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MUDANÇA SOCIAL, REGULAÇÃO E ADMINISTRAÇÃO DA EDUCAÇÃO

3. A REINVENÇÃO DO POLÍTICO

Temos presente que quaisquer apreciações generalizadas e simplificadoras que se façam globalmente a respeito da teoria da modernização reflexiva, para além de questionáveis, correm o risco de fazer uma leitura incorrecta e incompleta, visto que estão em jogo um conjunto de conceitos e noções para a compreensão e análise de fenómenos sociais, com os quais os autores tecem reflexões sobre o diagnóstico institucional da modernidade.

Não obstante, não podemos deixar de correr esse risco, ainda que diminuído na medida em que abordaremos apenas aspectos relativos às transformações institucionais na modernização reflexiva.

A leitura que fazemos da necessidade de um novo paradigma de organização da pós modernidade é sustentada pela posição de Giddens sobre as tendências democratizantes da ordem global donde retira a conclusão de que “the cybernetic model of social regulation is dead” (Giddens, 1994:194) e pela noção de sub-politics, entendida como um processo de modificar a sociedade a partir de baixo “Sub-politics means shaping society from below” ( Beck, 1994,13-23).

Adoptaremos este conceito de modernização reflexiva na dimensão institucional, deixando de lado outros conceitos que abrangem dimensões e quadros de intelegibilidade diferentes sobre as transformações sociais de finais do século XX.

3.1. A nova ordem social e a reforma de racionalidade

Na perspectiva destes autores, a nova ordem social corresponde à transformação da sociedade industrial numa sociedade de risco onde os mecanismos de confiança nos sistemas exigem o desempenho responsável dos cientistas, dos técnicos e dos políticos, na decisão política, visto que as decisões sobre questões de segurança afectam a vida privada das pessoas e são, ao mesmo tempo, questões globais.

3.2. A politização do local e do global

A importância atribuída à confiança e ao risco está associada a uma outra transformação no domínio político, que distingue a modernidade simples da modernidade reflexiva. Trata- se de uma mudança da política emancipatória e centralizada para novas condições sociais identificadas pelas expressões “life politics” e “subpolitics”.

Giddens entende por “life politics” a politização de um grande número de questões que são globais mas que afectam a vida privada e, por isso, devem ser colocadas em debate democrático, permitindo a discusão pelos cidadãos em geral.

Beck utiliza “subpolitics” como noção equivalente, definida por oposição a “politics”, estabelecendo a distinção, pelo facto de a este nível (subpolitics), actores não pertencentes ao sistema político ou corporativista poderem aparecer no palco do “design” social.

Neste grupo, Beck inclui grupos profissionais e ocupacionais, a intelligentsia técnica nas fábricas, instituições de investigação e gestão, trabalhadores qualificados, iniciativas de cidadãos, esferas públicas etc. (Beck, 1994:22).

Subjacente à concepção de ambos, está a ideia de que, na modernidade reflexiva, os indivíduos se transformam em actores por um jogo complexo e discursivo, deixando de assumir os papéis definidos nas teorias funcionalistas.

O despertar para a participação e a politização de certas questões da vida quotidiana permite a tomada de consciência pelos actores da sua condição social e admite que a intervenção social destes se faça a latere das estruturas tradicionais (sindicatos, classe social etc.).

Surgem, deste modo, novos grupos sociais ligados pela defesa de interesses comuns que têm a ver com questões de ordem moral, ética ou ecológicas.

Ora, o processo de politização identificado implica duas coisas: a primeira é que a aproximação dos problemas pela regra central perde importância, visto que, no novo quadro, não cabe só aos governos definir a agenda política.

A segunda tem a ver com o facto de, por esse motivo, se poderem criar espaços de regulação onde grupos formais de consulta ou cidadãos em geral possam ter uma voz e partilhar a procura de soluções para problemas de interesse geral.

Neste aspecto, reside uma das diferenças entre modernidade simples e modernidade reflexiva. É que, enquanto as teorias da modernidade simples concebiam a modernização autisticamente, isto é, segundo modelos iluministas assentes na certeza e sucesso de aplicação de princípios cientificamente definidos, as teorias da modernização reflexiva concebem-na, tendo em conta a specialization in context, isto é, abolindo a prática de abordagens qualitativas isoladas, porque se entende que quanto mais for o grau de especialização maior é o risco das consequências da acção técnico-científica. (Beck, 1998: 178).

3.3. Da racionalidade instrumental inequívoca (Weber) à noção de ambivalência (Beck)

A constatação do fenómeno crescente de resistência das populações a determinadas decisões políticas (a implantação de novas incineradoras, de fábricas de produtos nucleares ou biotécnicos, por exemplo) ilustra o que acabámos de referir e revela o sentido de

ambivalência relativamente a determinadas decisões, o que significa admitir-se a coexis-

tência de sentimentos antagónicos em face do mesmo objecto, visto que os benefícios e os custos de decisões desta natureza não podem nunca ser distribuídos de forma justa.

Neste caso, os instrumentos convencionais de consulta política (os peritos, os sindicatos, os grupos representativos etc.) revelam-se ineficazes e até mesmo o debate público entre opositores e defensores, como sabemos, não resolve os conflitos e chega a ter o efeito de agravar as divergências.

Perante estas condições, Beck considera ineficaz o modelo de racionalidade inequívoca, dominante nos processos de decisão da modernidade simples e propõe, em sua substituição, um modelo adequado à nova racionalidade - o round table model.

Este modelo assenta no princípio de demonopolization of expertise, ou seja, deve abandonar-se a ideia de que os administradores e os peritos sabem sempre as coisas com precisão, o que quer dizer, que eles é que sabem o que é bom para cada um.

