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pelo Baixo Sul, dedicou-se ao estabelecimento das novas vilas de índios nos aldeamentos administrados pelos jesuítas. Ele já havia percorrido em correição, no ano anterior, as cinco vilas – São Jorge, Barra do Rio de Contas, Camamu, Boipeba, Cairú – localizadas ao longo da costa da Capitania de Ilhéus, algumas léguas distantes umas das outras. Além disso, estava empenhado, juntamente com o vice-rei, em resolver as pendências relativas à sub-rogação, realizada no ano de 1754 por dom José I e o último donatário, João de Castro.

A Capitania de Ilhéus, 50 léguas do litoral, de Norte a Sul, do atual estado da Bahia, concedidas ao fidalgo Jorge de Figueiredo, compunha uma das doze capitanias doadas, entre 1534 e 1536, pela Coroa portuguesa. Igualmente à de Porto Seguro, manteve o status de donataria privada até o reinado josefino, quando foram incorporadas ao patrimônio do governo português. As capitanias, áreas controladas por um donatário, definiam a divisão territorial da colonização, sistema adotado pela monarquia para garantir a posse e colonização do seu domínio do além-mar. Segundo Vargnhaem335, tinham a finalidade de gerir a política de conquista, povoamento e defesa da possessão portuguesa constantemente ameaçada por invasores estrangeiros.

O sistema era adotado, desde 1440, em toda a Zona Atlântica de expansão portuguesa – Serra Leoa, Madeira, Açores, Cabo Verde, S. Tomé, Angola –. Era regulamentado pela Lei Mental de concessões portuguesas, que definia que todas as terras e bens pertencentes à Coroa apenas podiam ser doadas ao filho varão primogênito, não podendo ser repartidas pelos herdeiros336. No Brasil, essa lei, na prática, foi dispensada e foram realizadas diversas

adaptações e reestruturações de acordo com o desenvolvimento da colonização. As vastas

335 VARNHAGEN, História geral do Brazil. 1857. v. 2, [200-].

336 SALDANHA, A. V. As Capitanias do Brasil..., 2001. p. 21, 113, 121. Lei Mental é a designação da lei que

vigorava no tempo de Dom João I (1385-1433) e publicada, em 1434, nas Ordenações Manuelinas. Manteve-se até 1832.

possessões e amplos poderes outorgados aos donatários, característicos das primeiras concessões, foram justificados pela distância do reino e a necessidade e urgência da ocupação.

Nas primeiras capitanias os donatários eram as autoridades máximas. Os direitos e deveres eram determinados nas Cartas de Doação e Foral337, que subscreviam as prerrogativas conservadas pela Coroa e a garantia da autonomia aos donatários, com amplos poderes jurisdicionais338. O fidalgo Francisco de Figueredo, como os demais, recebeu o título governador e capitão, acumulando as atribuições militares e as relativas ao governo civil e jurisdicional. Tinha competência até a “morte natural nos peões, pessoas de baixa condição e índios, e penas graves a dez anos de degredo...”339. A autonomia dos donatários ficou

assegurada pela competência de nomear os ouvidores e a cláusula de “as justiças d’el-rei não teriam alçada de espécie alguma” 340.

A partir do século XVI o sistema inicial foi reestruturado com vista a se adequar à política da Coroa e ao desenvolvimento da colonizaçãoe, segundo proposição de Saldanha341,

agraciar com mercês outros fidalgos por serviços prestados. Foram criadas e concedidas novas e menores capitanias, próximas às donatarias de Sergipe, Alagoas, Santa Catarina, e, outras, dentro do território das existentes, a de Paraguassu, Paraíba e Ceará. O aumento da ocupação e das atividades produtivas proporcionou a superioridade política e econômica daquelas produtoras de açúcar342.

Contudo, a modificação mais abrangente ocorreu com a instalação do Governo Geral e a vinda de Tomé de Souza, o primeiro governador, em 1549. A Coroa realizou um movimento de incorporação das donatarias ao patrimônio real através da compra ou sub-rogação, embora sem extinguir as chamadas autônomas ou privadas. Essa reordenação gerou uma nova caracterização política das capitanias em relação às esferas administrativas central, colonial, capitanial e local. Aquelas incorporadas adquiriam o estatuto de capitanias reais ou da Coroa e foram subdividas em gerais (ou principais) e subordinadas.

337 Ibidem, p. 68-79.

338 Ibidem, p. 259. Cf. análise sobre funções e significados dos títulos governador geral e capitão-mor. Ibidem,

p. 142-162;

339 LISBOA apud SILVA CAMPOS, J. Crônicas da Capitania..., 2006. p. 21. 340SILVA CAMPOS, 2006, p. 21-27; SALDANHA, 2001, p. 75.

