidades, introduzindo um processo de formação social da regra (regulação social)? Que razões podem justificar as continuidades ou rupturas?

A resposta a estas questões de partida é orientada pelas seguintes hipóteses interpretativas:

1ª Hipótese – Nas políticas de Administração Escolar, o instrumento privilegiado da mudança da Administração Central é a desconcentração/descentralização de estruturas, funções e responsabilidades.

2ª Hipótese – A descentralização administrativa dos serviços centrais no Continente é um processo técnico de desconcentração de serviços.

3ª Hipótese – Os processos de descentralização são processos políticos que se concretizam nas Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira e na transferência de competências para as Autarquias Locais.

4ª Hipótese – A materialização institucional do princípio de participação corresponde à criação e institucionalização de estrutras formais de participação social.

O Conselho Nacional de Educação, o Conselho Nacional de Juventude, entre outros, são instituídos em espaços de participação e consulta regular e sistemática e configuram uma forma de regulação extra-escolar, onde o peso das iniciativas do Estado marca decisivamente a agenda política, sem inverter o sentido centralizado de formulação das políticas.

Estas hipóteses que a análise descritiva poderá confirmar ou infirmar, levam-nos a formular o seguinte quadro compreensivo de análise:

A – Existe um modelo invariante na regulação da administração do sistema escolar – o

modelo weberiano, que se caracteriza pelo sentido descendente das normas, pela estrutura hierárquica, pelo formalismo e pela racionalidade legal na formação das regras.

B – Os instrumentos estratégicos da mudança (desconcentração/descentralização, autonomia participação) não inverteram as variáveis fundamentais da tendência burocrática.

Essa inversão corresponderia à instituição de uma racionalidade social na formação da regra, à criação de um sistema de autoridade flexível e descentralizado em que os interesses individuais influenciam a acção, a um comportamento da Administração pautado por uma economia das regras e à prática de uma instrumentalidade informal.

C – Não obstante a alteração da filosofia do modelo, da morfologia estrutural e das pessoas, da instituição de espaços de regulação e de formas de decisão participada (negociação com os parceiros), as políticas são deduzidas a partir de quadros legais centralmente definidos (LBSE e leis ordinárias) sem que a tendência descendente se inverta partindo de baixo para cima.

D – As formas mutantes de participação surgem como expressões híbridas de descompressão do modelo ou excepções singulares, que confirmando a tendência pesada, se concretizam em processo de concertação.

A partir deste quadro compreensivo avançamos algumas hipóteses explicativas que se fundamentam em razões objectivas da concepção e implementação do modelo que iremos tratar no trabalho de investigação.

Hipóteses explicativas que parecem estar na base da concepção e implementação do modelo:

1ª Hipótese – Pensar-se que, se se mudarem o modelo, as estruturas e as pessoas, as práticas também se mudam.

Ora, para mudar o habitus (Bourdieu 1994) é preciso mudar a matriz cultural.

2ª Hipótese – Definir modelos de organização, assentes no princípio da autoridade, aferindo a responsabilidade pela conformidade e obediência à regra.

Ora, a autonomia e a repartição de poder implicam uma lógica de responsabilidade por resultados, dentro de regras de jogo legalmente definidas.

3.ª Hipótese – Não curar da importância das tecnologias da comunicação, como um factor determinante no contexto da sociedade de informação, incorporando essa variável na relação de funcionamento, entre os serviços, para simplificar circuitos e processos pesados.

Hipóteses explicativas de natureza política e histórico-cultural que poderão ter condicionado o processo:

1ª Hipótese – Pensar-se que era possível avançar com os processos de descentralização no Continente, tratando-se de processos que se integram num projecto político nacional que não é pacífico na sociedade portuguesa e quando não estão ainda criadas as Regiões Administrativas.

2ª Hipótese – Definir-se, ao nível do centro, a matriz do modelo de descentralização da Administração da Educação, através de um acordo entre partidos políticos na Assembleia da República com audição da sociedade civil, mas sem constituir iniciativa dos principais intervenientes no processo educativo.

3ª Hipótese – A ausência de tradição de participação na sociedade portuguesa e a fragilidade da sociedade civil (teses de Sousa Santos e Mattoso a que já nos referimos no Capítulo II), associada a longos anos de regulação das organizações educativas num contexto histórico não democrático.

4ª Hipótese – Tratar-se de uma problemática mais vasta e não resolvida que é objecto de preocupação de políticos, gestores e cientistas sociais de várias áreas disciplinares, a qual consiste no facto das burocracias modernas funcionarem, na era da informação, segundo uma matriz cultural e organizacional definida para a sociedade industrial.

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