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O PARADIGMA DE REGULAÇÃO SOCIAL : ASPECTOS DE RENOVAÇÃO E INOVAÇÃO

AS TEORIAS DE REGULAÇÃO SOCIAL

6. O PARADIGMA DE REGULAÇÃO SOCIAL : ASPECTOS DE RENOVAÇÃO E INOVAÇÃO

Apresentámos os principais conceitos e noções básicas que dão fundamento ao esquema conceptual da teoria da regulação social, tornando explícita a forma como actor social, regra

e regulação se formam e transformam, o modo como se articulam entre si, as vias de

interacção ou relação que estabelecem no sistema ou com outros sistemas.

Definimos os conceitos, dando relevo ao aspecto de concurso e concorrência de regulações, referindo princípios de acção propostos para a análise dos comportamentos individuais e colectivos (a lei, a regra ou a regulação): o princípio de limitação, o princípio de negociação e a comunidade de valores ou de representações traduzidas num princípio de rotina.

Ao desenvolver e expor ideias e posições conceptuais de Reynaud, fomos estabelecendo comparações e relacionamentos, pondo em evidência pontos de convergência e divergência com outras posições defendidas por autores da sociologia clássica e contemporânea.

Referimos e confrontámos as teses de Durkheim (1964) e Parsons (1955) a propósito de sistema social, sistemas de regras, constrangimento social, legitimidade e anomia entre outros.

Assinalámos os contributos de Mancur Olson (1994) sobre as condições de acção colectiva e de Dunlop (1958) sobre a concepção teórica do sistema de relações profissionais. Enquadrámos postulados e axiomas na filosofia contratual de Hobbes e Rousseau para fundamentar a necessidade da regra.

Anotámos a convergência de pensamento assumida de forma expressa por Reynaud sobre actor social, acção colectiva, regra e poder com autores como Crozier e Friedberg 1977) e não deixámos de aludir às divergências teóricas principais, com o pensamento de regulação económica de autores como Boyer; Saillard (1995) e Favereau (1994), estabelecendo o confronto entre objectivos, princípios e conceitos, para clarificar os equívocos que a

proximidade de linguagens entre as duas perspectivas teóricas tem suscitado.

Situámos ainda a teoria da regulação social no campo da sociologia e na corrente sociológica do individualismo metodológico14 e mencionámos as ligações estreitas que estabelece com outras áreas disciplinares designadamente, a sociologia das organizações, a economia, o direito, a sociologia política.

Da reflexão que fizemos sobre o percurso de construção conceptual da teoria da regulação social, concluímos que, embora a abordagem se centre no estudo sectorial das relações profissionais e no domínio do trabalho, adquire um nível de abstracção que a transpõe para uma nova forma de sociologia da acção.

Essa transposição resulta das ligações pluridisciplinares que estabelece, da posição de fronteira que ocupa no quadro das ciências sociais, da centralidade dos princípios de acção colectiva e de negociação que defende e do modo como define o actor social e a sua autonomia.

De uma forma simplificada (ao deixar de referir a complexidade que não pode ser ignorada), podemos dizer que a regulação social é um processo que visa manter uma ordem, não pela imposição de princípios e dados a priori, mas por um processo de construção social, utilizando como instrumento a negociação.

Com efeito, neste conceito de regulação social é preciso inventar a ordem, impô-la, fazê- la aceitar. Sublinhámos como a negociação descobre ou inventa os pontos de convergência e as expectativas mútuas na regulação conjunta e referimos também a propósito como o

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O individualismo metodológico interroga-se sobre o comportamento real dos actores, considerando que os papéis não são normas constrangedoras, mas possibilidades oferecidas aos actores de as utilizar.

Contrariando a orientação, estritamente funcionalista, que considera os papéis definidos como tal pelo sistema e como rigorosamente impostos aos indivíduos em que as exigências funcionais os limitam e constrangem, deixando-lhe uma margem de autonomia reduzida, os papéis não são rigorosamente definidos, as normas são muitas vezes contraditórias e cada um joga os vários papéis sociais.

