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AS REFORMAS DA ADMINISTRAÇÃO DA 2.ª METADE DO SÉC

J URÍDICA * S ECRETARIA G ERAL * MINISTRO

Fonte: Secretaria Geral do ME e legislação que esteve na base da estrutura orgânica12

* Órgãos de concepção coordenação e apoio

a) Serviços executivos no Sector da Ciência e Cultura b) Serviços executivos no Sector da Juventude e Desporto c) Serviços executivos no Sector do Ensino.

Esta reforma introduziu duas mudanças estruturais profundas: a primeira reorganizou, de acordo com novas lógicas, as atribuições e competências segundo princípios de separação de matérias e separação de funções, ou seja, a organização dos órgãos e serviços permanentes da administração passou a ser feita em razão da matéria, separando os aspectos de administração dos aspectos pedagógicos e a segunda distingue entre órgãos de concepção e serviços executivos.

Na avaliação dos reformadores, a estruturação em ramos de ensino fechados, a acumulação de todos os meios de acção nas mãos dos chefes administrativos mais elevados,

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Decretos-lei n.º 408/71 ; 201/72; 485/73; 44/73; 45/73; 47/73 leis orgânicas do Ministério da Educação Nacional, Secretaria Geral, Gabinete de Estudos e Planeamento, Direcção Geral do Ensino Básico, Direcção- Geral da Administração Escolar, da Inspecção do Ensino Particular respectivamente.

consagrada nos modelos anteriores era, do ponto de vista pedagógico, um defeito capital e por isso reorganizaram-se os serviços, individualizando as direcções gerais, consoante a natureza administrativa ou pedagógica da sua actividade.

A segunda mudança consistiu na diferenciação entre órgãos de concepção e serviços executivos. Procurou conferir maior operacionalidade aos serviços e superar a estrutura puramente vertical que caracterizava os modelos anteriores, ao adoptar uma organização tendencialmente horizontalizada que permitia a coordenação e a comunicação entre serviços.

Os órgãos de concepção (Junta Nacional de Educação, Gabinete de Estudos e Planeamento, Conselho de Directores Gerais e Secretaria Geral, a tecno-estrutura no conceito de Mintzberg, 1994: 225) correspondiam à visão política de uma administração que, na linguagem oficial, era referida pela expressão “comprometida no desenvolvimento” para poder responder a novas solicitações que o projecto de reforma do sistema escolar em preparação fazia prever.

Desta forma a administração central que, no período anterior, fora concebida como uma estrutura fechada, segmentada, permitindo apenas a organização vertical de cada serviço através da cadeia hierárquica com o Ministro, reestruturou-se, criando para o efeito um órgão superior de coordenação - o conselho de directores gerais - de molde a estabelecer relações horizontais ao nível das chefias de topo (cimo estratégico na terminologia de Mintzberg)13.

Como linhas gerais de orientação visava-se, como refere de forma explícita a própria lei (D.L. n.º 408/71), a passagem de uma administração clássica burocrática a uma

administração moderna de desenvolvimento; o reforço de órgãos de concepção e de decisão

dos quais dependia a elaboração e a execução da política educativa, a capacidade de resposta, perante a taxa de crescimento e dos investimentos na Educação, a imperiosidade de acompanhar a evolução cultural pedagógica, científica e tecnológica e ainda a operacionalização de um conceito de educação permanente.

Vista na perspectiva política, esta reforma da administração reflecte e é consequência das correntes de pensamento desenvolvimentista da época que encarava a educação como factor transformador da sociedade.

Vários autores referem o desenvolvimento nacional que se iniciara em finais dos anos 60 como um processo de modernização associado ao crescimento económico. Stoer (1982:75),

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O conselho de directores gerais (CDG) é um órgão de coordenação que coadjuva o ministro na harmonização e conjugação das actividades dos diversos órgãos e serviços do ME (artº 7º nº 1 DL. n.º 408/71). Deste modo, os directores gerais preparam a decisão, discutem em conjunto. O ministro decide e depois cada um ocupa-se dos trabalhos de execução.

refere mesmo que o ensino se encontrou investido numa nova função – contribuir para o crescimento económico e outros (Barata e Ambrósio, 1988; Grácio,1995: 462) tipificam-no, como referido a um suporte tecnológico, e questionam os seus limites e contradições à luz de princípios ideológicos sociais, culturais e das exigências tecnológicas do ensino

Acreditava-se nas reformas da Educação, concebidas e planeadas pelo poder político como instrumentos decisivos para vencer o que então se chamava a “batalha da educação” no pressuposto de que a democratização do ensino conduziria à democracia social.

