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1.3 O PROJETO DAS REFORMAS IDEALIZADO NO REINO

1.3.1 A construção do projeto reformista no reino: definições

A aplicação das ordens emitidas no Alvará de maio de 1758 foi objeto de discussões e planejamento por parte dos secretários e resultou na produção de uma série de documentos expedidos nos dias 8, 14, 18, 19 e 28 de maio de 1758. Esses expõem a dinâmica da construção do projeto, permitindo entrever os debates e as mudanças realizadas que, sendo confirmadas, eram então publicadas. As fontes transmitem as dificuldades de coordenar as funções das diversas autoridades e instâncias responsáveis pela execução das ordens régias, uma vez que envolviam jurisdições civil e religiosa do reino e no Estado do Brasil.

O plano inicial foi nomear dois desembargadores do reino para seguirem para a Bahia e o Rio de Janeiro levando todas as instruções, cartas régias e as ordens decretadas relativas ao Alvará. Nas duas capitanias gerais formariam comissões – a do Rio de Janeiro com o desembargador José Mascarenhas Pacheco Coelho de Mello, o governador, o conde de Bobadela, e o bispo77; a da Bahia com o desembargador Manoel Estevão Barberino78,

76 Esse órgão foi extinto em 22 de setembro de 1828, quando suas atribuições foram transferidas para o

Supremo Tribunal da Justiça do Império do Brasil.

77 AHU_CU_CONSULTAS DO RIO DE JANEIRO. Cod. 565. ROLO 39. Doc. n. 08: CARTA RÉGIA para o

Provedor da fazendo do Rio de Janeiro sobre os provimentos de José Mascarenhas conselheiro do Conselho de Ultramar encarregado de alguns negócios do meu real serviço. Belém, 18 de maio de 1758; Doc. N. 09: [AVISO] ao intendente Geral do Ouro e Presidente da Mesa de Inspeção João Tavares de Abreu, faz saber que determinou que José Mascarenhas [...] Conselheiro passe a esta cidade. Hei por bem nomear-vos [o inspetor] escrivão da Comissão de que o dito Conselheiro vai por mim encarregado e de toda a dependência dela. Belém, 18 de maio de 1758; Doc. N. 12: [AVISO] Ao conde de Bobadela – Informando que o conselheiro José de Mascarenhas seguiu encarregado com o Bispo e o subdelegado do cardeal Saldanha de cumprir as ordens relativas às reformas da Companhia de Jesus e das demais envolvendo a liberdade dos índios, a ereção das vigararias nas missões dos índios e nomeação de padres seculares e de erigir as aldeias em vilas conforme as leis de 8 de maio, e de confiscar os bens dos jesuítas maio/1758. Esse conjunto de documentos relativos às ordens destinadas ao Rio de Janeiro foi pesquisado no Arquivo Ultramarino, em Lisboa. Eles constam no livro Registro de Alvarás, Avisos, Ofícios e Cartas Régias, dirigidas ao bispo, governador e outras autoridades das capitanias do Rio de Janeiro e Minas Gerais, expedidas pela Secretaria de Estado dos Negócios da Marinha e Domínios Ultramarinos, 1758-1759. Sobre este assunto ver: ALMEIDA, M. R. C., 2003, p. 168-185. No Capítulo 3, A

ressocialização nas aldeias: as múltiplas etnias tornam-se índios aldeados e súditos cristãos do Império português, a autora desenvolve uma análise geral das reformas pombalinas no contexto mais amplo da

implantação do projeto do Diretório dos Índios, no Rio de Janeiro, citando alguns documentos aqui apresentados.

78 AHU_ACL_CU_005, Cx. 136, D. 10525 [Avulsos, CD 17, pasta 139, sp. 03, doc. 0494]. CARTA RÉGIA

(minuta) do Rei [D. José] ao desembargador da Casa da Suplicação Manuel Estevão de Almeida de Vasconcelos Barberino ordenando a confiscação dos bens de raiz, sem licença régia, pertencentes aos clérigos da Companhia

nomeado por provisão régia para fazer comissão, o vice-rei conde dos Arcos e o arcebispo dom Botelho – para inventariarem e confiscarem os bens de raiz dos jesuítas. No reino, os respectivos escrivães foram indicados e nomeados para atuarem com os desembargadores nos trabalhos das comissões, conforme as Ordenações do Reino79. Foi ordenado ao vice-rei duplicar os documentos e enviá-los aos governadores e bispos das capitanias de Pernambuco, Goiás e Mato Grosso, que deveriam seguir os mesmos procedimentos assim que recebessem as ordens.

FIGURA 2 - QUADRO DEMONSTRATIVO DA SÍNTESE DOS DOCUMENTOS EXPEDIDOS REFERENTES AO PRIMEIRO PROJETO CONCEBIDO NO REINO NO MÊS MAIO DE 1758

Alvará e Provisão Cartas Régias expedidas em 8 de maio de 1758 Vice-rei, conde dos Arcos Arcebispo da Bahia

1 Alvará com força de lei de 8 de

maio de 1758. 1.1 Ordenando a execução do Alvará referente a liberdade dos índios.

1.1 Determinando que

transformasse as Missões em paróquias e para ela nomeasse párocos do Hábito de S. Pedro. 1.2 Recomendando que

prestasse todo o seu auxílio ao Arcebispo para garantir o cumprimento do Alvará. 2. Breve do Papa Benedicto XIV,

dirigido ao cardeal Saldanha, nomeando reformador da Companhia de Jesus em Portugal e nos domínios.

