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TENDÊNCIAS EVOLUTIVAS DAS SOCIEDADES CONTEMPORÂNEAS

1. C ONTEXTO GERAL DAS SOCIEDADES CONTEMPORÂNEAS

Nos anos 80, os sociólogos fizeram da pós-modernidade o tema das suas análises2 e instalou-se a controvérsia entre alguns, sobre se as alterações que marcam as sociedades contemporâneas correspondem ao aparecimento de uma nova era (Vivianne Forrester, 19983), ou se, pelo contrário, se trata apenas de uma outra fase da modernidade (Giddens, 1996; Touraine, 1995; Beck, 1994).

As análises e teses, argumentadas por uns e outros, sobre esta questão têm como fundamento uma nova realidade social que decorre do facto da revolução industrial ocorrida até à segunda metade do século XX, com base na qual o paradigma da sociedade industrial se formou, ter sido ultrapassada por uma outra revolução tecnológica – a revolução digital,

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Como observa Herpin (1997), a este propósito, basta enunciar o número de publicações sobre esta temática: Revistas (Sociological Review, Praxis International; Theory and Society, e Sociology, Theory Culture &

Society, colecções académicas Sage Publications, textos escritos por Barry Smart, Scott Lash, Bryan Turner,

David Harvey, Stephen Crook, Jan Pakulski e Malcolm Waters, Colin Campbell e Zygmunt Bauman fizeram dialogar os filósofos pós-estruturalistas franceses (Foucauld, Derrida, Baudrillard e Lyotard) com a escola de Franckfurt (Benjamin, Ardono e Habermas), mas Weber e sobretudo Marx estavam igualmente muito presentes (In: Sciences Humaines n.º 73 Junho de 1997 p.22).

Não vamos apresentar essa controvérsia, pois pouco poderia acrescentar ao esclarecimento da abordagem que fazemos do assunto. Consideramos suficiente dizer, neste momento, que utilizamos o termo pós-modernidade para caracterizar uma nova realidade social que procuraremos identificar, descrevendo um conjunto de aspectos sociais, políticos e económicos pertinentes na análise da relação Sociedade/Educação.

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Vivianne Forrester (1998: 8) utiliza mesmo a expressão mutação civilizacional :“Quando tomaremos

consciência de que não há crise, nem crises, mas uma mutação? Não a de uma sociedade, mas uma brutal mutação civilizacional? Participamos de uma era nova, sem conseguir enfrentá-la, sem admitir nem mesmo perceber que desapareceu a anterior”.

que relegou para a história da tecnologia as inovações e desenvolvimentos tecnológicos, nascidos com a invenção da máquina a vapor e do tear mecânico.

Como consequência: métodos, processos, objectivos, finalidades e valores da organização social e do trabalho, válidos para a sociedade industrial são secundarizados ou substituídos pela emergência de uma totalidade social com os seus princípios organizadores.

Esta nova realidade histórica, designada, pela primeira vez, em 1972, por Daniel Bell de sociedade pós-industrial, tem sido diversamente nomeada: sociedade pós-capitalista, sociedade de informação, sociedade do conhecimento, sociedade das organizações, consoante a perspectiva de análise acentua as diferenças relativamente à sociedade industrializada que a precedeu, focando a natureza e modo de produção, a natureza económica ou os impactos tecnológicos da informação.

Basicamente, o que distingue esta nova fase da modernidade é o princípio axial da mudança de produção de bens para uma economia de serviços, significando que o processo de industrialização que se desenvolveu na primeira metade do século XX e que consistiu no incremento de produção e no fabrico em série de bens e produtos, acompanhado no plano laboral por uma organização científica do trabalho (Taylor, 1911; Ford, 1923, Weber,1947) deu lugar a uma terciarização, traduzida numa diversificação de produção, assente na acumulação de conhecimentos.

É a centralidade do conhecimento e a perda de importância dos factores tradicionais de produção (terra, trabalho e capital) com impactos sociais no domínio do trabalho, do emprego, das qualificações que criam condições para a emergência de um novo paradigma societal.

Por sua vez, o desenvolvimento das tecnologias da comunicação e da informação veio ainda alterar as noções de espaço e de tempo, e deu lugar ao fenómeno da globalização e a processos de descontextualização e recontextualização (Giddens, 1996)4.

