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A formação de posições cambiais e a intermediação dos dealers

CAPÍTULO III – A experiência com controles de capitais no Brasil pós crise internacional:

3.3. Sobre a formação da taxa de câmbio no Brasil

3.3.3. A formação de posições cambiais e a intermediação dos dealers

Únicos a operar integralmente no mercado “à vista” e “futuro” de câmbio, os

dealers possuem um papel central na transmissão das pressões especulativas de um mercado a

29 Rossi (2016) menciona a possibilidade de uma dupla contagem neste gráfico, uma vez que as

posições cambiais neste mercado muitas na maior parte das vezes implicam em transações cambiais onshore. Isto, na visão aqui expressa, não invalida a importância da dimensão deste mercado sobre as operações cambiais.

Mercado Primário; 5,4 Mercado Interbancário; 2,6 Balcão Onshore; 1,9 Futuros e Opções; 22 Mercado Offshore; 57,4

outro. Uma vez que a liquidação dos contratos de derivativos somente pode ocorrer em reais, o processo de captação e entrega de dólares offshore junto ao investidor estrangeiro é inerentemente sujeito à intermediação dessas instituições.

Nesse contexto, muitas vezes as captações em dólar são realizadas através das “operações de linha”, que consistem em financiamentos em dólar dos bancos domésticos com sucursais no exterior, sem impacto direto no movimento de fluxo cambial. No caso de bancos que já possuem operações no exterior, as transferências são realizadas através de operações intracompanhia. Ainda conforme Rossi (2016), as “operações de linha” também são utilizadas para o envio de recursos ao exterior, do mesmo modo sem resultado direto sobre o fluxo cambial.

Garcia e Urban (2004) afirmam que, no caso do dólar, as transferências de moeda estrangeira podem ser realizadas das seguintes formas:

“Através de transferência interna (booktransfer), quando o banco correspondente dos bancos brasileiros for o mesmo;

Através da câmara de pagamentos norte-americana (Chips);

Através do sistema de transferências de reservas norte-americano (Fedwire).” (GARCIA; URBAN, 2004, p.11)

Através de ambas as operações, de captação e envio de recursos ao exterior, é possível ao dealers acumular posições cambiais “compradas” ou “vendidas”30 (o que é vedado aos demais participantes do mercado de câmbio, incluindo as sociedades corretoras). Mais importante, as operações de captação e envio de recursos ao exterior nesses moldes são realizadas são realizadas através de um ajuste contábil nos balanços dos bancos com sucursais no exterior, sem impacto direto sobre o fluxo cambial. Assim, a entrada e saída de recursos de e para o exterior pode não acontecer somente no mercado “à vista”, uma vez que é também realizada a partir do ajuste contábil por parte dos dealers que possuem carteira de câmbio, sendo essas instituições capazes de realizar as entregas de moeda estrangeira aos investidores não-residentes.

30 Conforme o Decreto n° 7563 de 15 de setembro de 2011, no parágrafo 4:

“Exposição cambial vendida - o somatório do valor nocional ajustado dos contratos de derivativos financeiros do titular que resultem em ganhos quando houver apreciação da moeda nacional relativamente à moeda estrangeira, ou perdas quando houver depreciação da moeda nacional relativamente à moeda estrangeira”; “Exposição cambial comprada - o somatório do valor nocional ajustado dos contratos de derivativos financeiros do titular que resultem em perdas quando houver apreciação da moeda nacional relativamente à moeda estrangeira, ou ganhos quando houver depreciação da moeda nacional relativamente à moeda estrangeira”.

Até o ano 2000, este mecanismo já operava, razão pela qual os controles de capitais nos anos 1990 já incluíam restrições sobre as captações externas, como mostrou o item 2.4.3. Todavia, a partir da regulamentação dos mercados de derivativos em 2000, os

dealers de câmbio passaram a contar com esse mercado também para ajustar suas posições

cambiais, uma vez que os derivativos permitem o hedge das posições “compradas” ou “vendidas” assumidas no mercado “à vista”.

Deste modo, o ajuste das posições cambiais ganhou um maior protagonismo na realização das transmissões do mercado “futuro” para o mercado “à vista”, dado que uma posição descoberta assumida pelos dealers no mercado “à vista” pode ser coberta por uma operação de sentido contrário no mercado “futuro”. Rossi (2016) afirma que esse processo permite a realização de uma “dinâmica especulação-arbitragem”, onde investidores estrangeiros e institucionais domésticos passam a exercer uma pressão especulativa no mercado “futuro” de câmbio, ao passo que os dealers atuam no sentido de obter ganhos de arbitragem entre ambos os mercados, transmitindo as pressões de um mercado a outro.