341 SALDANHA, 2001, p. 101.

As capitanias gerais eram os espaços políticos dos governadores-generais e dos capitães-mores encarregados da administração civil e militar, com jurisdição, em tese, sobre as vilas através das câmaras. O governador acumulava a função militar de capitão-general na Capitania da Bahia e, segundo Puntoni343, nas duas outras principais, Rio de Janeiro (1697) e Pernambuco (1714). Nas subordinadas, o capitão-mor era a autoridade maior da administração, acumulava as funções militar e administrativa. Eram nomeados pelo rei ou pelo governador a quem estavam subordinados, por um mandato de três anos, e desempenhavam funções de acordo com seus regimentos344. Seus poderes eram limitados pela

vigilância da Metrópole e outros agentes régios, especialmente os do Tribunal da Relação, órgão judiciário e administrativo, ao mesmo tempo345. As atribuições dos capitães-generais

equivaliam, na sua jurisdição, às do governador geral ou vice-rei da Capitania da Bahia, embora submetidos à superintendência deste346.

Nas capitanias privadas o donatário exercia sua autoridade sobre as vilas estabelecidas por ele. Podendo residir em Portugal, nomeavam um ouvidor e um capitão-mor para administrarem como seus prepostos, sendo que alguns deles acumularam ambos os cargos. Os

343 PUNTONI, O governo geral e o Estado do Brasil..., In: SCHWARTZ; Erik Myrup (org.). O Brasil no

império marítimo português. 2009. p. 71-73. Sobre as funções e poderes do governador, que suplantaram o primitivo regimento de Thomé de Souza, foi adotado no governo de Roque da Costa Barreto da Bahia (1677). Ver também: VARNHAGEN, 1857, p. 75-80. v. 2.

344 Na Capitania da Bahia e, posteriormente, do Rio de Janeiro, sede do governo geral, o vice-rei acumulava a

função de governador geral da capitania. Sobre as atribuições do vice-rei, destacam-se algumas relacionadas à

defesa e aos indígenas: “defesa (capítulo 3); organizar e supervisionar as milícias e ordenanças, nomear os oficiais (capítulo 15 e 16); – determinar providências para conversão e aldeamento dos índios e atuar na administração das aldeias existentes (capítulos 3 e 4); controlar o relacionamento dos proprietários com os índios, de forma a evitar os abusos (capítulo 22); em caso de conflito, dessem as ‘providências com toda a moderação’, para evitar a exploração dos indígenas (capítulo 16); proibir a venda de armas aos indígenas e verificar se os juízes de fora, em suas devassas anuais, referiam-se a isto (capítulo 23); distribuir terras em sesmarias (capítulo 24)”. Cf. WEHLING, A. Administração portuguesa no Brasil ..., 1986. v. 6. p. 47/48.

345 O governador participava como presidente nesses órgãos judiciários, embora os demais membros não fossem

seus subordinados. O Tribunal da Relação da Bahia foi implantado no século XVII, em 1609. Suprimido em 1626 e reinstalada em 1652 sem que houvesse prejuízo do sistema judicial da Ouvidoria Geral e das ouvidorias das capitanias.

346 De 1720 a 1808, os governadores-gerais do Brasil também ostentaram a patente de vice-rei. Pelos regimentos

que regulamentavam as relações com os eixos administrativos básicos: guerra, justiça, clero e fisco, as atribuições dos governadores das grandes capitanias eram iguais ao do vice-rei, às vezes até maiores. Já os capitães-mores das subalternas tinham atribuições diferentes, sendo o governador independente das capitanias gerais e do vice-rei, resultando em conflitos sobre jurisdição, entre outros. Eram capitanias subalternas: São José do Rio Negro, Piauí, Ceará, Paraíba – estas duas foram tornadas autônomas depois de 1799 – Rio Grande do Norte, Espírito Santo, Santa Catarina e Rio Grande de São Pedro – esta elevada à capitania geral em 1807. WEHLING, 1986, p. 49-50. O autor aborda o período pós-pombalino, não mencionando a situação administrativa das capitanias de Ilhéus e Porto Seguro, anexadas à da Bahia. Segundo Puntoni (2009, p. 39-74, 57), os capitães-mores eram os governadores administrativos e militares das principais e quando reais, tinham jurisdição sobre as subordinadas.

ouvidores eram nomeados por um período de três anos, embora, na prática, a duração do mandato fosse mais prolongado. Detinham as mesmas atribuições, voltadas à aplicação da justiça, conforme as Ordenações do Reino, embora limitadas ao espaço jurídico da capitania. Eles realizavam as eleições nas vilas, forneciam as “cartas de usança” aos vereadores e juízes eleitos, fiscalizavam a administração local (especialmente no tocante aos rendimentos das câmaras: arrecadações dos arrendamentos, impostos e taxas), contratavam funcionários e oficiais, indicavam nomes para os cargos militares e providenciavam as obras e serviços públicos de infraestrutura e defesa.

