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A controvérsia sobre a “endogeneidade” dos controles

CAPÍTULO II – A experiência com controles de capitais durante a abertura financeira no

2.5. Avaliando os controles de capitais

2.5.1. A controvérsia sobre a “endogeneidade” dos controles

Entre os economistas convencionais, hegemônicos na composição da equipe econômica à época, os controles de capitais não estavam isentos de opiniões divergentes. Dentro da visão convencional, as contestações mais contumazes surgem sob o argumento de uma suposta ineficácia dos controles de capitais, em função de sua “endogeneidade”. O argumento central desses autores era de que os controles de capitais eram aplicados conforme a mudança na direção dos fluxos, de forma que a cada momento de introdução de novos

controles, os investidores encontravam alternativas para evadir às restrições. Conforme esses autores, portanto, os controles não exerciam impacto relevante nos fluxos de capitais.

Na defesa da “endogeneidade” dos controles, Cardoso e Goldfajn (1997) constroem um modelo econométrico onde é testada a hipótese de que os controles de capitais respondem positivamente às mudanças nos canais de migração dos influxos. Os autores concluem, com dados entre os anos de 1983 a 1996, que os fluxos de capitais no Brasil são determinados essencialmente pelo “contágio” de outras economias, de modo que os controles representam apenas uma reação a esses momentos de entrada e fuga de recursos, sendo, portanto, endógenos.

O artigo de Garcia e Barcisnki (1998), por outro lado, é bastante cético em relação à possibilidade de uma análise econométrica mais robusta em relação aos controles de capitais, sobretudo porque o retorno dos fluxos data do ano de 1991 e a imposição desses controles havia se iniciado no ano de 1993. Os resultados encontrados pelos autores em exercícios preliminares, conforme o artigo, não foram significativos. Não obstante, o artigo também adere ao argumento da endogeneidade, ao sustentar que os mercados financeiros encontravam outras maneiras de escapar das restrições impostas, de forma que os controles de capitais seriam incapazes de conter o grande volume de influxos.

Carvalho e Garcia (2006), em um trabalho mais recente, aplicam a metodologia econométrica de Cardoso e Goldfajn (1997) para a análise de eficácia dos controles de capitais entre os anos de 1995 e 2001. Novamente, os autores sustentam que os controles de capitais seriam endógenos e responderiam positivamente à mudança nos influxos. Conforme o exercício proposto, os controles de capitais teriam eficácia limitada, com duração em torno de 2 a 5 meses seguidos de sua aplicação. Embora declarem não rejeitar totalmente os controles de capitais, Carvalho e Garcia (2006) argumentam que, sob mercados financeiros sofisticados como o brasileiro, os controles de capitais demonstraram baixa eficácia, diante das múltiplas possibilidades de evasão regulatória. Para os autores, era possível burlar os controles de capitais disfarçando os investimentos de curto prazo através de aportes em IDE, investimento em capital próprio, ou contratos futuros de câmbio e utilizando sofisticados mecanismos de engenharia financeira, através de mercados externos de derivativos, mercados de opções e das contas “CC-5”, entre outros.

Franco (2006), como anteriormente assinalado, contesta fortemente a tese da “endogeneidade” dos controles aplicados nos anos 1990, reafirmando sua importância para a continuidade da abertura financeira. Conforme Franco (2006), em artigo em que contesta as

afirmações de Carvalho e Garcia (2006), não há evidências que suportem a ideia de que sejam relevantes os ingressos “disfarçados” na forma de investimento direto estrangeiro (IDE), contratos de câmbio, mercados de opções ou pelas contas “CC-5”.

Sobre o uso do IDE, Franco assume que o BCB verificou um grande volume de empréstimos intercompanhia em 1993, mas o volume total de IDE teria sido muito maior, de modo que nada indicaria o seu uso para a evasão dos controles de capitais. Sobre o fechamento dos canais proporcionados pelo “Anexo IV” (ver item 2.4), Franco (2006) afirma que o que era interpretado como um jogo de “gato e rato” por Carvalho e Garcia (2006) – a fuga para outros instrumentos após as mudanças regulatórias – não ocorria de fato, pois esses investimentos eram feitos com recursos que já haviam ingressado em momentos anteriores. Sobre a possibilidade de adiantamento ou prolongamento no pagamento de importações e exportações, outra modalidade de evasão levantada por Carvalho e Garcia (2006), Franco (2006) aponta que houve diversas mudanças nas regras, procurando evitar o uso excessivo deste canal. Não obstante, o autor argumenta que no caso dos exportadores, os ganhos de arbitragem seriam importantes para preservar a lucratividade do setor no momento de vigência da âncora cambial.

No que tange às possibilidade de evasão através das contas CC-5, Franco (2006) menciona o constrangimento dos investidores em usar este canal, pois todas as transações por meio deste expediente deveriam ser identificadas e seu propósito explicado ao BCB, que, de posse das informações poderia simplesmente negar a transação. Ademais, o autor menciona que em 1995 foi instituído imposto sobre esse canal.

Em relação às operações “Back to back”, onde os investidores assumem posições contrárias no mercado onshore e offshore, Franco argumenta que este tipo de transação estava sujeito à fiscalização do BCB e foram devidamente combatidas pela autoridade monetária.

Por fim, Carvalho e Garcia (2006) acusavam o uso de cláusulas de put and call nos empréstimos externos como forma de fuga do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). Como já demonstrado, em 1995 o BCB introduzia alíquotas distintas de IOF aos empréstimos externos, conforme sua maturidade. Carvalho e Garcia (CARVALHO; GARCIA, 2006) argumentavam que as cláusulas de put and call permitiam mudar a maturidade dos empréstimos para obter impostos mais baixos. Franco, por sua vez, argumenta que jamais o BCB autorizaria empréstimos com esse tipo de cláusula, considerando tal possibilidade desproposital. Ademais, conforme o autor, se os investidores assim procedessem, o BCB poderia simplesmente aplicar de forma correta o IOF. Para além de

negar a endogeneidade dos controles de capitais, Franco (2006) defende que os controles foram eficazes em aspectos microeconômicos, ao mudar a maturidade dos empréstimos externos. Ademais, o autor argumenta que o IOF foi eficaz para reduzir o ingresso de recursos para os fundos de renda fixa e de privatização e elevar a arrecadação do governo.

Ainda hoje, é um elemento comum entre parte dos economistas convencionais a defesa - com graus diferentes de moderação – do argumento da endogeneidade dos controles de capitais, embora prevaleçam algumas dificuldades metodológicas. Existem problemas com o exercício contrafactual de verificar como seria a dinâmica dos influxos na completa ausência de controles de capitais, o que é admitido por Cardoso e Goldfajn (1997). Ademais, a tentativa de construção de índices capazes de medir a eficácia dos controles praticada por Cardoso e Goldfajn (1997) e reaplicada por Carvalho e Garcia (2008), leva a algumas contestações metodológicas, fato apontado por Franco (2006).Franco questiona abertamente a metotologia de Carvalho e Garcia (2006), pois ao atribuir a cada medida um índice17, os autores estariam igualando medidas com impactos muito diferentes em seu modelo.