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3.3 O TRIBUNAL DO CONSELHO EM AÇÃO

3.3.1 Os aldeamentos dos jesuítas: requerendo informações

Para o estabelecimento da vila de Abrantes e do governo da Câmara, o juiz Bittencourt e Sá contou com a presença de um tabelião contratado para fazer os termos de criação da vila, da eleição e da posse dos vereadores, juiz ordinário e procurador228. Uma vez estabelecida a

vila e o governo, prosseguiu na tarefa da demarcação das terras que formariam o termo da vila. Esse ato foi complicado, desencadeando inúmeros questionamentos.

A maior dúvida do juiz foi sobre a extensão das terras que pertenciam aos índios. Pela característica do problema e a probabilidade do mesmo vir a ocorrer em todas as aldeias, o Conselho se antecipou e tomou a seguinte providência: designou, por portaria, o juiz do cível e do crime, Antônio José dos Reis Pinto e Souza, para encaminhar a questão junto ao padre provincial da Companhia de Jesus, em Salvador. Na provisão, o juiz Antônio Souza como

227 AHU, doc. 10701. CONSULTA, fl. 8, 9 (CD 17, 142, 2, p. 0254). Sobre o estabelecimento da vila de

Abrantes, diversos documentos produzidos durante o processo constam como anexos à essa Consulta e digitalizados em: Avulsos_Baia, 17, 142, 2, p. 0368 a 0400; continuação em: Avulsos_Baia, 17, 142, 3, doc. 0401 a 0408. Os anexos numerados de 08 a 18 se referem aos trabalhos do juiz Bettencourt, por exemplo, o anexo n. 09 é o manuscrito “Respostas aos quesitos feito na Instrução de se erigir em vila a Aldeia chamada

Espírito Santo” (Avulsos_Baia, 17, 142, 2, p.0377).

228 AHU, doc. 10701. CONSULTA, fl. 8, 9 (CD 17, 142, 2, p. 0254). Anexo 10: Tabelião nomeado para a

diligência de ereção da vila de Abrantes; e Termo de eleição dos oficiais; Anexo 12: Termo de posse; Anexo

13: Nomes dos vereadores e oficiais. Abrantes, Bahia, 10/10/1758. (Avulsos_Baia, 17, 142, 2, p. 0387; 0391; 0393)

será referido daqui em diante, recebeu autorização para comunicar ao provincial, padre João Honorato, a ordem do Tribunal de que os missionários jesuítas deveriam entregar os títulos das terras das aldeias que administravam aos respectivos “ministros” encarregados de estabelecer as vilas naquelas localidades229.

Entretanto, o trabalho desse juiz para conseguir os documentos das aldeias no Colégio da Companhia de Jesus, na Bahia, não foi muito fácil. Apesar da “boa vontade” do provincial em atender a “todas as ordens”, alegou ser impossível cumpri-las no curto prazo demandado pelo Conselho para dar prosseguimento às reformas. Ele exprimiu diversas dúvidas que atrasavam suas providências, por exemplo, quais aldeias estavam incluídas na ordem para que pudesse, então, providenciar os títulos.

Além dos títulos, surgiram outras demandas no decorrer dos trabalhos dos conselheiros, como a necessidade de terem acesso aos registros das rendas e outras informações administrativas dos jesuítas. Os conselheiros determinaram o juiz Antônio Souza para atuar junto ao provincial, visando obter todas as informações necessárias. Encaminharam por despacho uma relação das aldeias situadas no distrito da Comarca da Bahia, incluindo a solicitação de todos os livros das mesmas para serem entregue ao juiz ou aos ministros encarregados de criar as vilas.

Após os devidos aclaramentos, o provincial enviou uma nova carta, conforme citação abaixo, ao juiz para que esse informasse sobre os títulos das terras dos aldeamentos.

Resposta do provincial da Companhia230.

