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A autoria do Diretório dos Índios é atribuída ao governador geral do Maranhão e Grão-Pará, Francisco de Mendonça Furtado. Composto por 95 parágrafos, apregoava os fundamentos da política da Coroa portuguesa de integração dos índios e os procedimentos para transformá-los em vassalos iguais aos demais. Esse decreto real, complexo, incorporou todas as leis e políticas que haviam sido decretadas nas capitanias do Norte, desde 1755, consolidando-se como uma lei geral que objetivava regulamentar as relações envolvendo os indígenas, os vassalos luso-brasileiros e portugueses e o Estado português306.

305 AHU_CU_BA, cx.23, doc. 4256 [Castro e Almeida, CD. 03, 20, 02, doc. 0393, continuação em: CD. 03, 20,

03, doc. 0401]. PARECER do Conselho Ultramarino da Bahia sobre os parágrafos do Diretório para regime

dos Índios das aldeias das Capitanias do Pará e do Maranhão, aprovado por Alvará régio de 17 de agosto de

1758 e que podiam ser aplicáveis aos Índios do Estado do Brasil. Bahia, 19 de maio de 1759: Anexo ao doc. n.

4255. OFÍCIO do vice-rei conde dos Arcos para Thomé Joaquim da Corte Real, em que se refere ao parecer que o Conselho Ultramarino [...].

Essa abrangência do Diretório permite sua definição como legislação e como uma política de civilização dos índios, sendo mais comumente marcado pelo significado e objetivos pretendidos. Apenas citando algumas, o Diretório foi “um documento jurídico que regulamentou as ações colonizadoras dirigidas aos índios, entre os anos de 1757 e 1758”307; uma “estrutura legislativa que suportou o programa civilizacional do Estado português em terras do Norte brasileiro, o qual visava a transformação dos ameríndios e vassalos portugueses e em católicos fiéis”308; um “conjunto de medidas que projetavam regular a liberdade concedida aos índios”309 pela lei de liberdade; uma “legislação referente aos índios

que passou a regular a vida e as atividades dos aldeados”310 e “lei reguladora da liberdade dos

índios”311.

Existe consenso entre os pesquisadores em considerar que a compreensão do Diretório dos Índios não pode ser desvinculada da sua origem e como lei integrante desse conjunto legislativo, mas existem algumas divergências quanto às razões que levaram à elaboração e decretação. De acordo com Coelho312 o Diretório não deve ser reduzido apenas a legislação

formulada no bojo da política centralizadora e de base ilustrada, nem apenas como uma lei pensada e decretada pela metrópole, visando atender suas demandas e seus interesses sobrepostos aos interesses e demandas da Colônia313. Coelho defende que o Diretório dos

Índios compreende um conjunto de regras e pretendeu regular a liberdade concedida aos índios, mas sua elaboração e decretação ocorreram em função do reconhecimento, por parte das autoridades reais, de aspectos importantes vividos pela sociedade amazônica, tais como: a dependência da mão de obra indígena, a necessidade de eliminar o poder dos missionários junto às populações indígenas e a necessidade de “minimizar a resistência dos colonos em se submeter às políticas pombalinas, em especial às que se relacionavam às populações indígenas”314. Conclui que o Diretório não havia sido projetado no âmago das reformas

307 ALMEIDA, 1997, p. 14. 308 DOMINGUES, 2000, p. 65. 309 COELHO, 2005, p. 24-25, 36.

310 ALMEIDA, M. R. C. Os índios na história do Brasil. 2012. p. 109.

311 LOPES, F. M. Privilégios e isenções dos principais indígenas..., 2011. p. 1-23. 312 COELHO, 2005.

313 Menciona entre os diversos trabalhos, ALMEIDA, M. R. C. Os vassalos D’El Rey ..., 1990. (Dissertação). 314 COELHO, 2005.

derivadas com a aplicação da Lei de Liberdade e da oficialização dos casamentos mistos. Foi posterior e representou um retrocesso em relação às medidas decretadas.

