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AS TEORIAS DE REGULAÇÃO SOCIAL

4. A REGULAÇÃO SOCIAL COMO PROCESSO SOCIAL

4.2. Limites da regulação conjunta

A regulação conjunta, embora permita uma certa junção ou conjunção de regulações, tem os seus limites e não se substitui à concorrência de regulações, porque o seu resultado (o encontro de regulações) não é um equilíbrio, no sentido que este termo tem em economia (um equilíbrio entre a oferta e a procura). É sobretudo um ponto onde convergem expectativas e, por consequência, o acordo que se gera é quase um equilíbrio social.

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A regra prescrita é a que se exprime nas prescrições oficiais; a regra efectiva é a que resulta no trabalho. 143

Interessa também sublinhar a ideia de que a regulação conjunta que resulta de uma negociação explícita tem por efeito mostrar publicamente que a solução encontrada foi a solução possível, como já referimos anteriormente ao estabelecer a diferença sobre o conceito de acordo sob o ponto de vista da regulação social e sob o ponto de vista da regulação económica.

E, se assim é, a regulação conjunta não é estável. Traduz um compromisso possível. Permite a concorrência de regulações. Mas, não erradica o conflito, visto que apesar de permitir a constituição de uma coerência, de uma racionalidade, de um sentido, dada a sua natureza transitória, isto é, tratando-se de um compromisso instável, não pode esgotar na solução encontrada a resolução de todos os problemas. Tem os seus limites.

A regulação conjunta traduz, em síntese, o processo de regulação social na medida em que articula a regulação autónoma e a regulação de controlo, procurando um funcionamento concertado das organizações, utilizando o conflito e a negociação na construção dos compromissos. Sobre estes conceitos referiremos o seguinte.

4. 3. O conflito, a negociação e a regra

No cerne da teoria da regulação social: conflito, negociação e regra são conceitos que desempenham um papel fundamental na construção da regulação, articulando-se entre si numa lógica de dependência dinâmica, isto é, na medida em que a resolução de conflitos se opera em processo de negociação e a negociação exige por sua vez regras.

Mas se a negociação para funcionar e criar consensos eficazes necessita da existência de regras, a aplicação dessas regras exige também a negociação que pode acabar por pôr em causa as regras existentes.

Reynaud define-a nos seguintes termos: “Dans l’acception la plus large du terme on

peut appeler négotiation tout l’échange où les partenaires cherchent à modifier les termes de l’échange, toute rélation où les acteurs remettent en cause les règles et leurs rélations

[…]. Au sens étroit (et notamment dans la plupart de ses formulations juridiques, si

différents qui puissent être les droits nationaux), la négotiation au contraire suppose une confrontation explicite, des positions, des argumentations et aboutit à un accord, qui n’existe que, par un consentement explicite des deux parties (Reynaud, 1995:18).

A definição admite assim a negociação implícita que corresponde àquelas situações em que os interessados não expressam claramente o seu objectivo. Neste caso a negociação não

consiste em argumentar, mas em demonstrar de forma indirecta por comportamentos ou atitudes uma posição9.

Um segundo tipo de negociação supõe uma confrontação explícita das posições, dos argumentos, tendo como resultado um acordo que só existe por um consentimento de ambas as partes. “La négotiation explicite est elle en même un succès, un progrès de la capacité des

auteurs à maitriser leur relations” (Reynaud, 1995: 26).

[…] Mais la négotiation collective est un éffort pour rendre ces règles communes (en

créer d’autres qui le soient), pour améliorer leur acceptibilité, pour ménager le consentemment. La régulation conjointe produit des règles, c’est-à-dire qu’elle leur assure une légitimité (Reynaud, 1995: 24).

Em síntese, Reynaud considera a negociação consubstancial ao processo de vida colectiva e correspondente a um instrumento de criação de consenso. Neste sentido, é o único meio que pode assegurar o reconhecimento do conflito.

Não concebe a negociação identificada com a relação de forças, embora seja influenciada por elas, porque o que conta na negociação não é o peso das forças, mas a utilização destas, ou seja aquilo que implica a capacidade estratégica dos antagonistas.