Senhor. Sendo notificado por parte de V. Majestade para apresentar os títulos das Aldeias que a Companhia nesta Capitania da Bahia administrou até o presente, se faz preciso declarar a V. Majestade que os tais títulos, ou podem ser das terras das Aldeias, ou da administração da Companhia, se são os títulos das terras declaro que no cartório deste Colégio não se acha sesmaria alguma pertencente as terras dos Índios da administração. Uma que neste se achava das terras da Aldeia do Espírito Santo, vizinha a esta Cidade por supor na presente ocasião seria necessária na mesma Aldeia, se remeteu para lá nesta semana proximamente passada.

Das duas Aldeias do Maraú, e [Cirinhae (Serinhaém?)] no Camamu, nunca houve títulos, mas como eram administradas pelos Padres deste Colégio, o mesmo

229 AHU, doc. 10701. CONSULTA, fl. 9 (CD 17, 142, 2, p. 0254). Anexo 19. Portaria de 13/11/1758. Anexo

22: Provisão ao juiz solicitar os títulos ao provincial, 18/09/1758. Anexo 23: Nova provisão ao juiz solicitar os títulos ao provincial com resposta do provincial. 03/11/1758. (Avulsos_Baia, 17, 142, 2, p. 0319, continuação

em: Avulsos_Baia, 17, 142, 3, p. 0408; 0411; 0412; 0529.

230 AHU, doc. 10701. CONSULTA, fl. 10 (CD 17, 142, 2, p. 0255). Anexo 21( 23 e 24): Resposta do

provincial p. João Honorato, da Província do Brasil, sobre os títulos das terras das aldeias administradas pelos Jesuítas. Bahia, 15/10/1758. (Avulsos_Baia, 17, 142, 3, p. 0530).

Colégio nas suas terras do [dito] Camamu lhes assinalou distrito, em que pudessem lavrar231.

Das quatro Aldeias do Sertão, a saber, da Canabrava, Natuba, Saco e Jurú não consta que tenham sesmaria alguma.

A Aldeia nova dos Gréns ainda não tem terras assinaladas, pela mesma razão de nova.

Da Aldeia de N. Senhora da Escada nos Ilhéus também se não acha papel algum neste cartório do Colégio, supõem-se porém, que lá mesmo estarão os seus títulos.

O mesmo se supõem das duas Aldeias de São João e Patiba na Capitania de Porto Seguro.

As Aldeias de Reis Magos e Jereritiba pertencem a administração do Colégio da Capitania do Espírito Santo, e nele que nas mesmas Aldeias se hão de achar seus títulos.

Se são os títulos da administração estes não são outros, senão muitas leis, Alvarás, cartas Provisões de V. Majestade, dos Governadores, e Câmara desta Cidade as quais todas se acham registradas na Secretaria do Estado, Livros da dita Câmara; e no ativo deste Colégio apenas se acham as que apresento a costadas a minha declaração, e postas por seus números a margem dela232 (grifos nossos).

Em relação às informações prestadas na carta sobre a inexistência dos títulos das terras, o ouvidor Luis Freire de Veras confirmou o fato quando foi estabelecer as vilas nas aldeias da Capitania de Ilhéus. No caso dos aldeamentos da capitania de Porto Seguro, que não eram da jurisdição do Arcebispado da Bahia, a situação era diferente. Existiam dois títulos de doação de sesmaria aos índios das aldeias de São João e do Espírito Santo (Patativa), um deles de 10 de janeiro de 1685, destinando-lhes quatro léguas em quadra, duas para cada aldeia233.

A justificativa para a petição, encaminhada pelo provincial da Companhia de Jesus, naquele período, afirmava ter ele visitado a referida capitania, oportunidade aproveitada pelos índios, das duas aldeias, para expor a situação em que se encontravam,

lavrando nas terras dos brancos por não se lhes haver consignado terra própria onde lavrarem; e por isto se de um grande detrimento seu, e os Senhores Reis de Portugal, lhes mandar dar terras onde facão suas lavouras para si e seus filhos234.

231 Ibidem. Os dois aldeamentos ficavam dentro dos limites da sesmaria das doze léguas doadas pelo governador

Men de Sá ao Colégio da Bahia e serão analisados na segunda parte desta tese.