Este aspecto faz com que uma dimensão estratégica e uma margem de autonomia seja garantida ao actor. O que o individualismo metodológico preconiza é que se examine como é que os actores assumem esses papéis e arbitram os subpapéis que lhes são propostos e com que consequências de ordem geral.

É o que Reynaud faz no modelo de regulação autónoma, de controlo e conjunta.

Não faz o inventário de papéis, nem parte da interacção de papéis. O que interessa para este autor é a interacção dos protagonistas ou dos actores.

Na linha de abordagem individualista não são descritos os funcionamentos e os disfuncionamentos do sistema, mas o que se propõe é procurar compreender como se compõem os comportamentos, as expectativas e as aspirações dos actores.

processo de regulação é um processo cumulativo que se faz através duma aprendizagem que é colectiva e permanente.

O novo quadro teórico surge assim como uma renovação da problemática da regulação, servindo-se, por um lado, da reflexão crítica e por vezes dialéctica de corpos teóricos estabelecidos e, por outro lado, utilizando a interrogação sistemática dos problemas da realidade posta em relação com um sistema próprio de questões teóricas e práticas15.

Quando adopta a dialéctica o campo de pertinência situa-se ao nível pré-teórico dos problemas. A dialéctica não explica nem dá o esquema de interpretação, o que ela faz é preparar os quadros de explicação.

O pensamento dialéctico é utilizado na análise do conceito de sistema social de Durkheim, ou para esclarecer e resolver a dificuldade colocada com a existência de uma consciência colectiva ou as condições de acção colectiva, na perspectiva de Mancur Olson. O autor procede da mesma forma no que se refere à problemática parsoniana de sistema.

Ora, na teorização de Reynaud (1988), as regulações não são funções. A regulação autónoma não é uma função de integração, e a regulação de controlo não é uma função política, nem as regulações podem deduzir-se das exigências ou das condições de possibilidade do sistema. São, como dissemos, actividades finalizadas dos actores.

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Na primeira situação cabem dois procedimentos: a) A reflexão crítica para confirmar ou infirmar a relatividade e a insuficiência de alguns conceitos ou formulações teóricas; b) A dialéctica como processo epistemológico crítico essencial para uma formulação teórica oposta.

Assim, por complementaridade as insuficiências que, do ponto de vista de Reynaud existem na análise estratégica, são supridas com a adopção de perspectivas teóricas. Refira-se o exemplo de Sainsaulieu

nomeadamente no que se refere à importância do factor cultural nas relações profissionais e nas decisões ou

por integração integral de conceitos de outros autores como é o caso da teoria dos sistemas de relações profissionais de Dunlop (1958).

CO N C L U S Ã O

O aspecto de renovação da problemática da regulação surge de forma ainda mais clara na comparação estabelecida com o paradigma dominante de regulação burocrática construído por Weber. Abrimos aqui um parêntesis para sublinhar a expressão modelo construído, porque é importante esclarecer que o modelo de regulação burocrática e o modelo de regulação social são dois modelos diferentes na sua génese.

Weber construiu um modelo ideal para generalizar. Não teorizou uma generalização por indução a partir das administrações existentes. As diferentes administrações de um serviço público, no modelo weberiano são variantes de um modelo comum. Na sua estrutura, nas regras que as regem há uma semelhança ou uma convergência para um ideal - o da Burocracia, tal como Weber a define16.

O modelo de regulação social, contrariamente considera que cada organização é um sistema social próprio e autónomo com uma identidade construída em resultado de processos de regulação.

Confrontando as duas teses, a tese de Weber (1964) defende que o Estado deve esforçar- se por realizar um sistema social organizado e coerente, criando uma regulação cerrada que tende a ser centralizada, secundarizando ou mesmo ignorando outras regulações. A ordem burocrática é necessariamente uma pirâmide hierárquica.