Admitindo a negociação individual e colectiva, o autor distingue ainda dois traços fundamentais no conceito: primeiro, a negociação é consubstancial ao processo de vida colectiva e neste sentido é um instrumento de consenso; segundo, a negociação constitui fonte de inovação, pois não se reduz apenas à procura de equilíbrio pontual para a solução de problemas, mas a ultrapassagem destes pela exploração de novas possibilidades e soluções.

Nestas condições, o conflito é encarado como uma crise do controlo social ou uma ruptura de negociação, mas que permite fazer chegar o problema à negociação: “Le conflit

du travail doit être analisé comme une crise du côntrole social dans son déclenchement, dans son déroulement, comme dans sa conclusion” (Reynaud, 1995:26).

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Reynaud (1995:18) dá o exemplo do operário que não deixa a sua máquina para discutir com o contramestre, mas prova pelo aumento do serviço mal feito ou pela frequência das avarias que é preciso rever o objecto da produção ou melhor definir as suas responsabilidades.

A regra

Nesta teoria, a regra é o fundamento necessário da negociação e desempenha um papel central, na medida em que o autor concebe que a regra na sua génese constitui a resposta ao problema dos conflitos.

A organização que fixa as regras é um construído social, em resposta às pressões dos indivíduos, tirando partido das condições de cooperação. Como refere Crozier (1994: 68) a este propósito, a regra torna-se desta forma uma maneira de organizar a negociação e só possível se for organizada por regras essenciais que assegurem o seu funcionamento - regras de boa fé, regras de procedimentos que protejam as partes, regras de definição de campos que organizam ou limitam ou interdizem a intervenção de um terceiro no interior de uma organização.

De certa forma, as regras são a expressão simbólica e concreta da negociação. Daí a importância que tem a sua transgressão. As regras que limitam o comportamento das partes são ao mesmo tempo indispensáveis e perigosas. Indispensáveis, porque toda a organização tem necessidade de um mínimo de consenso, o qual é obtido através da negociação implícita. Mas a negociação deve ser considerada como um instrumento de criação de consenso. Ora, o consenso eficaz num mundo que abandona os modelos hierárquicos da organização não pode ser imposto ou suposto, deve ser criado e recriado em função da evolução dos problemas e da capacidade dos actores.

As regras também são perigosas, posto que se forem demasiado vagas não permitem a estabilidade e a confiança, se forem demasiado rígidas bloqueiam a exploração do campo e esterilizam a comunicação.

Podemos concluir deste entendimento das regras que existe um limite adequado da sua utilização e que, para lá de um certo grau, as regras podem paralisar a organização.

A negociação

Sobre a negociação e o conflito, Reynaud não acrescenta novas dimensões aos desenvolvimentos teóricos de outros autores, designadamente Crozier e Friedberg (1977), segundo os quais, para compreender a negociação, é preciso analisar empiricamente a estratégia dos actores e as potencialidades do sistema humano no interior do qual eles agem.

A estes conceitos junta as noções de formal e informal da sociologia das organizações e, como refere Crozier (1994:68), vem fazer a síntese entre as teorias de negociação e do conflito à volta da regra e pela regra. Muda os termos do problema, colocando no centro a

regra e as regulações.

A teorização desenvolvida por Reynaud parte do pressuposto que o conjunto de regras e negociação deve ser problematizado em função do sistema no interior do qual ele toma lugar e se desenvolve, contrapondo ao conceito de negociação contratual estática, um conceito de negociação permanente, institucional e dinâmica de controlo social.

Deste modo, o que Reynaud vem trazer de novo à problemática da regulação é a importância dada à negociação política. É que esta abordagem exclui a resolução dos diferendos entre as partes por recurso à interpretação jurídica e contratual, atribuindo importância decisiva à negociação política.

5. A DESREGULAÇÃO

Nesta abordagem existem outras situações na regulação social que são conhecidas por processos de regulação paralela e por processos de anomia.

A regulação paralela verifica-se naqueles casos em que a regulação conjunta não se concretiza, porque cada parte permanece firme nas suas posições, abstendo-se estrategicamente de tomar qualquer iniciativa ou de fazer valer os seus trunfos, mas assumindo uma atitude de resistência passiva através de manifestações de poder que impedem a outra parte de actuar, bloqueando, por esse facto, o encontro de uma solução e a regulação conjunta.