232 Ibidem. Anexo N. 21. Resposta do provincial [...]. 233 Mencionada por FREIRE, 1998, p. 53.

234 ARQUIVO NACIONAL DO RIO DE JANEIRO (Brasil) (ANRJ). SINOPSE das sesmarias registradas no

arquivo da Tesouraria da Fazenda da Bahia. Códice 155, datas: 1534-1828. Fundo: Tesouraria da Fazenda da Província da Bahia. Código do Fundo: BX. LIVRO de registro de datas e demarcação de sesmarias. Códice: 427, vol. I, datas: 1671-1690; fundo: Tesouraria da Fazenda da Província da Bahia. Código do Fundo: BX. Mencionada por FREIRE, 1998, p. 115, com a data de 12 de março de 1711, citando os nomes dos principais capitães da aldeia.

O outro título, de 1688, registrava uma sesmaria de cinco léguas de comprimento e uma légua de largura, requerido pelos principais da aldeia do Espírito Santo (Patativa). Nesse registro não há referencia à doação anterior235.

As informações sobre os títulos das terras das aldeias suscitaram novas questões a serem esclarecidas pelo Tribunal do Conselho, relacionadas à organização administrativa seguida pelos jesuítas. O juiz Antônio Souza requereu, então, que fossem disponibilizados os livros de Tombo das Aldeias e demais bens da Companhia de Jesus. Respondendo, por carta, o provincial cientificou outros aspectos bastante interessantes para o entendimento dessa matéria. Primeiramente, como era de praxe, manifestou disposição para executar as ordens, porém, estava com dúvidas quanto aos livros pertencentes às missões que deveria entregar. A dúvida, explicou ele, decorria da existência de várias “espécies” de livros – “livros gerais de Procuratura em que se compreendem os rendimentos, e haveres de todas as Missões, e rendas de suas Igrejas, ou os Livros de arrendamentos, ou os de casamentos, batizados, óbitos”236.

(grifos nossos).

Na carta, o provincial afirmou que os livros “da primeira espécie”, os de Procuratura, nunca foram utilizados na Bahia. Admitiu manter no Colégio da Cidade um livro em que se registraram “os cem mil réis anuais que se manda distribuir e repartir por todas as dez Igrejas das Aldeias da administração do mesmo Colégio”237. Reafirmou que não recebiam côngrua alguma para sustento dos missionários.

Sobre os livros da “segunda espécie” – registro dos gastos domésticos – ele acreditava que apenas a aldeia do Espírito Santo poderia tê-lo. As demais enviavam os dados ao provincial por cartas, ou cadernos, nos quais “lançavam promiscuamente alguns rendimentos das suas lavouras, criações, esmolas e gastos de casa, da Igreja, e com Índios”238.

Os livros da “terceira espécie”, de arrendamentos, segundo o provincial, não existiam separadamente para cada aldeamento, “por que sendo a do Espírito Santo a única que em se continha maior ‘cópia’ [quantidade] de arrendatários, tudo se costumava lançar em um único

235 Ibidem.

236 AHU, doc. 10701. CONSULTA, fl. 10 (CD 17, 142, 2, p. 0255). Anexos n. 32. CARTA (cópia) do Conselho

relatando as diligências do Juiz do cível junto ao provincial. Bahia, 28/11/1758; Anexo n. 49. Sobre os livros das Aldeias; despacho e resposta do provincial. Bahia, 02/12/1758. (Avulsos, 17, 142, 3, p. 0433; 0470).

237 Ibidem. 238 Ibidem.

só livro da casa”239 (grifos nossos). E quanto aos livros de batizado, casamentos e óbitos,

“também era certo que os havia nas missões; posto que não estivessem com aquela formalidade, que praticam os Vigários Seculares”240. O provincial concluiu sua missiva afirmando ter enviado ordens para que todos os missionários providenciassem os livros disponíveis e os entregassem aos ministros nomeados, conforme ordenado pelo Conselho241.

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