Esta ideia de modernização foi posta em acção numa perspectiva iluminista e tecnocrática, na medida em que as políticas educativas eram analisadas como um conjunto de Objectivos, Orientações, Normas e Programas de Acção formuladas à luz das exigências macro-económicas do País, das orientações legislativas, de equilíbrios económicos e financeiros, com base em estudos técnico-políticos como refere Ambrósio, T. (1994:11).

Em nosso entender, a orientação adoptada justifica o facto da reforma apostar numa administração forte, centralizada e empenhada, e que tenha actuado apenas ao nível da administração central, ignorando a escola como um serviço executor e último elo da cadeia de administração.

É que não se registam alterações nos órgãos de administração da escola nem se refere a necessidade de introduzir nesta qualquer reorganização, ainda que pontual14, para acompanhar a reestrutração da administração central e a Reforma da Educação.

A atenção centra-se na criação de condições físicas (estruturas e organização) e humanas (perfis funcionais com a criação de novas categorias profissionais, como por exemplo, a de técnico da educação) para levar a cabo a Reforma da Educação mais tarde publicada, como justifica e invoca a fundamentação da lei:

“ A estrutura proposta foi concebida com referência aos aspectos fundamentais do novo sistema escolar anunciado ao país, mas procurou-se que a nova orgânica fosse apta a servir de infra estrutura, não apenas ao sistema vigente ou ao previsível a curto prazo mas também às modificações que inevitavelmente e com maior ou menor profundidade lhe virão a ser introduzidas…

… É pois necessária esta alteração de estruturas, mas não é suficiente.

Para atingir os objectivos pretendidos exige a adopção de providências paralelas ou sucessivas, entre as quais a preparação de quadros e a organização de carreiras, a

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O diploma orgânico (DL. 408/71) limita-se a publicar em lista anexa uma relação dos estabelecimentos de ensino.

racionalização do trabalho e a renovação de métodos de acção e ainda, a adaptação de toda a existente disciplina legal e regulamentar.” (Preâmbulo do DL 408/71, de 27 de Setembro).

Não obstante uma expressa declaração de princípios (aliás consonante e decorrente da reforma administrativa global que o governo de Marcello Caetano se propunha realizar), que rejeitava a administração clássica burocrática, e, sem prejuízo de voltarmos a este assunto mais tarde, pode dizer-se numa primeira análise que nesta reforma os princípios estruturais da organização burocrática, segundo o modelo weberiano, não se alteraram. Pelo contrário consolidaram-se.

Estamos a referir-nos ao princípio de ordenação das regras, patente nas novas atribuições e estrutura geral, à delimitação precisa das competências, à estrutura hierárquica, ao processo de nomeação dos dirigentes, à relação contratual dos membros da organização, ao processo de recrutamento e selecção de pessoal segundo a qualificação profissional e ao acesso à carreira, entre outros, claramente presentes no articulado do diploma orgânico (DL n.º 408/71) em análise.

É certo que esta reforma procurou minimizar o problema generalizado na administração pública de oneração das tarefas dos governantes que, isolados no topo, tinham a responsabilidade da decisão, orientação e arbitragem, adoptando, pela primeira vez na Educação, a delegação de competências nos directores gerais.

Mas o modus decidendi, assente na longa cadeia de informações e pareceres, partindo da base para o topo, segundo o modelo clássico de pirâmide hierárquica, manteve-se constante.

Há um sistema de autoridade formal de fluxos regulados no sistema de tomada de decisão que se traduz numa descentralização vertical de competências (Mintzberg, 1994), do ministro para os directores gerais, para efeitos funcionais.

As opções básicas da reforma foram no sentido da administração se preparar para responder a uma taxa de crescimento dos investimentos, determinada pela pressão quantitativa de procura do ensino, em resultado da procura social das classes médias em ascensão, da democratização do ensino e em consequência do aumento de dois anos de escolaridade obrigatória.