Assim, a depender da expectativa acerca da valorização ou desvalorização da moeda doméstica, os dealers acumulam posições “compradas” ou “vendidas”, refletindo a demanda por transações cambiais por parte de investidores estrangeiros e institucionais domésticos. Em momentos onde predominam as expectativas de desvalorização da moeda doméstica, os dealers tendem a acumular posições “vendidas” em dólar, dada a demanda especulativa crescente pela moeda estrangeira no mercado “à vista”. Em momentos onde se espera a valorização da moeda doméstica, por outro lado, os dealers tendem a manter posições “compradas”, refletindo suas compras de moeda estrangeira realizadas no mercado “à vista”, decorrentes da crescente demanda pelo real por parte de investidores não residentes.

Dentre os vários ativos disponíveis aos bancos para realizar essa transmissão entre os mercados “à vista” e “futuro”, o principal método à disposição é uma operação conhecida como “diferencial” ou “casado”. O “diferencial” consiste em uma operação de compra ou venda de moeda estrangeira no mercado “à vista” vinculada a uma operação de oposta com um derivativo, usualmente um contrato de câmbio futuro da BM&F Bovespa. O “diferencial” entre as taxas praticadas no mercado “à vista” e “futuro” garante o ganho de arbitragem do banco.

Conforme afirmam Garcia e Urban (2004), o “diferencial” é o principal instrumento que permite mimetizar uma operação típica do mercado “à vista” de câmbio no mercado futuro:

“A operação de diferencial é muito utilizado para “migrar” posições formadas no mercado de derivativos, o contrato futuro de câmbio da BM&F, para o mercado pronto, à vista. Em determinadas situações de liquidez de mercado, o banco prefere realizar operações no mercado de derivativos e transferir suas posições para o mercado à vista. Nesse processo o banco pode realizar algum resultado, positivo ou negativo, em função das variações intradia dos níveis do cupom cambial e da taxa de juro prefixada, fatores de formação dos preços do mercado futuro.”(GARCIA; URBAN, 2004, p.22)

Garcia e Urban (GARCIA; URBAN, 2004) apresentam também outras operações formais e informais de ajuste das posições cambiais, que envolvem os mercados interbancário e de derivativos:

• Câmbio pronto: quando há liquidação de dólares e reais em até 2 dias úteis. Nas operações de câmbio pronto, não há necessidade de liquidação simultânea das moedas. Por exemplo, é possível que um contrato de câmbio determine, a uma taxa predeterminada no contrato, entregas de reais no primeiro dia posterior à contratação (D1) e entregas de dólares no segundo dia posterior à contratação (D2).

• Câmbio futuro31: Similar às operações de Câmbio Pronto, mas com prazo para liquidação superior a 2 dias úteis.

• PTAX: quando há compra e venda futura de moeda estrangeira referenciada em uma prévia da taxa PTAX, divulgada pelo BCB ao longo de um determinado dia. O resultado da PTAX é então divulgado apenas no dia seguinte, momento onde há o ajuste de posições entre os bancos, com ganhos e perdas mutuamente equivalentes. Este tipo de operação é tipicamente utilizado para o ajuste de posições por parte dos bancos nas operações com derivativos da BM&F.

• Operações de linha D1: quando há uma operação “sintetizada” de empréstimo interbancário de moeda estrangeira (US$) efetuada do seguinte modo: No dia “D1”, há o recebimento de moeda estrangeira (US$), com retorno pronto em Reais (R$) no dia “D2”. Esse retorno em reais é calculado a partir de uma taxa anual sobre o rendimento em dólar,

especificamente obtida a partir desse tipo de operação em um prazo de 360 dias corridos (padrão de cálculo no exterior).

• D1 “Casado: Operação similar à “linha D1”, mas com envolvimento também de uma taxa de juros em reais, calculada a partir do rendimento esperado do CDI. Essa taxa é aplicada na forma de um desconto sobre o rendimento da “linha” tradicional.