É uma ordem que aplica princípios e por isso cada caso que regula é um precedente. Pelo facto de procurar as melhores soluções cria competências e tem necessidade delas. Fundada sobre a regra e o precedente, porque fundada numa legitimidade legal-racional, a organização acumula as competências, reunindo-as num aparelho hierárquico.

A centralização e a dependência crescente do indivíduo são consequências do desenvolvimento da máquina, isto é, da sua eficácia. O conhecimento das regras é indispensável a toda a burocracia e a especificidade das regras é a sua forma jurídica.

Em suma, na expressão de Reynaud (1994: 178), o postulado da hierarquia faz da burocracia uma máquina disciplinada; o postulado da competência faz da burocracia uma máquina poderosa e os dois justificam a tese da eficácia superior do modelo, cujo segredo está na regulação de controlo centralizada e racionalizada.

Ora, a tese de Reynaud postula que as regulações do Estado são regulações de controlo mas que não suprimem as outras regulações nem as dispensam, admitindo que a

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Aliás a burocracia em si não existe. Existe um movimento para a burocratização.

centralização tende a tornar as regulações menos eficazes e menos sólidas e a gerar círculos viciosos burocráticos, conduzindo o excesso de regulação à anomia.

“Dire que l’État moderne doit être un État modeste, c’est bien évidemment une

prescription et même un engagement dans la vie politique elle-même. Face aux problèmes de la régulation de l’activité économique, de la Sécurité sociale, de l’ Éducation nationale et de la Recherche, c’est bien proposer des solutions et prendre position dans un débat. Les réponses appartiennent au débat politique.

Mais nous voudrions soutenir … que la tendance vers un État plus modeste, si elle est bien un choix, une orientation de préférences et des actions des individus et des groupes, n’est pas un choix partisan. Bien plutôt, il est la conséquence de la longue exéerience de l’ État moderne, et tout particulièrement de ses transformations depuis la Seconde Guerre mondiale (Reynaud, 1994:219).

Admitindo, pelas razões acima transcritas, o conceito de estado modesto e as posições

críticas ao modelo weberiano, Reynaud sustenta a tese de que para dar conta dos factos é preciso considerar as regras sociais como o produto de uma actividade de regulação, atribuir essa regulação a actores e compreender os efeitos e a dinâmica pelo concurso de regulações.

O tipo ideal, desenhado por Weber como modelo a generalizar, fragiliza-se neste ponto, uma vez que a investigação mostrou que não há necessidade de ligar regulação e hierarquia. O modelo de regulação social ao admitir teoricamente que numa actividade há uma pluralidade de racionalidades (tantas quantos os actores diferenciados no sistema e tantos quantos os objectivos da actividade) que não são estáveis, porque a vida social é criação de regras e de inovação, permite uma nova abordagem das organizações e modelos de regulação.

Quando Reynaud transpõe a aplicação desta teorização para o plano da análise institucional, conclui que o Estado Moderno cria cada vez mais uma regulação de controlo, cada vez mais centralizada, tornando secundárias as outras fontes de regulação e as outras fontes de acção colectiva.

Junta-se às perspectivas teóricas de Crozier, Giddens e Beck com as quais mantém uma afinidade crítica no que se refere ao paradigma organizacional do Estado Moderno, à relevância atribuída à autonomia, ao local e ao facto de se interrogar sobre se a burocracia administrativa, que é essencialmente uma organização que aplica as regras, não reduz a ordem social à ordem jurídica.

Desta forma, o esquema conceptual que desenvolve, tipificando as regulações, o seu

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funcionamento e limites pode constituir um instrumento de análise para a compreensão da regulação das políticas de Educação.

O trabalho empírico que seguidamente apresentaremos será lido e compreendido à luz deste enquadramento teórico.

II PARTE

CENTRALIZAÇÃO/DESCENTRALIZAÇÃO

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