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CAPÍTULO III – A experiência com controles de capitais no Brasil pós crise internacional:

3.3. Sobre a formação da taxa de câmbio no Brasil

3.3.2. Os mercados “futuro” e offshore

Do ponto de vista dos investidores não-residentes, por outro lado, é bastante limitado o acesso ao mercado “à vista” (primário e secundário) para a realização de operações de carry trade. Quando o objetivo do investidor não-residente consiste em realizar transações buscando se aproveitar do diferencial de juros ou mesmo se aproveitando do movimento da taxa de câmbio no Brasil, uma opção muito utilizada consiste em acessar o diretamente o mercado “futuro” no Brasil (onshore), de forma combinada a uma operação no mercado

offshore de reais, a partir do qual lhe é permitido “sintetizar” um investimento no país.

Em essência, o mercado “futuro” é determinado por operações com derivativos, negociados na Bolsa de Mercadorias e Futuros (BM&F Bovespa). Neste mercado é permitida a operação de praticamente qualquer agente (pessoa física ou jurídica), desde que cumpra as exigências da BM&F Bovespa, inclusas as instituições estrangeiras. Conforme a legislação25,

os investidores estrangeiros possuem o mesmo acesso que os investidores locais a qualquer ativo disponível, desde que mantenham contas em moeda local. Por isso, aqui não existem as

24 Conforme o Artigo 18 da lei 4595 de 1964, “As instituições financeiras somente poderão

funcionar no País mediante prévia autorização do Banco Central da República do Brasil ou decreto do Poder Executivo, quando forem estrangeiras”.

restrições impostas no mercado “à vista”, sobretudo no que tange às restrições para a realização de operações “sintéticas”, estruturadas largamente nos derivativos de câmbio.

Do ponto de vista estrutural, o mercado “futuro” de câmbio no Brasil é bastante líquido e profundo, tendo passado por um processo recente de expansão, sobretudo a partir da segunda metade da década de 2000, o que é mostrado na seção 3.3.4 deste trabalho. Contribuem para esse fato algumas características, também destacadas por Prates (2015), e resumidas abaixo.

Primeiramente, em função da possibilidade de criação de produtos “sintéticos”, o volume de transações nesse mercado é praticamente ilimitado, pois os derivativos são non-

deliverable. Ou seja, não há a exigência de entrega da moeda transacionada no vencimento

dos contratos, de forma que esses contratos futuros de câmbio podem ser liquidados por novos contratos sem a necessidade de novos aportes, possibilitando, em última instância, sua rolagem permanente.

Deste modo, os derivativos permitem um grau elevado de alavancagem aos investidores, uma vez que é possível denominar novos contratos tão somente a partir da expectativa de rendimento de um determinado ativo, como a variação da taxa de câmbio, por exemplo. Com isso, os investidores não necessariamente precisam tomar dívida para assumir novas posições nos mercados de derivativos. Do ponto de vista da dinâmica da taxa de câmbio, é possível que em determinados momentos o mercado “futuro” exerça pressão pela apreciação do real sem que necessariamente tenha havido ingresso de moeda estrangeira.

Nesse sentido, alguns estudos mostram evidências sobre a existência de um processo de transmissão das pressões deste para o mercado “à vista”. Ao investigar essa questão, Ventura e Garcia (2012), por meio de uma análise de microdados das operações de câmbio, concluem que de fato a taxa de câmbio no Brasil é determinada essencialmente no mercado futuro. À mesma conclusão chega o artigo de Garcia e Urban (2004) que, através da aplicação do teste de causalidade de Granger, concluem que a formação de preços de fato se dá no mercado “futuro”.

Ademais, assim como no mercado interbancário, o movimento de câmbio contratado, contabilizado pelo BCB, também não considera as operações realizadas no mercado de derivativos. Embora exista o monitoramento das operações através do SISBACEN, o mercado de derivativos brasileiro foi concebido para operar com menor grau de regulação. Até o ano de 2011, por exemplo, o mercado de derivativos de balcão era descentralizado, de forma que não havia um ambiente único que permitisse a visualização

detalhada das operações a todos os agentes. Ou seja, era permitido que instituições operassem com derivativos entre si, formando mesas paralelas de negociação. A partir de 2011, na esteira de outras mudanças, foi exigido que quaisquer derivativos fossem negociados em uma

câmara de compensação26. Não obstante, sob as regras atuais, compete ao BCB apenas o controle do resultado líquido das operações, registrado no sistema de clearing da BM&F Bovespa (para o mercado “organizado”), ou da Central de Custódia e Liquidação Financeira de Títulos Privados (CETIP)27 (para o mercado de balcão), de forma que os investidores não

têm a visualização integral sobre a formação de posições e os preços definidos nestes mercados. Deste modo, o controle direto da autoridade monetária sobre os contratos de derivativos cambiais segue limitado.