• “Barriga de Aluguel”: Venda de posição comprada para liquidação em D2, com posterior recomposição desta posição através de uma nova compra em D1. Essa medida tem por finalidade burlar a exigência de depósitos compulsórios eventualmente imposta pelo BCB sobre um dado limite de posições compradas.

É importante frisar que as operações formais de Câmbio Pronto e Câmbio Futuro são consideradas operações “à vista” (realizadas no mercado interbancário), contabilizadas no “fluxo cambial” e registradas como operações de “câmbio contratado” no SISBACEN, o sistema pelo qual as instituições autorizadas pelo BCB enviam as informações das transações cambiais. As demais são consideradas como produtos “informais”, e podem ser registradas como operações de câmbio pronto no SISBACEN ou nos mercados de derivativos na BM&F.

Alguns produtos “informais”, como o “diferencial” e as operações que envolvem a PTAX, por exemplo, se baseiam fortemente nos derivativos. Especificamente em relação a os derivativos, há uma subdivisão em dois segmentos: os derivativos negociados no mercado “organizado” (pregão da BM&F Bovespa), sobre os quais incidem maiores regulações e os derivativos de balcão (conhecidos também sob a sigla OTC: Over The Counter), negociados majoritariamente na CETIP.

O principal derivativo de câmbio negociado no mercado “organizado”, concentrando os maiores volumes, é o contrato futuro de dólar por real, muito utilizado para a realização da operação de “diferencial”. Considerando todo o ano de 2018, conforme dados da BM&F Bovespa, este tipo de contrato representou 88,5% de todas as transações nesse mercado. Ainda no mercado organizado são negociados outros produtos relacionados à variação da taxa de câmbio, como os contratos futuros de cupom cambial de 1 dia referenciados pelos depósitos interbancários (DI1), ou pela SELIC (OC1).

No mercado de balcão da BM&F Bovespa, por sua vez, são negociados contratos de swap; a termo e opções flexíveis. Os swaps, permitem a “troca” entre os fluxos de caixa de

diferentes ativos. Considerando as taxas de câmbio, por exemplo, é possível “apostar” pela valorização de reais intercambiando a variação cambial em dólares pela variação cambial em reais. As opções concedem o direito de adquirir um ativo no futuro por um preço fixado previamente. No caso de moedas, através das opções, é possível determinar previamente uma taxa de compra de dólares para entrega futura, por meio de um pagamento de um prêmio ao vendedor, sem que exista a obrigação de que o futuro comprador venha a efetivar essa compra. No “mercado a termo”, por sua vez, existe o compromisso de comprar ou vender um ativo em uma data futura por um preço fixado previamente. Diferentemente das opções, aqui há a obrigação estrita de compra ou venda do ativo.

É importante mencionar ainda que, para além dos derivativos cambiais, os bancos domésticos possuem outros instrumentos à disposição para o manejo de suas posições cambiais, como os Adiantamentos de Contratos de Câmbio (ACC), já explorados no item

2.4.5. Em momentos onde predomina a expectativa de desvalorização do real, por exemplo,

os Adiantamentos de Contratos de Câmbio (ACC) permitem a realização de transações de caráter especulativo, dada a possibilidade que o agente exportador obtenha a receita de exportação antes mesmo da liquidação desta operação no mercado “à vista”. Com isso, como apontam Prates e Rossi (2009), o exportador obtém um empréstimo em moeda nacional, em detrimento de uma renda futura em dólares, a ser futuramente convertida para a moeda local. Do ponto de vista do agente exportador, quando há expectativa de valorização do real a realização de um ACC pode ser interessante, pois caso essa expectativa se realize, o valor convertido em reais deverá ser menor no futuro. Como vimos na experiência com os controles nos anos 1990, no momento de valorização do real, a partir de julho em 1993, se deu uma maior demanda por operações de pagamento antecipado de importações, o que fez com que o BCB reduzisse o prazo máximo para esse tipo de operação. Por outro lado, no momento em que predomina a expectativa de desvalorização do real, o exportador desejará postergar o recebimento das exportações em reais, mantendo suas receitas no exterior.

Aos dealers, por consequência, compete a tomada de crédito offshore em moeda estrangeira, se aproveitando do diferencial de juros entre as taxas praticadas no mercado internacional e no mercado domésticos, e da adição de um spread, determinados por fatores inerentes à operação, como a avaliação de risco sobre o tomador do empréstimo e de indicadores macroeconômicos.