• Nenhum resultado encontrado

6.1 OS ALDEAMENTOS SOB A ADMINISTRAÇÃO DOS JESUÍTAS NA

6.1.1 A estrutura interna dos aldeamentos

Os jesuítas pregavam e batizavam os índios em peregrinações pelas aldeias e um novo modelo de catequese foi projetado por Manuel da Nóbrega, justificado pelo agravamento dos conflitos e ineficácia dos batismos em massa e das missões volantes. Segundo sua análise, os índios recebiam o batismo, mas, não renunciavam aos costumes considerados pagãos e, sequer reduziam a confiança que depositavam em seus pajés. Para a conversão dos índios defendia a necessidade de empreender a catequese como a principal obra missionária. Essa preocupação era corrente na América espanhola e entre as cúpulas da Igreja e da Companhia que, segundo Pompa465, já debatiam a necessidade de uma reforma geral para realizar a

conversão dos gentios.

O padre Manuel da Nóbrega, em 1556, elaborou um projeto de conversão fundamentado na ação realizada por ele em São Vicente. No ano de 1553, os jesuítas haviam decidido reunir três tribos distantes uma das outras em um mesmo lugar conhecido como Piratininga, mais tarde São Paulo. Nóbrega apresentou essa nova metodologia no Plano Civilizador, propondo reunir os índios em um só lugar ao invés de os missionários percorrerem as aldeias466.

De acordo com Eisenberg467, o plano civilizador de Nóbrega baseava-se no sistema de encomienda espanhola, adaptado à realidade da colonização portuguesa no Brasil. Conforme o sistema da Coroa espanhola, ela se encarregava de distribuir os índios entre os colonos sob a obrigação de pagarem a eles um salário pelos serviços prestados. Dessa forma, os nativos eram supostamente protegidos contra a escravização. No entanto, para conservar a liberdade e proteção contra os colonos, os índios deveriam se submeter aos missionários e a viverem nas “Aldeias” por eles administradas, um meio mais eficaz para convertê-los ao cristianismo

465 POMPA, C. Religião como tradução..., 2003. p. 60-70.

466 EISENBERG, J. As missões jesuíticas e o pensamento político moderno..., 2000. p. 89-92. Na sua obra

constam como apêndices: O Plano civilizador - Carta do P. Manuel da Nóbrega ao p. Miguel de Torres, Lisboa [Baía 8 de maio de 1558], p. 238-246 e, Diálogo sobre a conversão do gentio [Baía 1556-1557], p. 222-237. O

Diálogo pode ser encontrado em NOBREGA, M. 1931, p. 229-245.

católico. No plano original, a submissão era prevista como ato voluntário dos índios, porém, persuadidos pelo medo da guerra, dos colonos e da escravização.

Na instituição (aldeias) criada por Nóbrega, uma especificidade brasileira segundo Pompa468, os índios ficariam sob a supervisão direta dos jesuítas, mas os missionários não poderiam exercer a autoridade secular, civil ou temporal. Esse poder seria da alçada de um protetor, um colono cristão, escolhido pelos padres e aprovado pelo governador, “cujo trabalho era punir os índios em caso de violação das regras e protegê-lo contra ataques dos colonos”469. Com o desenvolvimento do projeto, o cargo de protetor, ocupado por um colono,

foi extinto e substituído pelo posto de meirinho, ocupado por um índio escolhido entre os chefes dos grupos forçados a viverem na aldeia. Essa solução desencadeou conflitos entre os diversos chefes tribais e rebeliões lideradas por meirinhos, além da tendência de eles voltarem a viver de acordo com os seus costumes. Assim, por todo o século XVI, esse poder oscilou entre um colono protetor e um meirinho indígena470. Em 1611, pelo Regimento das Missões,

os jesuítas foram autorizados a exercer o poder temporal e espiritual nas aldeias, autoridade renovada pelo Regimento das Missões de 1686. Para a administração interna dos aldeamentos, os missionários continuaram contando com o “auxílio direto dos próprios índios nomeados para os vários cargos no interior das aldeias”471.