Uma outra característica a se observar é que, de forma geral, para acessar o mercado cambial brasileiro por meio das operações com derivativos, o investidor não- residente não necessariamente envolve o ingresso direto de recursos no país. Nesse sentido, como já observado, basta que o investidor não residente mantenha uma conta em reais com um banco ou uma sociedade corretora autorizada a operar no Brasil, conforme previsto na Resolução nº 2.689 de 2000, do BCB, que regulamentou o acesso aos mercados de derivativos. O resultado desse arranjo é que parte importante das operações cambiais é efetivamente feita diretamente no exterior (offshore), uma vez que, para obter créditos em

reais no Brasil, o investidor estrangeiro precisa fornecer dólares para uma instituição

financeira com operações no país, o que não é possível realizar onshore dada a impossibilidade de manter contas em moeda estrangeira no Brasil, ressalvadas algumas exceções28.

Ainda sobre o mercado offshore, há de se ressaltar que, por não envolver o ingresso direto de recursos por parte do investidor não residente, não há efetivo movimento no fluxo cambial. Como destacado por Rossi (2016), usualmente as posições cambiais assumidas

26 Conforme a Lei 12.543, de 8 de dezembro de 2011,, no § 4o “É condição de validade dos

contratos derivativos, de que tratam os incisos VII e VIII do caput, celebrados a partir da entrada em vigor da Medida Provisória no 539, de 26 de julho de 2011, o registro em câmaras ou prestadores de serviço de compensação, de liquidação e de registro autorizados pelo Banco Central do Brasil ou pela Comissão de Valores Mobiliários.”

27 Hoje a CETIP está vinculada à BM&F Bovespa, sob o nome B3.

28 Alguns tipos de instituições, em geral domésticas e que operam volume reduzido de recursos,

possuem autorização para manter contas em moeda estrangeira. Ver o capítulo 14 do Regulamento do Mercado de Câmbio e Capitais Internacionais (RMCCI).

offshore são cobertas por operações de sentido contrário na BM&F Bovespa, no contexto de

operações de hedge com derivativos cambiais, o que em última instância conduz a uma pressão sobre a formação da taxa de câmbio onshore. Este aspecto é explorado mais atentamente no tópico a seguir.

De forma geral, este desenho institucional é resultado do modo pelo qual se deu a abertura financeira no Brasil, que procurou conferir amplo acesso aos investidores estrangeiros sem atingir o último grau de abertura, a plena conversibilidade do real. Como já mencionado no tópico 3.1, a permissão de que agentes estrangeiros pudessem operar nos mercados de derivativos data do ano 2000 (Resolução CMN n. 2689/2000). A possibilidade de operar um mercado de câmbio a partir do clearing da BM&F, por sua vez, foi feita a partir da reestruturação do Sistema Brasileiro de Pagamentos (SPB), em abril de 2002.

Nesse sentido é importante também mencionar que a reforma do Sistema Brasileiro de Pagamentos (SPB), realizada em 2002 sob orientações do Bank for International

Settlements (BIS), tinha o objetivo de garantir o acesso ao investidor estrangeiro ao mercado

financeiro doméstico sob a premissa dos princípios da autorregulação, permitindo a existência de mercados descentralizados de ativos. A partir dessa reforma, o sistema bancário brasileiro passou a permitir transações em tempo real entre as instituições financeiras, criando um ambiente bastante propício operações instantâneas nesses mercados.

Portanto, do ponto de vista da formação do câmbio onshore, a implicação mais importante desse cenário onde a regulação do mercado de câmbio “à vista” contrasta com uma menor regulação do mercado “futuro”, é uma natural hipertrofia do segundo, em detrimento do primeiro. Com grande facilidade de acesso por investidores residentes e não residentes, o mercado “futuro” é efetivamente muito mais líquido que o mercado “à vista”, seja pelo maior número de agentes, seja pela profundidade do mercado de derivativos e a possibilidade de criação de operações “sintéticas” de câmbio.

O Gráfico 12, elaborado por Rossi (2016), mostra a razão entre o volume de operações cambiais em diferentes mercados. Em abril de 2013, o mercado “futuro” (balcão e mercados “organizados” de futuros e opções) obteve um volume financeiro diário aproximadamente 3 vezes superior àquele transacionado no mercado “à vista” (primário e interbancário).

Gráfico 12 – Mercado de câmbio do real em abril de 2013 (volume financeiro diário em US$ bilhões)

Fonte: Rossi (2016, p. 112)

No Gráfico 12 podemos notar ainda a grande dimensão do mercado offshore do

real29, retratando o amplo uso de operações cambiais sem o ingresso direto de recursos. Este fato, em especial, decorre do fato de que os bancos domésticos com operação no exterior, especialmente os dealers, atuam como captadores dos recursos oriundos de transações cambiais offshore, posteriormente convertidos em recursos aos investidores não residentes com operações no Brasil, disponíveis para as operações de carry trade com derivativos, fato explorado na seção a seguir.