2.1 Recomendando que prestasse ao Arcebispo da Bahia como subdelegado do cardeal Saldanha.

2.1 Ordenando que, como delegado do Cardeal Saldanha, fizesse despejar os religiosos Jesuítas das terras das Minas e

de Jesus na Bahia, Rio de Janeiro, Pernambuco e Minas Gerais. Lisboa. 8 maio, 1758; ver também: AHU_CU_BA, cx. 20, doc. 3629-3637 [Castro e Almeida, CD 03, 18, 01, doc. 0011: 0056]. PROVISÃO régia para o desembargador Manuel Estevão Barberino intimar os prelados do Colégio e Residência dos religiosos da Companhia de Jesus para que apresentem a relação dos bens de raiz que tiverem fazendo sequestro em todos aqueles que forem possuídos sem faculdades régias dando conta a Sua Majestade das propriedades e rendimentos anuais. 8 de maio de 1758. Essa provisão é o documento n. 8 da “Relação das ordens e mais papéis que levaram para o Brasil os desembargadores José de Mascarenhas Pacheco Coelho e Manuel Estevão de Almeida Vasconcelos Barberino”.

79 As Ordenações do Reino são chamadas as Ordenações Filipinas e as Leis Extravagantes. Ver: AHU_

CU_BA, cx. 20, doc. 3637, [Castro e Almeida, doc. 0011-0034]. PROVISÃO régia [Barberino], “em q SM há por bem conceder lhe a faculdade para nomear Escrivão interino da sua Comissão, e de todas as dependências dela na falta, ou nos impedimentos dos B. Joaquim José de Carvalho e João Ferreira de Betencourt nomeado no referidos cargo, e para constituir os mais oficiais que julgar necessários para expedição das respectivas diligências”.

(1º de abril de 1758).

Carta do cardeal Saldanha, acerca do escandaloso comércio que exercem os Jesuítas. (15 de maio de 1758).

especialmente das de Mariana.

Provisão régia para o desembargador Barberino intimar os prelados do Colégio e Residência dos religiosos da Companhia de Jesus para que apresentem a relação dos bens de raiz.

Fonte: Elaboração da autora, com base em: AHU_CU, cx. 20, doc. 3629-3650 [Castro e Almeida, doc. 0011- 0034]. RELAÇÃO das ordens e mais papéis que levaram para o Brasil ... Anexos: docs. 3630, 3631, 3632, 3633, 3629, 3629, 3635, 3636, 3627.

A provisão expedida ao desembargador Barberino, relativa às reformas gerais da Companhia, esclarecia os motivos do inventário e sequestro dos bens de raiz: a espoliação, a apropriação das terras e bens obtidos com trabalho dos índios e o enriquecimento ilícito da Companhia constituíam o mal que a Coroa dispôs extinguir. Em seguida ordenava:

Em consideração a todo isso sou servido ordenar-vos: que passe ao [Rio e Bahia] estabelecendo vos nela façais de cada hum dos Colégios, casas residenciais, e quaisquer outros lugares onde tiverem habitação os ditos Religiosos da Companhia que no termo dos primeiros vinte dias, depois da intimação, que lhes fizeres por Carta feita pelo escrivão de vosso cargo e por vós assignada, hajam de exibir perante vós as relações dos bens de raiz que cada hum dos ditos Colégios casas Residências e Lugares tiver na sua posse de administração de Capelas, sem para isso heverem precedido licenças régias concernentes a cada hum dos referidos bens com taxação da sua importância. [...] E se não exibindo logo as licenças [a comissão] no referido termo, procedeis logo [...] o irremissível sequestro daqueles bens de raiz [...]80

Quanto aos bens de raiz adquiridos com autorização e considerados lícitos, se recomendava observação cuidadosa dos limites para verificar se foram ampliados com novas aquisições. E no caso das terras destinadas à formação de aldeamentos,

sendo os ditos bens situados nos sertões e Aldeias de Índios que novamente se devem erigir em vilas e lugares, com vigararias providas na forma das minhas ordens em clérigos seculares, depois de estabelecidas a casa de residência do Vigário, com seus passais competentes, de acordo com o Bispo do Rio repartireis as terras pelos Índios habitantes das referidas vilas e Lugares também de acordo com o Governador [...]81

80 AHU_ CU_BA, cx. 20, doc. 3637, [Castro e Almeida]. PROVISÃO régia [Barberino]. 81 AHU_ CU_BA, cx. 20, doc. 3637, [Castro e Almeida]. PROVISÃO Régia [Barberino].

As orientações finais da provisão lembravam que, nos casos de ocorrências de dúvidas ou opiniões contrárias, que fossem resolvidas por pluralidade de votos (da comissão ou da junta), sem interrupção dos trabalhos. Os bens sequestrados ficariam sob a administração da junta formada pelo desembargador Barberino, o arcebispo e o vice-rei, na Bahia, e o desembargador Mascarenhas, no Rio de Janeiro82.

Ressalte-se que esse plano foi modificado substancialmente em 19 de maio de 1758. A missão expressada na provisão ao desembargador Barberino foi mantida, mas deveria ser realizada por etapas vinculadas às ações para execução do Alvará de 8 de maio. A instalação da junta e o confisco dos bens deveriam ser mantidos em segredo até que novas ordens fossem remetidas do reino.

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