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A visão convencional sobre os controles de capitais no Brasil

CAPÍTULO II – A experiência com controles de capitais durante a abertura financeira no

2.2. A visão convencional sobre os controles de capitais no Brasil

No Brasil, existe um rico debate acerca da liberalização financeira, mapeado por Biancarelli (2003), que contempla as divergências entre as visões “convencional” e “crítica” acerca do processo de abertura financeira. Este debate, que se inicia ainda nos anos 1990, se intensificou em grande medida nos anos 2000, na esteira da proposta de um aprofundamento da abertura, no sentido da plena conversibilidade do real. Neste debate temos elementos importantes para entender as razões para a adoção dos controles e qual o seu papel na visão

de economistas “convencionais”, predominantes na composição do governo brasileiro durante a implementação do real e usuais defensores do aprofundamento da abertura.

Dentro da visão convencional, os controles de capitais foram aliados à ideia de que, dentro de um processo de abertura financeira, seriam capazes de modificar e selecionar qualitativamente os influxos, preservando os recursos necessários à estabilidade do regime cambial. Para parte importante dos defensores do processo de abertura financeira, os controles de capitais deveriam ser aceitos, desde que assumissem uma forma própria, não antagônica às políticas em curso.

Bacha (1994) nos fornece uma síntese da visão predominante na economia “convencional” sobre os controles de capitais naquele período, no Brasil:

“This policy may be effective in the short run, although experience suggests that the private sector is quick in finding ways to dodge those taxes. In any case, the effectiveness of capital controls depends on the size of the prospective gains from evading these controls (which suggests that domestic interest rates corrected for prospective exchange rate overvaluation cannot be way out of line with foreign interest rates; but also that raising the short- term unpredictability of exchange rate changes may in fact help to deter speculative capital flows without negatively affecting long-term export decisions), the ability to evade controls without being detected (which suggests that capital controls on commercial banks may be relatively effective, given the strictly regulation to which they are normally submitted, and also that it may be easier to place restrictions on capital inflows than in capital outflows), and the costs of being detected. Moreover, the ability of residents to evade capital controls will generally depend on arrangements governing convertibility for current account transactions. This is why most countries that claim to have established current account convertibility have actually retained various exchange restrictions on current account transactions, implicitly recognizing the dangers of capital flows through the current account. Clearly, consideration should be given to devising mechanisms that minimize the bureaucratic hassles and administrative costs of filing documents and obtaining or disposing of foreign exchange, and that keep the market for foreign exchange reasonably competitive.” (BACHA, 1994, p. 452)

Estão presentes no argumento de Bacha (1994) as seguintes ideias: (1) os controles de capitais têm eficácia limitada, dadas as grandes possibilidades de evasão das regulações (adesão ao argumento da endogeneidade, ver item 2.5.1), (2) controles de capitais devem influenciar preferencialmente os preços, preservando a manutenção de um mercado de câmbio flutuante, (3) capitais especulativos proporcionam uma ameaça à sustentabilidade do balanço de pagamentos, (4) os controles de capitais podem deter capitais especulativos, sem que se altere a dinâmica de longo prazo dos fluxos. Para o autor, considerando esses

elementos, seria possível conciliar um processo de rápida abertura financeira à aplicação de controles de capitais.

Arida (2003a, 2003b), presidente do BCB entre janeiro e junho de 1995, em sua defesa da plena conversibilidade do real, também reconhece que o objetivo final das medidas adotadas durante a abertura financeira nos anos 90 era promover um mercado de câmbio flutuante, de modo que a intervenção do BCB se restringisse à compra e venda de divisas, em um regime de “flutuação suja” da taxa de câmbio. Nesse sentido, os controles de capitais eram concebidos como uma alternativa útil em determinados momentos, mas não desejável. Ademais, o autor declarava uma preferência por controles “indiretos”, price-based:

“Controles cambiais, no entanto, não são a resposta microeconômica correta para aplainar a volatilidade excessiva na taxa de câmbio. No contexto de taxas flutuantes de câmbio, Bancos Centrais sempre podem evitar a apreciação ou depreciação exageradas através da intervenção aberta, aumentando ou diminuindo suas reservas; alternativamente, podem impor taxação temporária com alíquota uniforme e universal para entrada ou saída de moeda estrangeira. Qualquer dos dois métodos é preferível a deturpar o funcionamento do sistema de preços através de normas e regulamentos que privilegiam, por ato do Príncipe, certas categorias de transação e certos agentes em detrimento dos demais”. (ARIDA, 2003b, p. 139-40)

Com efeito, outro objetivo tangente à abertura financeira consistia em reduzir as possibilidades de reintrodução de controles “diretos”. Arida (ARIDA, 2003a), é explícito nesse aspecto:

“O ponto a reter, todavia, é que se tivéssemos plena conversibilidade, afastando o risco da reintrodução de controles cambiais por via administrativa, teríamos menores taxas de juros em dólares nos títulos de longo prazo no exterior e, por consequência, menores taxas de juros em reais. O custo de se manter o controle cambial no universo dos mundos possíveis é pago aqui e agora através de taxas de juros mais altas do que deveriam ser”. (ARIDA, 2003b, p.154)

A defesa mais enfática dos controles de capitais entre os economistas convencionais, contudo, é feita por Franco (2006), presidente interino do BC entre dezembro de 1994 e janeiro de 1995, e titular entre agosto de 1997 e março de 1999, sendo responsável, portanto, por parte das medidas implementadas.

No âmbito da discussão sobre uma suposta “endogeneidade dos controles”, relatada no item 2.5.1, Franco (2006) argumenta que, de forma geral, não era usual defensor dos controles de capitais, mas que os controles foram aplicados em um contexto de rápida

abertura financeira, em circunstâncias excepcionais, como uma política “second best”. O trecho a seguir oferece uma síntese da visão do autor sobre esse aspecto:

“The point here is that under the particularly exuberant circumstances lived by Brazil in the mid 1990s, and having in mind a number of institutional features of the relevant market environment and associated regulation and institutions, the regulatory innovations for both inflows and outflows were relevant and effective given their terms of reference”. (FRANCO, 2006, p.5)