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CAPÍTULO I Uma breve revisão da literatura sobre controles de capitais

1.6. O conceito de Capital Flow Management

No período recente, tanto a literatura “crítica” quanto a literatura “convencional” acerca dos controles de capitais têm demonstrado crescente preocupação com as múltiplas possibilidades de evasão proporcionadas pelas inovações financeiras e a grande dificuldade em moderar os fluxos internacionais de capitais. Há uma grande ênfase na ideia de que a imposição de regras, impostos ou limites quantitativos podem ser incapazes de reduzir de forma significativa o grau de mobilidade internacional do capital, diante de mercados de ativos extremamente sofisticados.

Como mostram a experiência coreana (ver item 1.6.1) e, sobretudo a experiência brasileira, abordada neste trabalho, por diversas vezes a imposição de restrições ao sistema financeiro doméstico (medidas macroprudenciais) funciona efetivamente como um elemento de restrição aos influxos de capitais.

No documento onde é explanada a posição institucional do FMI (2012) esta tendência é evidente. Como já observado, o Fundo propõe a adoção do conceito de Capital

Flow Management (CFM), conceito que compreende os controles de capitais tradicionais e

demais medidas que influenciem os fluxos, como as medidas macroprudenciais.

O trabalho de Rey (2015), por exemplo, agrega elementos importantes a esse conceito. Conforme a autora, praticamente todos os países estão sujeitos ao ciclo financeiro global, determinado a partir dos países centrais, de forma que a autonomia de política monetária seria, em última instância, um objetivo inalcançável. O principal argumento da autora é o de que os fluxos internacionais de capitais e o nível de alavancagem das instituições globais transmitem globalmente os ciclos de liquidez, mesmo sob a vigência de taxas de câmbio plenamente flutuantes, que em tese garantiriam a autonomia doméstica de política monetária. Portanto, nessa circunstância, a autora chegava à mesma conclusão postulada por Flassbeck (2001): o chamado “trilema macroeconômico” (OBSTFELD; TAYLOR, 2004) estaria reduzido a um “dilema”, pois, diante do alto grau de mobilidade internacional dos capitais, não há plena autonomia de política monetária no âmbito doméstico. Deste modo, a redução no grau de mobilidade internacional do capital pode ser desejável a países sujeitos às mudanças nos ciclos de liquidez global.

Ademais, o trabalho de Rey (2015) também sugere que, para além de controles de capitais temporários e com objetivos específicos a serem aplicados nos países recebedores dos influxos, caberia também aos países centrais e periféricos reduzirem o grau de mobilidade internacional dos capitais através de medidas anticíclicas e macroprudenciais, uma vez que os ciclos de liquidez domésticos são também determinantes para tal fenômeno. Essa dimensão é especialmente explorada por Gourinchas e Obstfeld (2012), ao demonstrar a forte correlação entre a expansão do crédito e a valorização da moeda doméstica em momentos que precedem crises financeiras, no fenômeno conhecido como “crises gêmeas”.

Portanto, diante de mercados financeiros extremamente sofisticados no âmbito global, prevalece a ideia de que a moderação dos fluxos internacionais de capitais deve ser complementada pelo que pode ser considerada uma “nova dimensão” dos controles, que envolve as técnicas de Capital Flow Management, compreendendo não somente os controles de capitais tradicionais, mas também as chamadas medidas macroprudenciais, tanto nas economias centrais, quanto nas economias periféricas.

1.6.1. Coréia do Sul: controles de capitais sob mercados sofisticados

Para além do caso brasileiro, abordado neste trabalho, a utilização diversos instrumentos de gestão da conta financeira na Coréia do Sul a partir do final da primeira década dos anos 2000 é bastante representativa da necessidade de ampliação do conceito de controle de capital, no sentido das técnicas de Capital Flow Management e da incorporação da ideia de Prates e Fritz (2014), que defende uma concepção não hierárquica em relação a medidas macroprudenciais.

Como relatam Kim e Yang (2008), sob o intuito de ingressar na OECD (Organisation for Economic Co-operation and Development), a partir do início dos anos 1990 a Coréia do Sul seguiu um caminho moderado de liberalização de sua conta financeira, mantendo as mais importantes restrições aos fluxos internacionais de capitais. Contudo, a partir da crise tailandesa em 1997, o país vivenciou uma forte depreciação do won, até então administrado sob um regime de bandas cambiais. A partir do final de 1997, diante de tentativas malsucedidas de defender a moeda doméstica, a Coréia do Sul então optou por um regime de livre flutuação do câmbio, combinado a uma trajetória de intensificação da abertura financeira.

Dentre outras medidas, em 1999 a Coréia do Sul estabeleceu uma nova legislação para as transações financeiras, de cunho fortemente liberalizante. Com isso, foi dada ampla liberdade para a tomada de empréstimos de curto prazo no país e a compra de moeda estrangeira passou a ser disponível para instituições financeiras. Com a ampliação da liquidez disponível à Coréia do Sul, a partir de 2006 o país aprofundou ainda mais a liberalização financeira, optando por lidar com os influxos a partir da facilitação da saída de recursos ao exterior.

O resultado, como mostram os fatos estilizados por Kim e Yang (2008) foi uma tendência de exportação de ativos de maior risco e a importação de ativos de menor risco, considerando a forte predominância do setor exportador na economia coreana. Nessa trajetória, como apontam Fritz e Prates (2016), se deu uma intensificação das operações com derivativos cambiais no mercado onshore, combinado a um endividamento de curto prazo tomado no exterior pelos bancos domésticos.

No momento da crise financeira internacional, as empresas coreanas estavam fortemente alavancadas em operações com derivativos, causando forte impacto sobre a taxa de câmbio do país. Diante do forte endividamento de suas empresas financeiras e não-

financeiras, e as múltiplas dimensões que esse endividamento assumiu, a Coréia do Sul optou por uma estratégia bastante abrangente para lidar com o efeito contágio da crise.

Especificamente, entre novembro de 2009 e novembro de 2012, o país combinou controles de capitais tradicionais a medidas prudenciais especificamente voltadas ao mercado cambial12. As regulações prudenciais envolviam exigências mínimas de liquidez, e limites

quantitativos sobre contratos cambiais e de derivativos. Os controles de capitais tradicionais, por sua vez, limitavam o financiamento para operações cambiais apenas a transações com o exterior, bem como a introdução de um imposto de 14% sobre a compra títulos públicos por não residentes. Para além do maior controle sobre a taxa de câmbio, o objetivo dessas regulações, como destacam Pradhan et al. (2011) consistiam em reduzir o endividamento bancário, evitando que esse retornasse ao nível pré-crise.

Alguns estudos indicam que a estratégia coreana para lidar com os influxos de capitais obteve êxito sob diversos aspectos. Bruno e Shin (2014) apontam uma redução na volatilidade dos fluxos de capitais diante dos ciclos globais a partir de 2010. Baumann e Gallagher (2012) indicam uma pequena redução na volatilidade da taxa de câmbio no período de vigência dos controles. Kim (2013), por sua vez, sugere uma melhora na maturidade da dívida externa contraída pelos bancos e uma redução na probabilidade de que o país viesse a apresentar uma “parada súbita” nos influxos de capitais.