A anomia, na concepção de Reynaud (1994), corresponde a um estado de regras de um dado sistema social que se caracteriza por um enfraquecimento das regras ou por um défice de regulação.

Estamos perante uma interpretação que não perspectiva a anomia como um estado patológico do sistema social mas, pelo contrário, a concebe como uma característica normal e permanente, visto que ao considerar a regulação social como uma actividade contínua que provoca flutuações e alterações nas regras de um determinado sistema, entende-a consequentemente no seu resultado como sinónimo de mudança e de aprendizagem.

Dificilmente se pode conceber um sistema social vivo que mantenha um sistema de regras imutável, não só por definição, mas também porque, como é sabido, factores como a afirmação da autonomia de certos actores, a centralização ou descentralização das decisões, a utilização de uma restrição para impor uma regra podem ter efeitos no reforço ou no enfraquecimento das regras. Esta é a aceitação de anomia como normalidade.

Esta concepção opõe-se ao conceito clássico de anomia de Durkheim que interpreta a incerteza das regras e dos valores como consequências de mudanças, como um “facto de desmoralização social”.

Decorre também desta interpretação que este conceito não é um conceito singular, (existem anomias e não uma anomia, porque existem vários sistemas sociais).

Do ponto de vista teórico, a interpretação de Reynaud apoia-se na explicação de Philippe Besnard (1987) sobre a tese sustentada por Durkheim relativamente ao conceito de anomia10. Ora, o que Besnard (1987) veio esclarecer é que a definição de suicídio fatalista tem origem num excesso de limitações. Mas este excesso não é o resultado do número ou da importância das limitações, mas da sua injustiça e, por isso, acompanhando Durkheim no entendimento da função salvadora da regra, discorda da razão invocada por Durkheim para a sua explicação.

Para Besnard (1987), a regra é salvadora, não porque limita, mas porque a sua limitação é aceite. É com base neste raciocínio de Besnard, que Reynaud vai concluir no sentido inverso, dizendo que a anomia e o fatalismo não são dois casos extremos de regulação (dois casos opostos como excesso e defeito), mas são duas faces da mesma moeda, na medida em que ambos traduzem um défice de regulação e diferem apenas nas causas que explicam esse défice11.

Por isso, Reynaud sustenta a definição geral de anomia como um défice de regulação e distingue diferentes processos sociais que a ela conduzem em cujo cerne o autor coloca não a “vaga de paixões” de Durkheim, mas fá-la substituir pela incerteza do contrato.

Na explicação dada por Reynaud não é o caracter infinito do desejo criado que gera o problema e a luta, mas o carácter indeterminado, o que é possível ou justo ou equitativo.

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Besnard (1987) conseguiu mostrar que a anomia não se define pela ausência objectiva de regras, mas pelo enfraquecimento da regulação legítima.

Durkheim atribuía a anomia dois males sociais:

a) A ausência de regras que deixam o indivíduo desprotegido, causando-lhe uma insatisfação permanente e a uma divisão extrema das tarefas na industria que prive o indivíduo de toda a satisfação e suprima toda a possibilidade de uma acção verdadeiramente concertada;

b) Ou o excesso de regras numa divisão de trabalho autoritária, imposta superiormente que não respeite o mérito de cada um ou estabeleça uma remuneração injusta.

Nesta visão Durkheim entende a regra como tendo um efeito salvador e, na sua argumentação aduzida para justificar este entendimento, sustenta que basta fixar regras claras para que se restaure a tranquilidade e a paz social. Assim, para este autor, o essencial da anomia reside numa vaga de paixões de aspirações sociais insatisfeitas.

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Refira-se a propósito que Reynaud considera o excesso como um caso particular de défice. 148

Neste sentido, a regra tem um caracter apaziguador, não pelo facto de disciplinar o indivíduo, mas por permitir individual ou colectivamente sair de uma negociação indefinida e concluí-la. A regra não se opõe a um desejo infinito, ela arbitra um debate entre pretensões opostas. Ela permite a conclusão de um contrato e, se se verificar a ausência dessa regra, cria-se uma situação permissiva da guerra de todos contra todos, tese sustentada por Hobbes a que já fizemos referência.

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