Por conseguinte, deve dar-se relevância à informalization of jurisdiction, isto é, abrir o circulo de grupos participantes na decisão, tomando como critério padrões de relevância da informação, para que a decisão deixe de funcionar em círculos fechados, com base apenas em opiniões abalizadas de peritos e especialistas.

A concretização deste princípio tem como consequência abrir as estruturas de decisão à participação de grupos de consulta e cidadãos em geral e transferir a negociação “à porta fechada”, entre peritos e decisores, para o diálogo público feito segundo normas negociadas10.

Neste sentido, a velha ordem instrumental racional, segundo a qual estas tarefas são

para as pessoas iluminadas, não se revela pertinente, uma vez que os fóruns de negociação provaram que não são fábricas de consenso com a garantia de sucesso.

Na nova ordem, surge uma forma diferente de tratar a ambivalência que presume a experiência e admite que as afirmações científicas perdem o seu carácter dogmático, tendendo a ser encaradas como propostas questionáveis e não como solução única.

Com o round table model, Beck (1994) vem trazer à discussão a questão da necessidade de substituir o paradigma instrumental da racionalidade moderna, que, no entender do autor, constitui uma visão minimalista daquilo a que chama The Politics of Politics (a reinvenção do político) por uma visão maximalista.

Essa visão corresponde à distinção entre política orientada pela regra (rule directed), própria da modernidade simples que opera dentro do sistema de regras da sociedade industrial e do bem-estar (welfare state) no Estado-nação e a política orientada pelo sistema de alteração de regras (rule altering politics) que tem como objectivo a reinvenção do político, no sentido de alterar as regras do jogo (Beck, 1994:35).

Nestas interpretações, a reforma da racionalidade consiste na substituição do ethos do

imperativo, próprio da ordem da modernidade simples, pelo ethos da ambivalência que

caracteriza a modernidade reflexiva.

3.4. Realismo utópico e metamorfose institucional

Giddens (1994:193-194) vem acrescentar à interpretação de Beck o reconhecimento de quatro contextos sociais importantes, cujo desenvolvimento pode contribuir para a reconstrução da ética cívica como um todo.

O primeiro refere-se à emergência potencial de uma democracia emocional, assim definida: “… emotional democracy in the domains of sexual relations, parent-child relations

and friendship. To the degree to which the pure relationship becomes dominant in these spheres, a relation of equals, organized through emotional communication coupled to self understanding becomes possible (Giddens, 1994:193-194).

10

Entendendo por normas– modes of discussion, protocols, debates, evaluations of interviews, forms of voting

and aproving – must be agred on and sanctioned: self-legislation and self-obligation. (Beck, 1994:29-30)

O segundo contexto diz respeito à evidência de tendências claras na sociedade actual, para substituir as burocracias hierárquicas por sistemas de autoridade mais flexíveis e descentralizados, não obstante as tensões que geram.

O terceiro contexto de democratização potencial tem a ver com o desenvolvimento de

social movements e self-help groups11 e, por último, Giddens refere as influências democra-

tizadoras a níveis de desenvolvimento global.

Segundo este entendimento, as características de reflexividade, mobilização e flexibilidade que afectam e mudam as condições da vida quotidiana, fugindo ao controlo das políticas ortodoxas12, também ocorrem a nível global, isto é, estas transformações passam-se à margem dos poderes constituídos, na medida em que são os cidadãos e não os políticos que incluem na agenda política a necessidade de discussão dos problemas em causa.

Deste modo, segundo Giddens (1994), a tão citada frase de Daniel Bell de que a nação é demasiado grande para resolver os problemas locais e demasiado pequena para resolver os problemas globais perde actualidade, porque o que está agora em causa já não é só a resolução dos problemas, mas o facto das complexas relações entre mudanças locais e globais afectarem a própria integridade do Estado13.

Para o autor, a metamorfose institucional, decorrente da necessidade de outras formas de regulação, poderá operar-se pelo equilíbrio entre ideais utópicos e realismo. Os modelos de realismo utópico, baseados em possibilidades institucionais, inscritas na ordem global contemporânea, decorrem da mistura de reflexividade, autonomia e diálogo (Giddens 1996).

11

Sobre o papel destes grupos o autor refere: “apart from the issues they pursue, however such groups can be

(although they by no means always are in practice) democratizing modes of social association most sociological work has concentrated upon social movements, but self groups are in some respect both more interesting and influential (Giddens, 1994: 193-194).

12

Note-se que a reflexividade é a libertação da estrutura. A condição de reflexividade é a existência de uma série de estruturas não sociais desarticuladas, isto é, uma teia global e local de redes de informação e estruturas de comunicação. Compreende-se melhor este contexto por oposição ao capitalismo industrial no qual as oportunidades de vida e desigualdades de classe dependiam do modo de acesso e do lugar de produção e, na modernidade reflexiva, dependem do modo de informação.

13

Vários autores têm-se debruçado sobre os efeitos da mundialização do sistema de Estados e da globalização no que se refere à integridade e soberania do Estado-Nação.

Demos conta, em capítulo anterior, ao referir as novas condições estratégicas e as novas realidades políticas da crise que o Estado nacional atravessa, de algumas abordagens (Aguiar, Wallerstein, Offe, Albrow) sobre esta questão, centradas nos aspectos políticos, económicos e sociais. Mas poderíamos referir ainda que, neste contexto de transição de paradigma, outras problemáticas e novas linhas de investigação se abrem noutros domínios designadamente o Direito Internacional, como mostrou Pureza (1995).

A politização do local e do global e a política da vida (auto-realização ligada à política emancipatória da política de desigualdades) são dimensões desse realismo utópico.

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