A centralização do poder real era a garantia do controle e observância das leis por parte das autoridades e súditos em todos os domínios. Segundo explicação de Schwartz347,

com o governo geral (1548), as modificações mais contundentes na estrutura administrativa abrangeram a esfera judicial, vinculando a Colônia à lei portuguesa, uma vez que, essa se tornou a lei nos territórios recém-conquistados. Foi criada a Ouvidoria Geral e estabelecido o cargo de ouvidor geral que, com os seus subordinados assumiram a administração da justiça, exceto nas donatarias, uma vez que foi mantido o privilégio aos donatários de nomearem o ouvidor e se pressupunha que aplicassem as leis portuguesas. No entanto, de acordo com o regimento da ouvidoria geral, o indicado deveria ser legitimado no cargo pelo governador geral que poderia rejeitar e nomear outro, como ocorreu em Ilhéus, em 1666.

Desde então a administração da justiça na colônia foi estruturada nos moldes de Portugal e era hierarquizada em instâncias e áreas administrativas limitadas ao governo geral, às capitanias e aos municípios. As instâncias judiciais eram as povoações, os municípios e as comarcas. As povoações ou lugares eram as instâncias de um juiz de vintena, escolhido pelos moradores do lugar e pela câmara mais próxima; os termos das vilas (municípios) se constituíam nas instâncias dos juízes ordinários eleitos pela câmara municipal. As comarcas representavam as divisões judiciais das capitanias que possuíam um ouvidor próprio, sendo a capitania geral a instância do ouvidor geral348.

Os historiadores se dividem ao explicarem as razões da reestruturação administrativa e a centralização do poder com a instalação do governo geral, uns propugnam a defesa da posse

347 SCHWARTZ, S. Burocracia e sociedade ..., 1979, p. 23-24; PUNTONI, 2009, p. 61-62.

348 Até o século XVIII cada Capitania possuía apenas uma Comarca, exceto São Paulo e Pernambuco que

do território e outros o controle dos donatários. Ricupero349 compartilha da tese de Varnhagen

argumentando sobre a necessidade de defesa interna e externa. Internamente, os conflitos entre os colonos e os indígenas haviam se acirrado com a ocupação permanente. Os índios aliados se recusavam trabalhar continuamente em troca de produtos e mercadorias sem valor, os portugueses ampliaram a escravidão, capturando-os para vendê-los distante dos locais onde foram preados. Segundo o autor350, a defesa da posse determinou as diversas medidas que foram adotadas pelo governo geral para combater os inimigos externos, a resistência dos índios e a instabilidade reinante ao longo da costa litorânea.

Nesse sentido, Ricupero discorda da tese adotada por Saldanha351 sobre a centralização

administrativa como um meio de controle sobre os donatários. Argumenta que o novo sistema de governo se sobrepôs sem extinguir as capitanias hereditárias, que foram, paulatinamente, perdendo importância, mas, somente extintas no século XVIII. Para o autor, as principais medidas adotadas foram, além da incorporação de algumas capitanias, primeiramente a da Bahia, comprada para instalação da sede do governo, a submissão do judiciário das particulares ao governo metropolitano com a entrada dos “corregedores”.

De fato, desde a instalação do governo geral, especialmente na administração de Men de Sá e durante o reinado de dom Sebastião (1557-1568), alguns direitos dos donatários foram revogados, permitindo à Coroa manter poder de intervenção. Foi revogado por Provisão, em 20 de março de 1570, o direito dos donatários e seus sucessores de enviarem para o reino até 24 escravos da terra, ou seja, índios. Foi restringida a autonomia para aplicação da justiça, estendendo aos réus o direito de apelação à instância de maior alçada, e, legitimada a autoridade do ouvidor/corregedor nas terras da capitania, sempre que parecesse necessária ao cumprimento dos serviços reais352. Ficou preservada a autoridade e a garantia dos direitos de posse do donatário e a sua competência, exclusiva em: doar sesmarias e criar vilas em suas

349 RICUPERO, R. A formação da elite colonial..., 2009a. p. 100-102. ______. Poder e patrimônio ...., In:

SOUZA, L.M.; FURTADO, J. F.; BICALHO, M. F. (orgs.). O governo dos povos. 2009. p. 355-370.

350 RICUPERO, 2009. 351 SALDANHA, 2001.

352 Na Capitania de Ilhéus foi mantido o privilégio de não serem permitidas as correições, conforme consta no

processo de confirmação da sucessão mencionado. Outra forma de conter o poder do donatário era através dos Conselhios. ADAN, 2009. p. 34. SALDANHA, 2001, p. 56-58, 317-323, 382.

possessões, os direitos de cobrar as taxas e impostos, o recebimento de parte das rendas devidas a Coroa, e as isenções de taxas relativas a vendas de escravos353.