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O espaço e o lugar que até aqui coincidiam largamente, dado que as dimensões espaciais da vida social eram para a maior parte da população e em muitos aspectos, dominadas pela “presença” por actividades localizadas. Com a introdução das novas tecnologias tornou-se possível o estabelecimento de relações, eliminado a distância e a ausência e com a implantação dos media viabilizou-se a difusão de acontecimentos em tempo real e a nível planetário, aproximando comunidades num sentido de pertença global. Dá-se, então, a descontextualização (Giddens, 1996) dos fenómenos sociais que, de repente, se desenrolam no teatro do mundo, em vez de se esgotarem no palco de uma exígua localidade próxima e no âmbito do contacto físico. Estabelece-se a vizinhança global.

Para além destes aspectos gerais que emergem da comparação com as sociedades industriais e com os fenómenos decorrentes das tecnologias da informação e da comunicação, permitindo a ligação do local e do global numa dimensão planetária que afecta o nosso quotidiano, as sociedades contemporâneas apresentam outros traços resultantes do progresso e do desenvolvimento da ciência: a incerteza, a irracionalidade, o paradoxo5.

No campo das descobertas e progressos científicos, o domínio da ciência conduziu a experiências que revelam um enorme poder do homem sobre a natureza (a clonagem por exemplo), mas, a par disso, o homem continua dominado pela insegurança e angústia perante o flagelo da sida, da droga e do terrorismo.

As novas tecnologias da informação permitem o sonho da democracia electrónica (Toffler,1983), capaz de possibilitar uma maior informação ao eleitorado ou uma maior descentralização das tomadas de decisão. No entanto são causa de uma maior fonte de ansiedade com a ameaça de uma sociedade orwelliana, ou seja, ao admitir uma fácil armazenagem, consulta e divulgação de informações pessoais, talvez estejamos a correr o risco de, mais tarde, enfrentar um futuro sombrio, marcado pela espionagem electrónica dos cidadãos.

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Vivemos uma era de incerteza que na análise de Galbraith (1978) se traduz em que tudo o que se tinha por adquirido na filosofia, na economia, nas ciências do homem, na organização das nações se pode revelar provisório, instável, reversível. Vários acontecimentos que desde há alguns anos têm abalado o mundo confirmam a justeza destas palavras e o fundamento da análise. A mudança descontínua que caracteriza esta época impede que façamos uma projecção rectilínea das tendências do passado (Giddens, 1996).

Vivemos os paradoxos das economias desenvolvidas que tomam como nova fonte de riqueza o quociente de inteligência, vista como uma nova forma de propriedade, na medida em que representa a capacidade de adquirir e aplicar conhecimentos. O saber fazer é a nova fonte de riqueza, que não se comporta como qualquer

outra forma de riqueza e nisto reside o paradoxo. Os meios de produção já não podem ser possuídos pelas

pessoas que dominam as economias ou os negócios, porque a inteligência não pode ser redistribuída, não pode ser dada, nem retirada. Impedir a emigração de cérebros não é uma solução desejável e pode mostrar-se inviável e suprir as necessidades pela educação leva o seu tempo.

Vivemos o paradoxo do tempo. Parece que nunca temos tempo suficiente, embora nunca tenhamos tido tanto tempo disponível. Vivemos mais tempo, utilizamos menos tempo para fazer as coisas à medida que nos tornamos mais eficientes e devíamos ter mais tempo livre.

Vivemos o paradoxo do indivíduo que desfruta da vizinhança global. Alargou-se a comunidade. Está-se mais perto dos outros. No entanto vive-se a solidão, porque se perdeu o sentido de comunidade, quando as instâncias que criavam esse sentido entram em crise.

É a constatação destes contrastes e paradoxos que leva alguns autores (Bauman, 1991; Beck, 1994) a considerar as sociedades actuais, sociedades de risco, ameaçadas pela auto destruição e pela insegurança e pelas novas áreas de imprevisibilidade, criadas muitas vezes pelas próprias tentativas de as controlar.

Na perspectiva de Baudrillard (1991), esta situação de transição explica-se como o resultado de um duplo movimento de explosão e de implosão:

a) Explosão da mecanização, da tecnologia, das relações de mercado, as quais tiveram como resultado o aumento da diferenciação em todas as esferas da vida;

b) Implosão de todos os limites: de regiões (a aldeia global), de instituições tradicionais de socialização (a família, a escola, a Igreja, a sociedade), do social (a cultura de massas), das aparências e da realidade (a realidade virtual criada pelos media).

A implosão estende-se ao próprio processo de diferenciação social, na expressão de Lages (1997: 54), tornando tudo igual e conforme: não distinguindo nada, aceitando, por isso, todas as proposições por mais contraditórias que sejam.

Na perspectiva de Giddens (1996:36), a modernidade radicalizou-se. É perturbadora e apresenta como características mais notáveis - a dissolução do evolucionismo, o

desaparecimento da teleologia histórica, o reconhecimento da reflexividade total (...).

