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Debate público e decisão política nas democracias avançadas

TENDÊNCIAS EVOLUTIVAS DAS SOCIEDADES CONTEMPORÂNEAS

3. C ONTEXTO POLÍTICO E SOCIAL : TRANSFORMAÇÕES INSTITUCIONAIS E REINVENÇÃO DO POLÍTICO

3.5. Debate público e decisão política nas democracias avançadas

Os efeitos secundários do desenvolvimento da ciência transformaram-se em problemas sociais, uma vez que já não são vistos como um problema a que a ciência só por si possa dar uma resposta. Assim, ao transformarem-se em problemas sociais, já não podem ser tratados como problemas de ordem (não é possível hierarquizá-los, isolá-los), mas como problemas de risco.

Ora, os problemas de risco distinguem-se por não terem soluções claras. Diferenciam-se por uma notável ambivalência (Bauman, 1992; Beck, 1994).

É esta ambivalência que faz a distinção entre os problemas de risco e os de ordem que, por definição, estão orientados para a clareza e decidibilidade26.

Esta situação de ambivalência e de falta de clareza na capacidade técnica de decidir/governar revela-se também na dimensão política.

Alguns problemas políticos que hoje se colocam como a despenalização do aborto, as questões ecológicas etc., introduziram na vida política este fenómeno de ambivalência e de falta de clareza.

As formas de envolvimento político parecem já não seguir de forma clara o tradicional posicionamento de direita e de esquerda.

São as causas e os problemas que tendem a mobilizar os indivíduos e a determinar o seu alinhamento pessoal e individual e não a obediência a princípios ideológico-partidários.

Os conflitos e os jogos de poder desencadeiam-se com instrumentos e em palcos que pertencem a duas épocas: a época da clareza e a da ambivalência.

E, se o político vai perdendo importância nas instituições e sedes próprias (parlamento, partidos políticos, organizações sindicais, etc.), assiste-se, por outro lado, ao seu aparecimento em domínios que até agora o ignoravam.

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A instalação de uma central nuclear ou de uma incineradora, por exemplo, não é hoje uma questão do forum científico ou político-científico, isto é, apenas com a participação na decisão de peritos, administradores e políticos, analisando e ponderando soluções com o rigor técnico cientifico e conciliando a ciência com o interesse e o bem comum, porque as populações, tendo perdido a confiança na segurança cientifica e tendo-se consciencializado da noção de risco, podem invocar, em nome dos seus direitos, razões igualmente válidas no processo de decisão. Aliás, este fenómeno já é visível em Portugal. Recorde-se a polémica instaurada em torno da instalação de incineradoras de resíduos tóxicos na Região Centro (Souselas).

Basta referir a título exemplificativo que os problemas de segurança entraram na agenda política pela acção organizada do cidadão e não porque o governo, os partidos políticos ou o parlamento o integrassem nos seus projectos ou tomassem a iniciativa política do debate.

Neste quadro de transformação político-social das instituições, as de natureza científica, concebidas para dar respostas aos problemas, perante um quadro de certeza científica, de previsibilidade económica e social, vêem-se compelidas, pela necessidade, a construir consensos entre a ciência, a indústria, a política e a população.

Os modelos de organização do Estado e das instituições, como instrumento da sua acção na condução das políticas, tornam-se inoperantes na sua racionalidade instrumental, na medida em que se enfraquecem os seus fundamentos e programas e se tornam mais dependentes dos indivíduos.

Os indivíduos retomam o seu papel de actores sociais, participando activamente na construção de projectos colectivos sociais.

Não se trata já apenas de legitimar a acção do governo, manifestando o seu acordo a projectos que lhe são propostos.

Trata-se de um envolvimento na sua própria formulação e na construção das respostas aos problemas.

À política, construída pela iniciativa da classe política, vem juntar-se uma outra e nova forma de construção política que parte das bases. Aos conceitos de autoridade, eficácia e certeza vêm juntar-se as noções de participação, negociação e consenso.

Perante estas novas formas de agir na sociedade, as instituições são compelidas a reorientar o seu quadro de actuação e a redefinir objectivos e finalidades, face à perda de monopólio decisional.

Confrontam-se, perplexas, com a inoperância da sua instrumentalidade racional que correspondia a uma forma de regulação com uma racionalidade burocrática e ainda não inventaram os instrumentos de uma nova racionalidade.

Sabem, como a este propósito refere Beck (1994), que têm que inventar tudo. Não sabem como, nem com quem vão ou não vão inventar.

Este quadro, inicialmente criado a partir de questões de sobrevivência, tende a alastrar- se um pouco por toda a parte e em todos os campos políticos. No campo da Educação também se assiste a uma situação de ambivalência que não deriva, em nossa opinião, tanto de uma praxeologia emergente por pressão individual ou local sobre as instituições, mas da aplicação de um quadro conceptual político que reconhece parceiros e convoca os cidadãos a participar nas decisões políticas, que, oportunamente, abordaremos.

Ora, o facto das políticas sociais e educativas estarem condicionadas por este processo de transformação dos poderes do Estado e das instituições e pela rigidez das estruturas de suporte aos velhos paradigmas decisionais, faz sentir a necessidade da reinvenção do político (Mouffe, 1996; Osborne; Gaebler, 1994; Handy, 1994) e de encontrar respostas adequadas, através de reformas dos sistemas de administração pública e educativa, lançadas em vários países e em vários continentes.

São estes os pressupostos gerais que orientam e fundamentam a nossa investigação, no enquadramento das mudanças institucionais que emergem em Portugal no campo da Educação, a partir de finais dos anos 80.

4. PERSPECTIVAS ANALÍTICAS NA INVESTIGAÇÃO EDUCATIVA:

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