A autonomia e os amplos direitos preservados aos donatários não se aplicavam a área fazendária e as questões envolvendo eclesiásticos, incluindo os aldeamentos e demais negócios da Companhia de Jesus354. Segundo Stuart Schwartz355, nas capitanias menores a principal fonte de arrecadação era o dízimo, um imposto eclesiástico que incidia sobre a produção total de cada vila. Era arrecado na Colônia pelo governo através da provedoria e destinado à remuneração dos religiosos, oficiais e militares. Anualmente, a Provedoria lançava um orçamento para a arrecadação, conforme o exemplo da Capitania de Ilhéus, em 1611.

A renda dos dízimos da Capitania [...] 650 cruzeiros [segundo o autor, não foi contabilizado a previsão da arrecadação de Tinharé e de Boipeba]. A despesa era esta. Igreja: vigário da vila de São Jorge, 50$000; coadjutor, 25$000; e ordinários 23$920. Total 98$920 anuais. Fazenda: provedor, almoxarife e escrivão da fazenda, porteiro e escrivão da alfândega, 25$133. Redízima do donatário, 26$000. Total da despesa, 150$153356.

Anos mais tarde, o ouvidor da Comarca de Ilhéus, Balthasar da Silva Lisboa, constatou que desde o ano de 1700 as nomeações dos empregados eram feitas pelo rei, ou pelo governador geral e vice-rei da Bahia, que

pagava ao vigário da matriz da vila de São Jorge côngrua de 73$920 rs, ao coadjutor 25$00 rs, ao recebedor da fábrica 8, ao procurador do donatário 200$000 rs, de 10% do preço de 2:070$000rs, entre outros funcionários357.

353 BIBLIOTECA NACIONAL (Rio de Janeiro). Anais da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, 1915. v.

18. p. 217. CARTA de confirmação por sucessão passada a D. Anna Maria de Atayde e Castro. Lisboa, 13 de julho de 1726, despachada pelo Conselho Ultramarino no mesmo ano, e o “cumprasse” pelo vice-rei, Bahia, 31 de maio de 1728. BN (RJ). ABN. Catálogo descritivo. p. 213-237. v.18. Esse catálogo relaciona os documentos relativos às posses ocorridas na Capitania de Ilhéus, entre 1534 e 1726, e parte do processo de embargo da arrematação da Capitania que fazem parte das 99 páginas do Códice 505-603. Alguns trabalhos que mencionam essa documentação está em: SILVA CAMPOS, 2006, p. 161-165; SALDANHA, 2001, p. 43; ADAN, 2009, p. 36.

354 SALGADO, op. cit., p. 66-69, 74. Salgado menciona apenas a área fazendária. Na síntese sobre

“administração nas Capitanias” não aborda as donatarias privadas.

355 SCHWARTZ, Segredos internos..., 1988. p. 154-156, discute a impropriedade de se adotar os dados

referentes a arrecadação dos dízimos como indicadores da produção, apresentando alguns dados e informações sobre a composição e a forma de arrecadação na Bahia, século XVII. Sobre o dízimo ver a análise de Assunção que insere a questão na estrutura do padroado. Especificamente sobre a estrutura do padroado, ver: ASSUNÇÃO, P. Negócios jesuíticos..., 2009. p. 89-97. Sobre o padroado ver: BOXER, O império marítimo ..., 2002, p. 242.

356 SILVA CAMPOS, 2006, p. 160.

357 ABN-RJ. 1914, v. 36: Inventário dos documentos relativos à Bahia existentes no Arquivo de Marinha e

Ultramar de Lisboa organizado para Biblioteca nacional do Rio de Janeiro por Eduardo de Castro e Almeida. Volume 4, Bahia, 1798-1800. Rio de Janeiro: Oficinas Gráficas da Biblioteca Nacional, 1916: Doc. 19.208:

Assim, na prática, a administração central mantinha a prerrogativa de intervir nas capitanias privadas. Existiam inúmeras formas de limitar o poder do donatário e das autoridades locais, e das câmaras das vilas mais abastadas, que pressionavam o governo a adotar medidas mais de acordo com os interesses dos grupos dominantes. A Coroa intervinha especialmente nas questões de defesa frente aos conflitos internos e externos, inclusive nos casos de crise alimentar para conter os riscos de convulsão social, comumente desencadeadas por escassez de alimentos.

5.1 OCUPAÇÃO COLONIAL DA CAPITANIA E A DEFINIÇÃO DE PERFIL

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