Deste ponto de vista, as mudanças e transformações fizeram-se por descontinuidades e rupturas com os modelos e formas de viver, válidas num passado recente, que é agora abandonado.6 As mudanças acontecem de forma rápida e imprevisível, isto é, não se verificam sequências de transformações lentas, nem se afiguram orientadas numa certa direcção ou desenvolvimentos progressivos.

Significa, por outro lado, segundo as concepções de Touraine (1973: 448), que a sociedade não é somente um sistema que mantém as suas regras e a sua organização. Ela é também capaz de se adaptar a mudanças internas e externas e, mais ainda, de escolher os seus modos de funcionamento a partir de orientações culturais e através dos seus conflitos, dos seus movimentos sociais e das suas decisões políticas.

Para Lyotard (1989), significa ainda que o homem moderno, ao deixar de crer nas meta- narrativas ou nos paradigmas definitivos de interpretação do mundo, deixou de ter

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Giddens (1996: 4) identifica as descontinuidades com o ritmo das mudanças, o alcance das mudanças, pois à medida que diferentes regiões do globo são postas em interligação umas com as outras, vagas de transformação social correm virtualmente a superfície da terra. Um terceiro aspecto diz ainda respeito à própria natureza das instituições modernas.

paradigmas permanentes e compreende que não pode “agarrar “ a história e submetê-la prontamente aos seus propósitos colectivos.

É a mudança que está particularmente presente neste final do século XX. Mudança em que, na síntese de Touraine (1994: 422), se vê sobretudo o pêndulo da história deslocar-se da esquerda para a direita: depois do colectivismo o individualismo, depois da revolução o direito, depois da planificação o mercado.

E esta tendência, acrescenta o autor, surge como uma contrapartida da “natureza” durante muito tempo aprisionada pela ditadura dos aparelhos e das ideologias.

Com efeito, no plano histórico, presenciamos e apercebemo-nos de que a democracia liberal não proporcionou uma transição suave para a democracia pluralista. Vemos como o colapso do comunismo abriu caminho ao ressurgimento do nacionalismo e a novos antagonismos. Temos presente a eclosão de diversos conflitos étnicos, religiosos e nacio- nalistas que pensávamos pertencer a épocas passadas.

No plano político, somos testemunhas de como as sociedades estão a sofrer um processo de redefinição das suas identidades colectivas e a experimentar o estabelecimento de novas fronteiras políticas7.

No plano social, assistimos a mutações nos padrões de vida, de trabalho, de lazer, de relacionamento com as instituições e até a própria identidade de pertença dos indivíduos e de grupos substituída por uma identidade de referência8.

Na linha do pensamento sociológico de alguns autores, designadamente de Crozier (1977) e Touraine (1984), o aparecimento da sociedade mediática contribuiu para a reformulação de processos de identificação cultural e a globalização por ela induzida transformou a organização social global. Porém, contraditoriamente, um processo de individualização como outra face da globalização também transformou o sujeito que se liberta das estruturas, deixando de ser o agente de papéis (que a teoria funcionalista lhe

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Cite-se o caso da Comunidade Europeia. 8

Situação que se explica nas palavras de Braga da Cruz (1997: 64-67) da seguinte forma: Com o advento da

sociedade de consumo, as identidades deixaram de ser sobretudo, como eram tradicionalmente, identidades de pertença para se tornarem identidades de referência. Aquilo que se é socialmente é cada vez mais dado, não tanto pelas pertenças institucionais - nome de família, titulo escolar, profissão desempenhada - porque essas instituições estão afectadas de maior instabilidade e mobilidade, mas sobretudo pelas referências dos consumos escolhidos e possibilitados. O mercado molda cada vez mais as identidades sociais, dependentes das oportunidades de consumo. Basta atentar na importância das marcas comerciais nos processos de identificação social.

reconhece) para se assumir como o actor social (Touraine, 1994) e fazer um regresso às instituições políticas.

No plano económico, a globalização dos mercados e a deslocação e concentração do poder económico dos Estados-nação para empresas transnacionais vem corroer o poder e a soberania dos estados.

Por último, a reflexividade da vida social moderna, segundo Giddens (1996: 27), tende a induzir que as práticas sociais sejam constantemente examinadas e reformadas à luz da informação sobre elas adquirida, alterando assim constitutivamente o seu carácter.

É neste quadro de referência global e admitindo estes pressupostos acerca da sociedade pós-moderna por oposição à sociedade moderna que procuraremos seguidamente desenvolver os contextos gerais mais significativos (económico e financeiro, político e social) que enquadram a problemática do nosso objecto de estudo.

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