O projeto inicial de Nóbrega foi sendo reelaborado, sob a influência do pragmatismo da Companhia de Jesus, visando sua adequação à realidade do Brasil colonial, as reflexões teológicas que se realizavam na Igreja e as Constituições da Ordem. Embora mantendo as bases, as principais alterações foram internas à Companhia e voltadas a manter o controle sobre os missionários e deles sobre os índios e, a adaptação às reflexões da Igreja sobre o tema da evangelização472. Pompa menciona o Regulamento do Visitador Cristóvão de Gouveia (1586) que reforçava a ligação entre a aldeia e o Colégio do qual dependia, através das visitas anuais e da renovação dos votos do missionário. O controle sobre os índios era exercido “em todos os espaços e em todas as dimensões da vida social” 473, através da visita

468 POMPA, 2003, p. 68, 69; 57-97. Ver especialmente a análise sobre as missões no Brasil. 469 EISENBERG, 2000, p. 113.

470 Ibidem, p. 128-9. 471 ALMEIDA, 2001, p. 134

472 ALMEIDA, M. R. C., Tirando frutos de uma vinha estéril..., Tempo, 2006. 473 POMPA, 2003, p. 71.

semanal às casas, a necessidade de autorização para sair das aldeias e a própria pedagogia religiosa, baseada na repetição da doutrina e das cerimônias do culto apostólico.

Outra reformulação, originada da terceira visita do padre Manuel de Lima (1607- 1609), foi dirigida para um maior fechamento das aldeias ao mundo externo e o isolamento dos missionários entre a população indígena. A resposta dos missionários do Brasil destacou- se no sentido de reforçar a importância econômica e política dos aldeamentos para a colonização, e, em relação à cultura indígena, defendendo um posicionamento contrário ao de Nóbrega que considerava os costumes indígenas como obstáculos a catequese e conversão. O documento pregava uma prática mais voltada ao respeito pelos valores indígenas e indicava novos caminhos para evangelização, onde a aldeia poderia, inclusive, se tornar seminômade474. Reflexos dessa mudança foram visíveis no século XVII, com as Instruções,

resultado da visita de Jacinto de Magistris (1662), no qual se recomendava a retomada do espírito das missões e da catequese com índios e negros, incentivando a criação das missões no sertão475.

Em relação ao poder temporal e a administração das aldeias, após a instalação da Província sediada no Colégio da Cidade da Bahia (Salvador), foram feitas novas adaptações atendendo o crescimento e fortalecimento da Companhia de Jesus. Foram introduzidas mudanças na empresa de catequese, ajustando-se a legislação indigenista decretada pela Coroa, aos conflitos e disputas por mão de obra e terras com colonos, índios, autoridades e religiosos.

Até a decretação do conjunto de leis de 6 e 7 de junho de 1755, era o Regimento das Missões de 21 de dezembro de 1686 que normatizava e oficializava a atuação das autoridades civis e religiosas com relação aos índios. O regimento, ao tempo que apregoava a liberdade dos índios aldeados, garantia e exclusividade e autonomia da Companhia de Jesus na administração temporal e espiritual dos aldeamentos, proibia a entrada de colonos portugueses nesses espaços, criava o cargo de procurador dos índios e, de maneira mais pormenorizada, regulamentava a repartição dos aldeados para servir de mão de obra aos particulares, aos religiosos e ao governo476. Na Capitania da Bahia, o procurador dos índios era nomeado pelo

474 Ibidem, p. 74. 475 Ibidem, p. 75.

governador geral, mas não foi encontrada nenhuma evidência de sua atuação nos aldeamentos da Capitania de Ilhéus.

Em 1759, o ouvidor Freire de Veras constatou que os três aldeamentos estavam organizados e possuíam as três esferas do poder (civil incluindo a justiça, espiritual e militar) embora submetidas à autoridade superior do missionário, um em cada aldeamento. A esfera civil e religiosa era exclusividade do missionário. Na esfera militar, os aldeamentos estavam sob a alçada do capitão-mor da capitania, e, dos capitães das ordenanças das vilas de Ilhéus e Camamu. Todavia, esses oficiais cumpriam as determinações dos missionários.

No judicial, não havia juiz ordinário, escrivão ou outros oficiais, mas existia em cada aldeamento, conforme a estrutura própria da Companhia, um meirinho e um ouvidor, ambos indígenas. Os índios informaram que a atuação desses oficiais era mais disciplinar e interna ao aldeamento. Eles não julgavam ou sentenciavam nenhum processo, mas, eram os encarregados de acompanhar as mulheres que estavam a serviço dos missionários. O missionário julgava e resolvia as dúvidas e conflitos que havia entre os índios, “verbalmente, tanto no crime, como no cível, por cuja razão não há cartório”477. Os castigos aplicados de

acordo com os crimes eram açoites, palmatórias, tronco e “extermínios”.

6.2 A ATUAÇÃO DOS JESUÍTAS NOS ALDEAMENTOS DA CAPITANIA DE ILHÉUS

Documentos relacionados