Tal como as reformas pontuais que a precederam, esta reforma visou a eficiência interna e externa da administração, mas adoptou uma estrutura organizacional empresarial15 e burocrática para responder rapidamente às necessidades e condições locais.

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Utilizamos esta expressão por analogia com o sentido que lhe dá Mintzberg (1994:225). Esta mudança significa a passagem de uma estrutura artesanal (um só grupo com uma divisão de trabalho natural baseada na capacidade de desempenho) para uma estrutura empresarial com uma divisão vertical do trabalho, fundada numa nova organização para promover uma nova filosofia política.

De entre as inovações estruturais mais relevantes desta reforma está a criação, pela primeira vez, de estruturas de planeamento, embora estas representem ainda a tradução de um conceito de planeamento muito ligado à função de preparar instrumentos de decisão ou medidas de execução das políticas16.

Em conclusão, sob o ponto de vista estrutural, esta reforma constituiu uma ruptura no modelo tradicional de Administração. Integrada no movimento de modernização, ditado pelo contexto político da época, consagrou o modelo weberiano, acentuando as suas características dominantes na lógica de funcionamento da administração central.

Perante este resultado, somos levados a interrogar-nos sobre as razões que podem justificar o paradoxo de um discurso político que afirma como objectivo passar de uma administração clássica e burocrática para uma administração moderna e de desenvolvimento e a concepção de um modelo de acordo com o ideal tipo burocrático.

Depreendemos da leitura do diploma e da interpretação que nele se faz do diagnóstico do funcionamento da máquina que o conceito de burocracia subjacente diz respeito a serviços burocratizados com rotinas que se perpetuam, referindo-se à acomodação burocrática como uma espécie de lei natural … a quem lida na função pública, exigindo a simplificação e racionalização dos serviços.

Por isso, para eliminar a rotina e introduzir a renovação de funções e serviços, a reforma adoptou como solução na reestruturação de quadros, a criação de novas carreiras com perfil adequado (técnicos superiores).

Para obviar à acomodação burocrática, o diploma previu que as nomeações das chefias superiores deixassem de ser vitalícias e passassem a regime de comissão de serviço por três anos. A delegação de competências nos directores gerais e a consequente possibilidade de subdelegação é a medida política encontrada para fazer face à excessiva concentração de competências na equipa governativa e a horizontalização dos serviços permite, de certo modo, gerir de forma mais autónoma os aspectos da acção educativa.

Mas não obstante se preconizar, como princípios orientadores a simplificação, a racionalização, a mecanização do trabalho administrativo, a desconcentração racional e a redução de pessoal (professores em regime de destacamento a exercer funções na administração central), foram

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Trata-se de um planeamento definido ex ante no programa de governo, nas grandes opções do plano ou até em diplomas do Ministério da Educação, conforme se lê no Ponto 3 do preâmbulo do DL. Nº408/71: “A par

dos textos constitucionais e de carácter programático foi considerado neste domínio o III Plano de Fomento (Cap.X Educação e Investigação) com os seus programas de execução anual – textos que formulam a política educativa do Governo, embora não constituam o único estudo de que se carece na definição de tal política.”

introduzidas paralela e paradoxalmente outras medidas que reforçaram e contribuíram para o aperfeiçoamento do modelo burocrático que se pretendia combater.

Estão neste caso: a divisão do trabalho, no interior das diferentes direcções gerais e a distribuição de deveres oficiais por um certo número de serviços; a especialização, ao nível dos serviços e do pessoal; a formalização de comportamentos, regras, procedimentos e instruções; a hierarquia de autoridade e a cadeia de comando; a comunicação regulada e padronizada do processo de trabalho – características do modelo weberiano.

Podemos questionar-nos se se deve esta aparente contradição entre o objectivo definido e o procedimento adoptado ao princípio organizativo de centralização.

Entendemos, no entanto, que a questão não pode colocar-se nestes termos, porquanto na realidade a centralização não aparece entre as características da burocracia enunciadas por Max Weber.