Ângela Domingues315 propõe considerar o Diretório inserido no processo histórico que correspondia ao contexto do Norte e às demandas da Coroa. O governador Francisco Xavier Mendonça Furtado já desenvolvia políticas visando o cumprimento das leis relativas à regulamentação da liberdade e integração dos índios conforme as instruções emitidas para seu governo desde 1751. O conjunto legislativo promulgado no período de 1755 a 1757 foi resultado desse processo, e a decretação da liberdade dos índios foi um fator político, jurídico e militar da coroa. Foi importante em relação à manutenção de seu controle no Norte, neutralizando a ação dos indivíduos que praticavam o tráfico indígena, e a ação das Ordens religiosas que mantinham o controle sobre os índios aldeados. Sob outro aspecto, Portugal necessitava ocupar o território com seus vassalos leais, e dessa maneira incentivava a imigração portuguesa e os casamentos mistos. Sugere, portanto, que os índios foram considerados um dos sustentáculos da política colonial para o Norte, justificando a declaração da igualdade entre todos os vassalos316.

Os colonos não aceitavam ser equiparados aos índios como vassalos e, principalmente, sentiram-se lesados com a Lei de Liberdade dos Índios. As implicações exigiram um aparato governamental disposto e com recursos necessários para concretizar as medidas. Essa complexa realidade gerou apreensões, por parte do governo, a respeito das reações à aplicação prática das medidas. Nesse arsenal de desafios e conflitos desencadeado ao longo do processo de transformação da política colonial envolvendo os índios, Domingues317 sustenta que o

Diretório foi pensado e decretado para atender a demanda metropolitana. Todavia, não pode ser entendido como complementar, e, sim, enquanto uma medida jurídica e política integrante do conjunto legislativo decretado visando à liberdade e integração dos índios.

O Diretório consubstanciou medidas civilizacionais e jurídicas, que,

enquanto código legal conferia poder e legitimidade às regras impostas pelo Estado josefino, separava o legítimo do ilegítimo, estabelecia as fronteiras entre o permissível e o inadmissível e definia o novo plano civilizacional a que pretendia dar início no Norte brasileiro318.

315 DOMINGUES, 2000, p. 37-41. 316 Ibidem, p. 105.

317 Ibidem, p. 105. 318 Ibidem, p. 69.

O projeto político do ministério josefino abrangia um planejamento de longo prazo e amplas dimensões. Incorria na transformação do espaço e das pessoas à semelhança do reino – vassalos do rei povoando as vilas e aldeias. Era preciso modelar os novos vassalos, os índios livres, equiparados pela legislação aos demais súditos do rei, segundo o paradigma da civilização europeia ocidental. Nesse sentido, o Diretório representou lógica política de separação das esferas de poder e além, uma política civilizacional projetada para ocidentalizar o espaço e os novos vassalos indígenas319. O projeto de civilização expressado no Diretório objetivava destribalizar e aculturar os índios, condição necessária para torná-los “súditos leais e católicos fiéis”, criando um “extrato camponês ameríndio integrado na economia de mercado como assalariado” e da transformação deles em “veículo de colonização portuguesa no Norte”320.

Rita H. de Almeida321 analisa o Diretório desvinculando dos interesses de sua

aplicação. Sua análise busca compreender os fundamentos filosóficos e conceituais dos seus autores e das resoluções produzidas. Devido à amplitude de sua abrangência e ao contexto histórico em que foi produzido (fruto do pensamento iluminista), defende que o Diretório adquiriu cunho de Constituição. Aborda desde os “grandes empreendimentos”, como a demarcação de fronteiras, até a prática e o comportamento das autoridades e dos demais súditos, orientados para uma nova postura, qual seja, a de considerar os índios como “população” da nova nação. Os 95 parágrafos,

dispõem sobre variada gama de questões, desde a civilização dos índios aos problemas da distribuição de terras para cultivo, formas de tributação, produção agrícola e comercialização, expedições para coleta de espécies nativas, relações de trabalho dos índios com os moradores, edificação de vilas, povoamento e manutenção dos povoados por meio dos descimentos, presença de brancos entre índios, comportamento esperado entre as partes, casamento e, por fim, um delineamento do diretor figura central neste novo procedimento que vinha substituir os missionários322.

Segundo sua proposição323, o Diretório foi um documento jurídico que regulamentou as ações colonizadoras dirigidas aos índios, entre os anos de 1757 e 1758. Tais resoluções

319 Ibidem, p. 151. 320 Ibidem, p. 68-78. 321 ALMEIDA, 1997. 322 ALMEIDA, 1997. 323 Ibidem, p. 14.

podem ser agrupadas em três grandes temas gerais vinculadas as reformas estabelecidas e na legislação decretada: 1. Civilização dos índios; 2. Economia subdividida por setores: agricultura, fiscalização e tributação, comércio, regulamentação da força de trabalho; 3. Colonização: povoamento, edificação de povoações, descimentos e controle da população.

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