Segundo a interpretação de Mintzberg (1994), o que parece deduzir-se como fio condutor da descrição de Weber é que uma estrutura é burocrática (centralizada ou não) se o seu comportamento é pré-determinado e previsível, isto é, seguindo padrões.

Aliás, a questão de saber se Weber concebia a burocracia como centralizada ou descentralizada fez a sua época na literatura. Sobre ela, neste contexto, é suficiente dizer que já, em 1972, Child num estudo sobre organização, estrutura e estratégias de controlo feito a partir de uma amostra homogénea de organizações, demonstrara uma relação negativa mais forte entre centralização e estruturação de actividades, concluindo numa réplica ao estudo de Aston que existe um tipo ideal de burocracia que é descentralizado17.

Ora, nesta reforma, o que está em causa é que o sistema de distribuição de poder, a centralização e a hierarquização verticais, o sentido de comunicação descendente do topo para a base são perspectivados como traços positivos da estrutura para conseguir a eficácia e a eficiência.

O propósito de distinguir entre administração clássica burocrática e a administração moderna, que o diploma menciona como objectivo, parece de resto corresponder à tese weberiana que estabelece uma relação dogmática entre modernidade e organização, argumentando que aquela só poderá ser alcançada através desta (Clegg, Stuart, 1998: 29).

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Child (1972), Organization, Structure and Stratagies Control: a replication of Aston Study. In Administrative

É por isso que pensamos que o discurso anti-burocrático desta reestrutração não assentava num conceito político e sociológico de burocracia. mas num conceito administrativo de burocracia, dando lugar a esta aparente contradição18.

Tratava-se de um conceito de burocracia com origem no senso comum, isto é, entendida como uma patologia do sistema e identificada apenas pelos seus disfuncionamentos ou degenerescências funcionais, não se questionando a essência dos princípios definidos no ideal-tipo de Weber.

O objectivo, expresso no diploma, referia que a reestruturação orgânica (de 1971) não era mais do que a transformação do ME numa organização, segundo uma concepção unitária, numa infra estrutura do sistema, num veículo da reforma e instrumento dúctil e

operante,” parece, aliás, vir de encontro a esta interpretação.

O princípio da centralização adequa-se, neste caso, a uma administração preocupada consigo própria e que, apesar de reconhecer que o êxito da reforma depende, entre outros aspectos, que a propósito identifica19, da participação activa dos interessados e do dinamismo dos responsáveis, não prevê no articulado do texto qualquer mecanismo de participação.

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Referimo-nos ao conceito de burocracia definido pelos sociólogos da burocracia (Weber e os seus críticos: Merton, A. Gouldner, Selznick, Crozier). Este último, sobretudo, pela contribuição nova que veio acrescentar à velha controvérsia sobre burocracia e o funcionamento das grandes organizações com a publicação do Fenómeno Burocrático (1963).

O conceito de burocracia não obstante ter entrado no domínio comum da Sociologia Política, da Teoria da História e da opinião pública permanece ainda hoje de certa forma uma ambiguidade entre definições de burocracia como sistema de “ligações” e de transmissões e burocracia definida em termos de poder.

É que o termo burocracia tanto nos pode remeter para os problemas de uma administração cuja racionalidade é valorizada (tese de Max Weber sobre as vantagens técnicas das organizações burocráticas), como pode ser desvalorizado, associado a fenómenos de poder, do seu controlo e da sua legitimidade, servindo para denunciar a deslocação de objectivos como a concentração de poder nas mãos da burocracia e dos burocratas, a tendência para a burocracia das diferentes organizações sociais e a diminuição de participação voluntária nessas organizações.

Sob o ponto de vista social, a burocracia é desvalorizada e considerada como uma patologia, aspecto em que a investigação cientifica não veio trazer qualquer modificação fundamental.

Ora, esta qualificação negativa de burocracia como uma doença do organismo social supõe a existência de uma norma de saúde, que é uma norma de funcionamento democrático das organizações, norma quase biológica de saúde do corpo social, ou norma política de participação de todos nas decisões. (Lapassade, 1976:21) e que está ausente no diploma.

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São identificados no diploma a necessidade de alterar os quadros e o perfil funcional de serviços e funcionários, de alterar o processo de nomeação de Directores Gerais e a sua forma de provimento, de dar formação aos novos quadros.

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